Assassination Classroom e a Escola
Essa é a sessão Rodapé, onde um tema é comentado usando um mangá como pano de fundo e guia. Desta vez, o mangá escolhido é Ansatsu Kyoushitsu (ou Assassination Classroom), publicado na Weekly Shonen Jump desde 2012 e, no Brasil, pela Panini desde 2014, escrito e roteirizado por Yuusei Matsui, autor de Majin Tantei Nogami Neuro. Conta a história da Sala 3-E, onde o professor é uma misteriosa criatura que já destruiu parte da lua e agora quer treinar a classe para assassinar ele mesmo antes que o próprio destrua a terra, o que ocorrerá em um ano após o começo da história.
No mangá, Matsui parece comentar sobre o sistema de ensino e como isso afeta os jovens alunos, então farei o mesmo, mostrando paralelos entre a estória e o mundo real.O sistema de ensino
Inúmeros mangás usam a escola como universo para contar suas histórias, geralmente por grande parte do público identificar-se muito com o ambiente, já que frequentam diariamente a instituição de ensino. Porém, mesmo que Ansatsu Kyoushitsu siga este caminho, ele dá um passo a mais ao tratar a escola não só como ambiente, mas como tema, tornando-se ainda mais relevante para o público jovem da revista onde é publicado.
Nossas escolas não são tão parecidas com as japonesas, mas podemos ver semelhanças nos métodos. A escola, como entidade, é rígida, focada, por vezes cruel e impiedosa, compartilhando até algumas características com a prisão, como as hierarquias, a privação da liberdade e do lazer, etc. Um dos maiores problemas da instituição, porém, é sua impessoalidade e generalização. Um professor fala para quarenta alunos, cada um com suas próprias experiências, vontades, objetivos, modos de pensar e de agir.
No mangá, cada aluno possui suas próprias características, o que torna-os mais humanos e enriquece-os como personagens. A escola trata-os como “A Sala E”, uma existência única que representa a decadência dos alunos que falharam. Koro-sensei, o professor da Sala E e protagonista da obra, encontra a maneira mais correta para ensiná-los ao entender suas particularidades e possui a solução para a generalização: Ele multiplica-se usando sua supervelocidade e assim pode atender cada aluno individualmente.
Imagine uma sala de aula onde cada aluno possa ser atendido de acordo com suas particularidades e características próprias. Koro-sensei mostra-se como o professor perfeito neste sentido, mas não apenas nisso. Ele não só atende as necessidades dos alunos, mas se importa com elas. Ele incentiva a criatividade dos alunos e se mostra extremamente satisfeito quando estes dão um passo a frente, mesmo que para ele isso signifique ser enganado ou superado.
Outro ponto importante no método de ensino padrão é o sistema de notas. Assim como alguém que erroneamente reduz uma opinião sobre um filme ou um mangá, as notas transformam o desempenho do aluno em poucos dígitos ou letras. Uma jornada de aprendizado é complexa e penosa, depende de muitas coisas além de uma simples prova ou algumas tarefas. A cultura da nota cria aqueles alunos do “Vale nota?”, ignorando o aprendizado totalmente, focando-se nos números e como eles ajudarão o aluno a sair logo da escola. Os números, aliás, criam comparações desonestas entre alunos, assim como acontece com os mangás ou filmes, algo já comentado no Mangá². Um 10 pode ter vários valores e ter a mesma nota não significa ter a mesma qualidade.
Além de rankear os alunos, a escola faz pior com as matérias, criando a importância delas baseada apenas em utilitarismo e pragmatismo. Inúmeras escolas no Brasil retiram Artes ou Informática da grade de períodos no ensino médio, pois consideram matérias menos relevantes. Diminuem a quantidade de períodos de Filosofia ou Sociologia, enquanto Matemática, Química e Biologia ganham mais atenção. Assim, criam e empurram para os alunos uma visão de importância definida e questionável.
É interessante notar que quando Koro-sensei decidiu dar uma certa recompensa para os alunos que conseguissem as melhores notas, alguns mais “espertinhos” focaram-se apenas em Economia Doméstica, matéria considerada menos importante. Porém, o professor concedeu a mesma recompensa que deu aos que foram os melhores nas matérias “mais importantes”. Todo o talento deve ser explorado e todos os jovens devem ser bons em alguma coisa, não importa a área. Qualquer talento, e qualquer jovem, pode ser importante.
Os Jovens
Na época em que estão na escola, os jovens estão em um momento de constante transformação e descobrimento. O que a escola está mais relacionada é o entendimento social do indivíduo. O modo como se relaciona com as pessoas, seus gostos, seus objetivos, a escola molda o jovem de várias maneiras. Assim, o jovem precisa entender o que será dali em diante e a carreira, os hobbies e objetivos são pontos cruciais. Mesmo que a escola não sirva apenas para formar o aluno como trabalhador, esta é uma parte do processo de crescimento, assim como a definição dos gostos e aptidões.
Os talentos do jovem estão diretamente ligados com sua carreira e suas atividades futuras. Tais talentos podem estar em absolutamente qualquer coisa, seja na renegada Informática, na reduzida Filosofia ou na recorrente Matemática. Por isso, dar prioridade a algumas matérias é uma injustiça e uma generalização nociva, já que muitos alunos podem ter aptidões que nada se relacionam com os assuntos vistos pelo sistema de ensino como prioridade.
Nos planos de assassinato ao Koro-sensei a turma explora as mais variadas habilidades dos alunos, desde conhecimentos químicos até habilidade de edição de vídeo. Mesmo conhecimento sobre pornografia já ajudou-os em tentativas de assassinato. Cada jovem deve ter a liberdade de decidir a relação de importância das matérias ou assuntos, cada um com suas características próprias deve ter a sua visão, sem discriminação ou repreensão.
Dois mangás que exemplificam isso são Annarasumanara e Tonari no Seki-Kun. O primeiro mostra um jovem que começa a aprender mágica e precisa esconder de seus pais, pois eles consideram que tal hobby é prejudicial e estudar para a faculdade é muito mais importante. Seki-kun (que eu só assisti o anime) trata de uma premissa parecida com Phineas e Ferb, onde uma estudante acompanha as maneiras inacreditavelmente criativas que seu colega, o tal Seki, encontra para matar tempo na sala de aula. Ela repreende o garoto e diz que ele deve prestar atenção e estudar como todo mundo, mas inúmeras vezes acaba entrando nas brincadeiras e se divertindo com ele. Seki é extremamente criativo e precisa esconder suas brincadeiras geniais simplesmente por não se adequarem aos métodos da escola.
O “segundo protagonista” de Ansatsu Kyoushitsu, Nagisa, acaba demonstrando um talento bastante incomum: Assassinar. O garoto andrógeno têm habilidades muito específicas que fogem não apenas dos padrões da escola, mas da sociedade. Eis um questionamento interessante. Devemos fazer o que gostamos e o que sabemos fazer, mas quem tem prazer em assassinar? Ou quem possui um talento indiscutível em produzir metanfetamina de alta qualidade? Estas pessoas devem simplesmente reprimir seus talentos e anseios em respeito a lei? Ansatsu Kyoushitsu ainda está em publicação, talvez até o fim possamos saber qual a solução que Nagisa encontrará, mas imagino que ele acabará como assassino, já que a história não trata esta “profissão” como algo tão terrível.
https://aoquadra.do/2014/07/17/rodape-assassination-classroom-e-a-escola/
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Comentários
Só que seria certo você mudar um sistema de ensino ou se adequar a ele e aprimorar suas habilidades? Parece que nossa sociedade está se rendendo as dificuldades e querendo aliviar as mesmas para as pessoas. Ainda mais quando se trata de educação.
Isso é ideologia progressista de ensino aos moldes do construtivismo. Criticas ao método e não ao conteúdo, mais ou menos como no vídeo que o Judas postou.
O sistema de notas é imperfeito, mas deve ser mantido até que se encontre outro melhor.
Infelizmente tem sido um Câncer: debati sobre o mangá com um pessoal justamente sobre isso: a crítica ao método como se isso resolvesse o problema. No final fui chamado de coxinha.
Eu acho incrível como a mentalidade progressista está presente em tudo, contaminado tudo.