Weber tinha Razão? Catolicismo x Protestantismo
À primeira vista, as diferenças entre os países que aderiram à Reforma Protestante e os que não aderiram parecem encontrar respaldo em diversos indicadores estatísticos. Nações de origem protestantes (tais como EUA, Suécia, Suíça, Dinamarca e Reino Unido) tendem a apresentar indicadores sociais de educação, renda per capita e IDH superiores em média a países de predominância católica (Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Polônia). Os países católicos também verificaram historicamente um desenvolvimento industrial tardio em comparação aos protestantes, além de menor grau médio de escolarização (a taxa de alfabetização era de 32% na Itália em 1870, contra 76% no Reino Unido no mesmo período[1]).
A Reforma vem sendo tema recorrente de estudos acadêmicos, seja na literatura econômica, sociológica ou histórica. Entre as obras mais célebres, encontra-se o clássico de Max Weber publicado em 1904, a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Segundo Weber, o pensamento teológico calvinista teria impulsionado a fase inicial do desenvolvimento capitalista, ao legitimar uma ética voltada para trabalho e poupança.
Ao contrário dos demais países católicos, que detinham uma concepção tradicionalista do trabalho, enquanto meio de sustento para a manutenção de um padrão fixo de consumo, a concepção calvinista do trabalho o constituía um fim em si próprio. Esta concepção do trabalho com um fim em si próprio levaria a uma nova mentalidade de contínuo aperfeiçoamento profissional e acumulação de capitais. Nesse contexto, indivíduos bem-sucedidos economicamente eram vistos como cumpridores da vocação ao qual a vontade divina os predestinou, e os capitais acumulados, sinais visíveis de eleição e salvação.
Esta tese de Weber da relação entre ética do trabalho protestante e desenvolvimento capitalista apresenta evidência econômica? A literatura econômica vem apresentando resultados diversos. Como exemplo, o economista Davide Cantoni, em seu artigo de 2014 “The Economic Effects of the Protestant Reformation: Testing the Weber Hypothesis in the German Lands”, demonstra que não há evidências para diferenças no crescimento econômico entre cidades alemãs católicas e protestantes no decorrer dos séculos pós-Reforma[2]. O estudo sugere que, eliminando as diferenças geográficas, institucionais e educacionais entre as cidades analisadas, os hábitos religiosos não explicam divergências econômicas relevantes entre regiões protestantes e católicas alemãs.
Apesar de evidências desfavoráveis acerca da relação direta entre cultura protestante e desenvolvimento, alguns autores sugerem efeitos favoráveis, mas por outras vias indiretas e diferentes daquela enunciada por Weber. Becker e Woessmann (2009) apontam que esta via se daria através da educação[3]. Segundo o estudo, há evidências de que a alfabetização das massas, incentivada indiretamente pelos reformadores protestantes para fomento à leitura bíblica, teria desencadeado grande acumulação de capital humano em regiões luteranas da Alemanha.
Estes ganhos de capital humano com a alfabetização podem não ter se refletido em ganhos econômicos imediatos para uma economia agrária e manual como a Alemanha do século XVI e XVII. Contudo, a educação passou a exercer um peso econômico decisivo em meio à crescente especialização técnica exigida pela Segunda Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX. Com isso, as regiões protestantes, mais alfabetizadas que as católicas, puderam se lançar à frente no processo de desenvolvimento industrial.
Outras evidências de impactos indiretos do protestantismo sobre o desenvolvimento capitalista também podem ser encontradas em estudos como o de Cantoni (2017). Segundo este estudo, demonstra-se que o advento do luteranismo na Alemanha teria promovido aquilo que se denomina de “secularização da economia” [4]. Capitais e terras pertencentes à Igreja, primariamente voltadas para atividades monásticas e marcadas pelo enclausuramento social, foram expropriadas por autoridades seculares alemãs durante as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. Deste modo, as terras e capitais, que eram até então monopolizadas pelo poder eclesiástico, foram liberadas e redirecionadas para atividades seculares, mais produtivas e voltadas para o mercado.
Um outro importante efeito desta progressiva “secularização econômica” seria a forte queda da procura por vagas de ensino superior ligados à teologia em universidades alemãs do período pós-Reforma, e o aumento de prestígio de cursos seculares, vinculados à medicina, direito e artes. Em contraste, universidades católicas permaneceram com forte influência do ensino teológico (ver no gráfico abaixo).
O estudo qualitativo de Basten e Betz (2013) apresenta evidências mais claras da tese clássica weberiana, definida pela relação entre a ética protestante e a formação da mentalidade capitalista de trabalho e poupança. Eles observam, a partir de resultados de referendos suíços, divergências nas preferências políticas entre os habitantes dos cantões protestantes e católicos[5]. Segundo estes autores, a “ética do trabalho” estaria evidenciada no fato de que regiões mais fortemente ligadas à Igreja reformada tendem a apresentar padrões de votações mais alinhadas com o livre mercado e menos com a expansão do welfare state.
Os autores enumeram alguns exemplos. Protestantes tendem a ser menos favoráveis a medidas pró-lazer em 14 p.p em relação aos católicos, menos favoráveis a medidas pró-redistribuição em 5 p.p e menos favoráveis a medidas de mais intervenção estatal em 7 p.p. Deve-se ressaltar também que estas mesmas regiões protestantes tendem a apresentar um maior nível de renda per capita médio comparativamente às católicas.
É fato que a publicação das 95 teses de Lutero em 1517 trouxe impactos profundos na dinâmica política, econômica e social dos países ocidentais que a aderiram, como ressaltados por diversos autores, entre os quais Max Weber. É também fato que a Reforma de Lutero, mesmo em uma sociedade crescentemente secularizada, reverbera até os dias atuais, nos legando as atuais discrepâncias dos padrões educacionais, institucionais e culturais existentes no mundo ocidental moderno. E o Brasil, uma nação de colonização ibérica e católica, não está fora desse contexto.
[1] Fonte: https://ourworldindata.org/literacy/
[2] Ver em: http://www.davidecantoni.net/pdfs/maxweber_jeea_paper.pdf
[3] http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.168.6279&rep=rep1&type=pdf)
[4] https://economics.stanford.edu/sites/default/files/reallocation_and_secularization_-_the_economic_consequences_of_the_protestant_reformation.pdf
[5] http://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/pol.5.3.67
https://blogdoibre.fgv.br/posts/os-500-anos-da-reforma-protestante-weber-tinha-razao
A Reforma vem sendo tema recorrente de estudos acadêmicos, seja na literatura econômica, sociológica ou histórica. Entre as obras mais célebres, encontra-se o clássico de Max Weber publicado em 1904, a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Segundo Weber, o pensamento teológico calvinista teria impulsionado a fase inicial do desenvolvimento capitalista, ao legitimar uma ética voltada para trabalho e poupança.
Ao contrário dos demais países católicos, que detinham uma concepção tradicionalista do trabalho, enquanto meio de sustento para a manutenção de um padrão fixo de consumo, a concepção calvinista do trabalho o constituía um fim em si próprio. Esta concepção do trabalho com um fim em si próprio levaria a uma nova mentalidade de contínuo aperfeiçoamento profissional e acumulação de capitais. Nesse contexto, indivíduos bem-sucedidos economicamente eram vistos como cumpridores da vocação ao qual a vontade divina os predestinou, e os capitais acumulados, sinais visíveis de eleição e salvação.
Esta tese de Weber da relação entre ética do trabalho protestante e desenvolvimento capitalista apresenta evidência econômica? A literatura econômica vem apresentando resultados diversos. Como exemplo, o economista Davide Cantoni, em seu artigo de 2014 “The Economic Effects of the Protestant Reformation: Testing the Weber Hypothesis in the German Lands”, demonstra que não há evidências para diferenças no crescimento econômico entre cidades alemãs católicas e protestantes no decorrer dos séculos pós-Reforma[2]. O estudo sugere que, eliminando as diferenças geográficas, institucionais e educacionais entre as cidades analisadas, os hábitos religiosos não explicam divergências econômicas relevantes entre regiões protestantes e católicas alemãs.
Apesar de evidências desfavoráveis acerca da relação direta entre cultura protestante e desenvolvimento, alguns autores sugerem efeitos favoráveis, mas por outras vias indiretas e diferentes daquela enunciada por Weber. Becker e Woessmann (2009) apontam que esta via se daria através da educação[3]. Segundo o estudo, há evidências de que a alfabetização das massas, incentivada indiretamente pelos reformadores protestantes para fomento à leitura bíblica, teria desencadeado grande acumulação de capital humano em regiões luteranas da Alemanha.
Estes ganhos de capital humano com a alfabetização podem não ter se refletido em ganhos econômicos imediatos para uma economia agrária e manual como a Alemanha do século XVI e XVII. Contudo, a educação passou a exercer um peso econômico decisivo em meio à crescente especialização técnica exigida pela Segunda Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX. Com isso, as regiões protestantes, mais alfabetizadas que as católicas, puderam se lançar à frente no processo de desenvolvimento industrial.
Outras evidências de impactos indiretos do protestantismo sobre o desenvolvimento capitalista também podem ser encontradas em estudos como o de Cantoni (2017). Segundo este estudo, demonstra-se que o advento do luteranismo na Alemanha teria promovido aquilo que se denomina de “secularização da economia” [4]. Capitais e terras pertencentes à Igreja, primariamente voltadas para atividades monásticas e marcadas pelo enclausuramento social, foram expropriadas por autoridades seculares alemãs durante as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. Deste modo, as terras e capitais, que eram até então monopolizadas pelo poder eclesiástico, foram liberadas e redirecionadas para atividades seculares, mais produtivas e voltadas para o mercado.
Um outro importante efeito desta progressiva “secularização econômica” seria a forte queda da procura por vagas de ensino superior ligados à teologia em universidades alemãs do período pós-Reforma, e o aumento de prestígio de cursos seculares, vinculados à medicina, direito e artes. Em contraste, universidades católicas permaneceram com forte influência do ensino teológico (ver no gráfico abaixo).
O estudo qualitativo de Basten e Betz (2013) apresenta evidências mais claras da tese clássica weberiana, definida pela relação entre a ética protestante e a formação da mentalidade capitalista de trabalho e poupança. Eles observam, a partir de resultados de referendos suíços, divergências nas preferências políticas entre os habitantes dos cantões protestantes e católicos[5]. Segundo estes autores, a “ética do trabalho” estaria evidenciada no fato de que regiões mais fortemente ligadas à Igreja reformada tendem a apresentar padrões de votações mais alinhadas com o livre mercado e menos com a expansão do welfare state.
Os autores enumeram alguns exemplos. Protestantes tendem a ser menos favoráveis a medidas pró-lazer em 14 p.p em relação aos católicos, menos favoráveis a medidas pró-redistribuição em 5 p.p e menos favoráveis a medidas de mais intervenção estatal em 7 p.p. Deve-se ressaltar também que estas mesmas regiões protestantes tendem a apresentar um maior nível de renda per capita médio comparativamente às católicas.
É fato que a publicação das 95 teses de Lutero em 1517 trouxe impactos profundos na dinâmica política, econômica e social dos países ocidentais que a aderiram, como ressaltados por diversos autores, entre os quais Max Weber. É também fato que a Reforma de Lutero, mesmo em uma sociedade crescentemente secularizada, reverbera até os dias atuais, nos legando as atuais discrepâncias dos padrões educacionais, institucionais e culturais existentes no mundo ocidental moderno. E o Brasil, uma nação de colonização ibérica e católica, não está fora desse contexto.
[1] Fonte: https://ourworldindata.org/literacy/
[2] Ver em: http://www.davidecantoni.net/pdfs/maxweber_jeea_paper.pdf
[3] http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.168.6279&rep=rep1&type=pdf)
[4] https://economics.stanford.edu/sites/default/files/reallocation_and_secularization_-_the_economic_consequences_of_the_protestant_reformation.pdf
[5] http://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/pol.5.3.67
https://blogdoibre.fgv.br/posts/os-500-anos-da-reforma-protestante-weber-tinha-razao
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Comentários
O que os infernos comunistas e os países islâmicos que não saíram da Idade Média tem em comum? Falta de liberdade individual de seus cidadãos e ditadores sanguinários no poder.
As pessoas acreditarem ou não em deuses não faz a menor diferença em nenhum dos casos.
O islamismo em outros tempos ja foi mais propício ao hedonismo e ao desenvolvimento cientifico tecnológico e a empreendimentos pessoais mas isso é outra questão.
O comentário seu que eu repliquei dava a entender que a razão da miséria dos países comunistas seria a descrença em divindades quando na verdade é a supressão dos direitos individuais, sobretudo o de propriedade privada.
Isto certamente teve alguma influência, mas o fato de que os ricos protestantes veem a riqueza como virtude, não se envergonham dela e não se sentem culpados pela pobreza alheia também influenciou.
Os católicos são doutrinados para acreditar em que os ricos dificilmente entrarão no Céu e, quando ricos, acham que têm culpa pela pobreza dos outros. Já viajei pelo Brasil e ouvi gente miserável dizendo que era pobre porque "Deus quis assim", ou seja, nem tentavam mudar de vida.
Até nisso é desvirtuado, com a Teologia da Prosperidade sendo aplicada a gambiarra.
Esses aí até seus seguidores não sabem se definir como tais muitas vezes.