A Primazia do Espectador

Uma das características importantes que diferenciam o Idealismo de outras escolas de arte é o fato do Idealismo colocar o espectador em 1º lugar. No Idealismo (e outros tipos compatíveis de arte), a experiência do espectador nunca é desprezada e nunca é colocada em 2º plano - nem em nome do realismo, nem em nome da expressão pessoal do artista, nem em nome de outras questões práticas: da função educativa, social ou política da arte, etc. No Idealismo, um filme pode (e deve) refletir a realidade em algum nível, pode (e deve) ser uma expressão autêntica do autor, e pode também ter alguma funcionalidade prática - porém isso nunca será mais importante do que a experiência e a satisfação do espectador final.

Como uma escola que se baseia numa visão benevolente de mundo e valoriza a felicidade individual, o Idealismo busca relações de benefício mútuo e não pede que o espectador sacrifique sua felicidade em nome de algo maior - afinal não há nada mais importante para ele do que sua própria felicidade.

O Idealismo também não cria uma relação de conflito entre prazeres a curto prazo e prazeres a longo prazo. Na vida real, certos desprazeres são necessários quando buscamos nosso bem estar a longo prazo (uma cirurgia, por exemplo). Mas na arte, não há um benefício a longo prazo a ser obtido que exija que o consumo da obra seja uma experiência desagradável.

Nas outras escolas de arte, a experiência do espectador geralmente é colocada em 2º plano ou é até mesmo desprezada em nome de algo visto como mais importante. No caso do Realismo, por exemplo, pede-se que o espectador abra mão de sua satisfação pessoal em nome de questões sociais, das classes mais baixas, da representatividade, etc. No caso de Filmes de Arte ou experimentais, pede-se que o espectador abra mão de sua satisfação pessoal em nome da expressão individual do autor.

Este é um critério decisivo na hora de avaliar as qualidades de um filme. Se uma pessoa acredita que a função da arte é primeiramente expressar a individualidade do autor, ela não tirará pontos de um filme, por exemplo, por ele ser confuso, lento, mal estruturado - desde que ele continue parecendo "autoral". Se ela acredita que a função da arte é primeiramente social, ela não reclamará da falta de identificação com os personagens, da ausência de trama, da produção precária, desde que ele continue representando com eficácia os problemas sociais de determinada classe ou região.

É apenas sob a premissa de que a arte é feita para o espectador que a maioria dos valores técnicos e artísticos de um filme fazem sentido.

Isso não quer dizer que o artista deva abrir mão de sua autenticidade em prol do espectador ou deva servi-lo altruisticamente (pelo contrário, o espectador inteligente quer que o artista seja autêntico). Apenas que ele deve sempre buscar uma maneira de tornar seus interesses pessoais algo de interesse do espectador também. Como disse H. L. Mencken: "não existem assuntos chatos, apenas escritores chatos". Qualquer que seja o assunto que você queira abordar na arte, deve sempre haver uma maneira de torná-lo interessante e prazeroso para o espectador.

É apenas natural e humano que o artista queira proporcionar uma experiência prazerosa para o espectador, afinal de contas, o artista também já foi (e ainda é) um deles - um mestre chicoteando seu escravo talvez consiga se dar ao "luxo" de não desenvolver empatia pelo escravo por nunca ter sido um deles e saber que nunca será um - mas um artista que despreza o bem estar do espectador nem isso tem para justificar a sua falta de empatia.

A noção de que a satisfação do espectador não importa em geral é justificada por altruísmo / coletivismo, e por uma visão malevolente de mundo que diz que felicidade não é o propósito da vida, que os interesses humanos estão em conflito e por isso necessitam que uns se sacrifiquem em nome de outros, que acredita que felicidade e virtude sejam coisas incompatíveis e desconectadas: que uma obra importante e profunda não pode ser prazerosa, e que uma obra prazerosa não pode ser importante e profunda.

Mas muitas vezes essas são apenas racionalizações usadas por artistas que querem fugir do julgamento, da objetividade, pois no fundo sabem que eles não conseguiriam agradar o espectador mesmo que tentassem.

Uma observação final: é possível um filme colocar a experiência do espectador em 1º lugar mas ainda assim não ter uma mentalidade Idealista. Os melhores filmes têm sempre um espectador virtuoso como modelo: o espectador de bom caráter, inocente, racional. É este espectador que o filme tem como foco e pretende agradar (ou pelo menos este lado do espectador). Mas muitos filmes podem ter o foco no espectador também, porém acabam agradando-o não com base em suas virtudes, apelando pro seu lado nobre, positivo, e sim com base em seus vícios, seus problemas emocionais, desejos destrutivos, etc. Estes não caem na mesma categoria dos Idealistas.

http://profissaocinefilo.blogspot.com/2019/03/a-primazia-do-espectador.html

Comentários

  • É... Mas a tal Cinemax andou pedindo desculpas pelo filme sobre 1964, pois este não retratava os terroristas como heróis em defesa da Democracia... A satisfação do espectador está vinculada ao politicamente correto?
  • Mentir para agradar ao espectador?

    Sem falar em que não há algo chamado "espectador". O que desagradar ou entediar a uns pode ser aplaudido por outros.
  • Lembrando que o qie se propoe e o idealismo e o entretenimento como escapismo.
  • Botânico disse: É... Mas a tal Cinemax andou pedindo desculpas pelo filme sobre 1964, pois este não retratava os terroristas como heróis em defesa da Democracia... A satisfação do espectador está vinculada ao politicamente correto?

    Essa regra e para obras de ficção.
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