Corongavirus - DESTRUINDO O "LOCKDOWN CIENTIFICO"

Os defensores do lockdown e do isolamento horizontal alegam estar "seguindo a ciência". Mas essa é apenas uma frase de efeito criada exatamente para encerrar a discussão e interditar o debate.

Hipóteses científicas devem ser refutáveis por observação. O método científico é o processo de testar hipóteses refutáveis por meio de observações empíricas que ou respaldam ou rejeitam essas hipóteses. A ciência e o debate científico nunca estão "concluídos". Muito menos estão fechados a qualquer desafio ou discussão.

O que os defensores do lockdown e do isolamento horizontal querem realmente dizer ao alegaram que estão "seguindo a ciência" é que as declarações feitas por determinados cientistas deveriam ser aceitas como axiomas inquestionáveis (pleonasmo intencional) e que qualquer um que questione essas declarações é um ignorante, um reacionário ou um maluco que acredita em teorias da conspiração.

Só que o problema se torna óbvio quando diferentes cientistas fazem declarações conflitantes. E o problema se torna pior ainda quando o mesmo cientista faz declarações contraditórias em momentos distintos.

Ademais, já há evidências concretas de que o lockdown não altera o número de mortos per capita. Estatísticos não conseguem encontrar nenhuma diferença de excesso de mortalidade entre os países que se trancaram e os que não.

https://www.wsj.com/articles/do-lockdowns-save-many-lives-is-most-places-the-data-say-no-11587930911

Como bem disse Jeffrey Tucker:

"O que temos de concreto é que os governos ao redor do mundo embarcaram em um grande experimento de controle social que não tinha nenhuma comprovação científica. Ninguém consegue apresentar um único estudo acadêmico, revisado por pares, multi-cêntrico, que tenha utilizado grupos de controle e que tenha feito estudos randomizados controlados (RCT) demonstrando irrefutavelmente que o lockdown é a maneira mais garantida de se combater uma epidemia.

A única coisa que foi apresentada foi um modelo matemático do Imperial College, de Londres. Só que os modelos do Imperial College possuem vinte anos de histórico pavoroso; suas previsões sempre se revelaram astronomicamente erradas, e é apavorante que eles tenham sido utilizados para nortear decisões tão importantes. A própria imprensa britânica não se cansa de ridicularizá-los. ( https://www.dailymail.co.uk/news/article-8164121/Professor-predicted-500-000-Britons-die-coronavirus-accused-having-patchy-record.html )

Tudo isso, em suma, significa que os governos ao redor do mundo embarcaram em um grande experimento de controle social baseados em teorias não-comprovadas e utilizando métodos não-testados."


Mas o objetivo aqui não é discutir estatísticas ou metodologias. Por isso, o que vem a seguir é apenas um apelo. Um apelo por liberdade e, acima de tudo, por responsabilidade individual.

"Quero voltar, mas tenho medo!"

"Sim, eu quero reabrir meu empreendimento exatamente neste segundo. Mas temos de ser cautelosos e sensatos. O que acontecerá se reabrirmos muito cedo e contribuirmos para um novo surto? E se esse novo surto for rastreado e apontar como origem meu estabelecimento? Aí ele seria fechado e eu não teria mais nada!"

Essas foram as palavras de um cidadão chamado Chris Escobar. Ele é o proprietário do Plaza Theater, um complexo de salas de cinema em Atlanta (que é considerado o quinto melhor do mundo). Ele disse isso em uma entrevista ao The New York Times.

As palavras de Escobar são sensatas e certamente são compartilhadas por vários empreendedores ao redor do mundo, de modo que se trata de um exemplo que pode ser tido como genuinamente universal.

E são exatamente essas palavras de cautela que demonstram vividamente por que os governos devem reabrir suas economias, por que é seguro fazer isso, e por que nem sequer deveria ter havido um desligamento forçado das economias.

Por mais paradoxal que pareça, as palavras deste empreendedor são a comprovação de que pessoas e empresas não precisam de uma lei impondo desligamentos e nem de legislações norteando reaberturas.

E é assim porque, em geral, não é do feitio do indivíduo fazer coisas que podem matá-lo. Que o novo coronavírus represente uma ameaça desconhecida significa que, com ou sem lockdown ou isolamento horizontal, consumidores e empreendedores teriam sido bem mais do que cautelosos. E ainda continuariam sendo. Em uma sociedade livre, não existe algo como "não fazer nada" em resposta a algo que tem o potencial de matar.

Se há algo que a história do mundo comprova é que indivíduos livres estão constantemente respondendo a desafios, e organizando maneiras de atacar esses desafios. Acreditar que, se não houvesse políticos e burocratas dando ordens e apresentando diretrizes, as pessoas simplesmente ficariam sentadas inertes e apáticas em resposta ao novo coronavírus não é nada realista. Elas teriam se mobilizado. Elas sempre fizeram isso. Na melhor das hipóteses, a brutal intervenção política — por mais bem intencionada que fosse — simplesmente revogou essa possibilidade.

Indivíduos empreendedores, com iniciativa, sempre formaram associações e entidades com o objetivo de lidar efetivamente com ameaças potencialmente graves. Como estamos vivenciando diariamente em meio este desnecessário lockdown, inovações feitas por indivíduos tornaram possível que os cidadãos ao redor do mundo se comunicassem instantaneamente por telefone, computador e cada vez mais face-a-face (pense no Zoom, no Skype ou mesmo no WhatsApp). Com fartas informações disponíveis graças a esses avanços, a ideia de que indivíduos precisam de diretrizes emitidas por políticos para criarem respostas a um vírus de maneira segura é totalmente irrealista.

Mais realisticamente, a simples pressuposição entre alguns de que o vírus é fatal para determinados grupos de pessoas já basta para explicar por que os indivíduos deveriam ter sido deixados livres para organizar respostas por contra própria.

Como bem disse o poema chinês (que depois foi parodiado por Mao Tsé-Tung), "Que flores de todos os tipos desabrochem, que diversas escolas de pensamento se enfrentem!". Se os estados são laboratórios de ideias em épocas boas, por que limitar as experimentações e as interações em épocas ruins, recorrendo a lockdowns homogêneos e uniformes?

É desnecessário enfatizar que a reação política a um vírus, a qual limitou amplamente nossas liberdades "para o nosso próprio bem", nada mais foi do que um arrogante non sequitur. A morte é sempre uma possibilidade à espreita, e sempre pode surgir do desconhecido. Exatamente por isso, não faz nenhum sentido restringir o exato capital humano que já aniquilou várias outras doenças no passado com criatividade, engenho, crescimento econômico e avanços trazidos pela combinação de acumulação de capital e inteligência.

E, no entanto, é exatamente isso o que foi feito.

Alguns responderão que não estão dispostos a arriscar e arcar com a possibilidade de terceiros não obedecerem às normas sociais que se originariam destas respostas voluntariamente implantadas por indivíduos livres. Ok, mas assim como não existe algo como "não fazer nada" em resposta a um vírus, também não existe uma sociedade na qual absolutamente todas as pessoas seguem todas as regras. E isso vale até mesmo para os mais brutais e autoritários estados policiais.

Aplicado a uma sociedade livre, sim, alguns indivíduos iriam desdenhar das regras voluntárias para aplacarem seu desejo de ficar perto de outros. Sendo assim, os mais temerosos teriam uma resposta fácil para isso: auto-isolamento.

Assim como usuários de heroína produzem informações cruciais para os seguidores da lei ao utilizaram aquilo que políticos não permitem, indivíduos descuidados e negligentes em relação à Covid-19 também forneceriam informações cruciais para o resto da sociedade. Goste ou não, é assim que funciona uma sociedade livre.

Vale a pena enfatizar aquilo que já deveria estar óbvio: essa abolição das liberdades individuais, que muitos dizem ser a solução para o novo coronavírus, é exatamente o que nos afasta de uma solução. Há tanto o que ainda não sabemos, e um dos motivos para ainda não sabermos é que há muitas regras, e muitos continuam proibidos, por decreto, de produzir informações sobre quais seriam as implicações de pessoas livremente se movendo e interagindo.

E o mesmo vale para empreendedores.

Como demonstrado acima, Chris Escobar não está seguro para reabrir seu empreendimento. Para ele, há muitas incertezas e muita coisa desconhecida em relação ao vírus. Consequentemente, ele não quer tomar uma decisão econômica que poderá macular a marca de seu empreendimento. Escobar deve ser totalmente livre para continuar fechado.

Ao mesmo tempo, não é desarrazoado sugerir que vários outros empreendedores não compartilham do pessimismo de Escobar. Ou isso, ou então não é um luxo ao qual podem se dar. Logo, para que seus empreendimentos possam sobreviver, eles precisam reabrir urgentemente, para ontem, de modo que eles irão arriscar a possibilidade de o vírus se disseminar em seu estabelecimento, o que afetará para sempre sua imagem.

Sim, essa é uma possibilidade, e caso aconteça, uma enorme quantidade de informação será produzida, estudada e entendida. Informação que seria revertida para Escobar e o ajudaria em seus planos de reabertura.

De novo: goste-se ou não, é assim que funcionaria em uma sociedade livre.

Com efeito, deve-se enfatizar que, embora Escobar esteja relutante em reabrir seu empreendimento hoje, é também possível que ele este disposto a esperar meses ou até mesmo anos (o tempo que alguns dizem ser necessário para se criar uma vacina) para reabrir. Com o tempo, empreendimentos terão de retomar suas operações ou então irão à falência — o que simplesmente nos remete de novo à importância de termos liberdade hoje.

Deixem que os intrépidos comecem suas experimentações com sua propriedade. Permitam que pessoas livres voltem a voluntariamente frequentar estes estabelecimentos (ou alguém realmente acha que iremos ficar enclausurados para sempre?). E vamos todos aprender com o que essas ações irão revelar.

Sem estas pessoas livres e intrépidas, não será possível realmente conhecermos a verdade sobre o vírus, entender como ele se dissemina, e quem é o mais vulnerável a ele. Pessoas livres produzem informações.

Isso é liberdade.

Não adianta fugir; outros virão

O Sars-Cov-2 não será o último vírus deste tipo a se disseminar pelo mundo. Pode ter a certeza de que, tão logo a próxima cepa surgir, cientistas alarmistas, médicos e auto-declarados especialistas irão, sem nenhum esforço, convencer políticos assustados e ávidos por "fazerem alguma coisa" a nos protegerem da doença, e até mesmo da morte. Políticos adoram isso.

E é exatamente por isso que as pessoas traumatizadas pelo lockdown deveriam se concentrar no argumento da liberdade. Afinal, será que realmente precisamos de políticos para evitarmos ficar doente? Precisamos de burocratas para nos protegerem da morte? É realmente possível alguém afirmar isso sem nenhuma vergonha?

Os lockdowns são inaceitáveis não porque destroem empregos, empresas e o espírito humano. Eles são inaceitáveis porque tudo aquilo que retira a liberdade é, por definição, contra a própria vida humana. Os lockdowns nos cegam para aquilo que é melhor para nós, impossibilitando que enxerguemos o que irá nos manter seguros quando nossa segurança estiver em risco.

Em suma, embora também estejam a nosso favor, números e estatísticas não são a maneira correta de se debater a Covid-19, os lockdowns e o isolamento horizontal. Se formos debater exclusivamente em termos de números, estaremos entregando para os próprios políticos que criaram toda essa catástrofe econômica o poder para fazerem tudo isso de novo. Não incorramos novamente neste erro.

E, acima de tudo, que não permitamos que os lockdowns e as imposições de isolamento horizontal voltem novamente, pois aquilo que esmaga a liberdade também aniquila o conhecimento necessário para prolongar a vida e o bem-estar.

Deixemos que pessoas livres e responsáveis descubram, por meio dos sinais de mercado, como serão o presente e o futuro, agora que um novo vírus entrou em nossa vida.

https://www.mises.org.br/article/3257/abram-e-deixem-que-pessoas-livres-facam-suas-escolhas

Comentários

  • editado June 2020
    Eu achei essa interpretação estatística do Instituto Mises bem amadora. A comparação do número de mortes per capita entre diferentes países muitos distintos é problemática para inferência de causalidade, devido às monstruosas diferenças socioeconômicas, geográficas e até culturais. Para os dois primeiros fatores, isso é assim porque os países mais desenvolvidos tem naturalmente mais conectividade social (mais viagens interregionais e internacionais dos seus cidadãos) e menos subnotificação de mortes por COVID-19 (devido às diferenças na capacidade de testagem em comparação aos países mais pobres). Sobre o último fator, certos países do leste asiático tem experiência mais recente com epidemias devastadoras, o que fomentou ações precoces e baratas que dispensaram lockdown nacional (testagem/monitoramento em massa de suspeitos de infecção, restrições de viagens, etc.), vide o caso do Vietnã e da Coreia do Sul.

    Uma inferência de causalidade melhor seria a seguinte. O que tem que ser observado, em cada caso de país observado, é a taxa de variação dos novos casos diários de infectados ao longo da dimensão tempo - especialmente o “antes e depois do lockdown/distanciamento social”. Sendo assim, percebe-se claramente que o lockdown e o distanciamento social alteraram as curvas de novos casos diários:






















  • Em resumo:

    1. A esquerda defende o confinamento, mas, num país como o Brasil, isto exigiria a invasão de favelas pela polícia e um rígido controle. A esquerda aceitaria isto?

    2. A esquerda critica os casos de reabertura com claros propósitos eleitorais.

    3. Crianças dificilmente transmitem a doença e os países que reabriram as escolas mostraram isto, mas a esquerda e os sindicatos querem que os professores façam greve.

    4. A esquerda critica as manifestações de rua a favor de Bolsonaro devido ao perigo de contágio, mas não vê problema nos protestos contra ele.
    A esquerda no espelho da epidemia

    O vírus tem lado ideológico

    Demétrio Magnoli 29/06/2020

    A crise ensina. A emergência sanitária do coronavírus evidenciou o negacionismo criminoso de Jair Bolsonaro, desmoralizando seu governo aos olhos de todos que não sucumbiram ao fanatismo ideológico da extrema direita. Contudo, de um modo menos óbvio, ela também lançou um penetrante jato de luz sobre a esquerda, expondo suas vísceras. A imagem resultante não é bonita.

    Capítulo um: hipocrisia.

    A esquerda ocupou a linha de frente do exército que clamava pela imposição de lockdown. Na Itália, na Espanha e na França, rígidas medidas de lockdown travaram o avanço dos contágios, circunscrevendo regionalmente as epidemias. Lockdown não é, porém, um ato de pura vontade. O congelamento geral da vida econômica e social exige uma ditadura totalitária (China) ou a conjunção de dois fatores inexistentes na paisagem brasileira: consenso político e coesão social.

    Não se faz lockdown sob um governo central em campanha permanente contra o distanciamento social. Não se faz lockdown com vastas parcelas das populações metropolitanas carentes de renda e redes de proteção social, que se concentram em cinturões periféricos e favelas desassistidas. A esquerda que ignora essas realidades escolheu dialogar exclusivamente com as classes médias.

    Semanas atrás, deputados do PT de São Paulo recorreram, sem sucesso, aos tribunais para impor ao governador Doria a execução de um lockdown. No Rio, um clamor similar emanou de lideranças do PT e do PSOL. Um eventual lockdown nas duas metrópoles demandaria massiva mobilização de forças policiais nas periferias e favelas. As PMs patrulhariam as ruas onde vivem os pobres e ocupariam favelas controladas por milícias e facções. Os partidos de esquerda ofereceriam apoio às inevitáveis implicações repressivas do lockdown?

    Capítulo dois: oportunismo.

    Quarentenas têm limites temporais, definidos pelo esgotamento da resistência econômica e psicossocial da população. Nenhum país do mundo manteve quarentenas por mais de três meses. As reaberturas conduzidas pelos governos estaduais não são exemplos de planejamento, eficiência ou lógica. A esquerda, porém, escolheu criticar as próprias reaberturas, não suas inúmeras deficiências, aderindo a um iracundo fundamentalismo epidemiológico. A finalidade é disputar as eleições municipais acusando governadores e prefeitos de subordinar vidas a negócios.

    Capítulo três: corporativismo.

    As escolas estão, em geral, fechadas desde março. Na Europa, com exceção de raros países, a reabertura escolar foi medida prioritária na etapa de relaxamento das quarentenas. Os governos europeus concluíram que crianças são fracos transmissores do vírus — e a experiência comprovou que isso é verdade. Na França, de 40 mil escolas reabertas, surgiram focos de infecção em meras 70. O Brasil, porém, enxerga o ensino público como a mais dispensável das chamadas “atividades não essenciais” — e cogita-se retomar aulas presenciais apenas nas calendas de setembro.

    As crianças pobres carregarão para a vida adulta os prejuízos cognitivos e de sociabilização causados pela interrupção escolar de sete meses. Mesmo assim, sindicatos de professores dirigidos por lideranças de esquerda resistem à reabertura em setembro, declarando-a “prematura” e ensaiando movimentos grevistas. Médicos, enfermeiros, comerciários, motoristas, operários e incontáveis outras categorias podem trabalhar presencialmente durante a epidemia. Professores, jamais, na opinião dos sindicatos.

    Capítulo quatro: duplicidade moral.

    Lá atrás, as manifestações públicas da militância bolsonarista foram qualificadas pela esquerda como atos criminais de difusão de contágios. A esquerda criticou menos o conteúdo antidemocrático delas que a produção de perigosas aglomerações. Há pouco, porém, setores da esquerda voltaram às ruas, em protestos contra Bolsonaro. Nesse caso, as aglomerações não geraram escândalo.

    O vírus tem lado ideológico: as manifestações deles provocam infecções, potencializam a epidemia, causam mortes em massa; as nossas são belas, justas e higiênicas. A esquerda que emerge da Covid nada aprendeu.
    https://oglobo.globo.com/opiniao/a-esquerda-no-espelho-da-epidemia-24502148
  • No final das contas, o mais lucido nessa palhaçada é o Bolsonaro.

  • editado June 2020
    Fernando_Silva escreveu: »
    Em resumo:

    1. A esquerda defende o confinamento, mas, num país como o Brasil, isto exigiria a invasão de favelas pela polícia e um rígido controle. A esquerda aceitaria isto?

    2. A esquerda critica os casos de reabertura com claros propósitos eleitorais.

    3. Crianças dificilmente transmitem a doença e os países que reabriram as escolas mostraram isto, mas a esquerda e os sindicatos querem que os professores façam greve.

    4. A esquerda critica as manifestações de rua a favor de Bolsonaro devido ao perigo de contágio, mas não vê problema nos protestos contra ele.
    A esquerda no espelho da epidemia

    O vírus tem lado ideológico

    Demétrio Magnoli 29/06/2020

    A crise ensina. A emergência sanitária do coronavírus evidenciou o negacionismo criminoso de Jair Bolsonaro, desmoralizando seu governo aos olhos de todos que não sucumbiram ao fanatismo ideológico da extrema direita. Contudo, de um modo menos óbvio, ela também lançou um penetrante jato de luz sobre a esquerda, expondo suas vísceras. A imagem resultante não é bonita.

    Capítulo um: hipocrisia.

    A esquerda ocupou a linha de frente do exército que clamava pela imposição de lockdown. Na Itália, na Espanha e na França, rígidas medidas de lockdown travaram o avanço dos contágios, circunscrevendo regionalmente as epidemias. Lockdown não é, porém, um ato de pura vontade. O congelamento geral da vida econômica e social exige uma ditadura totalitária (China) ou a conjunção de dois fatores inexistentes na paisagem brasileira: consenso político e coesão social.

    Não se faz lockdown sob um governo central em campanha permanente contra o distanciamento social. Não se faz lockdown com vastas parcelas das populações metropolitanas carentes de renda e redes de proteção social, que se concentram em cinturões periféricos e favelas desassistidas. A esquerda que ignora essas realidades escolheu dialogar exclusivamente com as classes médias.

    Semanas atrás, deputados do PT de São Paulo recorreram, sem sucesso, aos tribunais para impor ao governador Doria a execução de um lockdown. No Rio, um clamor similar emanou de lideranças do PT e do PSOL. Um eventual lockdown nas duas metrópoles demandaria massiva mobilização de forças policiais nas periferias e favelas. As PMs patrulhariam as ruas onde vivem os pobres e ocupariam favelas controladas por milícias e facções. Os partidos de esquerda ofereceriam apoio às inevitáveis implicações repressivas do lockdown?

    Capítulo dois: oportunismo.

    Quarentenas têm limites temporais, definidos pelo esgotamento da resistência econômica e psicossocial da população. Nenhum país do mundo manteve quarentenas por mais de três meses. As reaberturas conduzidas pelos governos estaduais não são exemplos de planejamento, eficiência ou lógica. A esquerda, porém, escolheu criticar as próprias reaberturas, não suas inúmeras deficiências, aderindo a um iracundo fundamentalismo epidemiológico. A finalidade é disputar as eleições municipais acusando governadores e prefeitos de subordinar vidas a negócios.

    Capítulo três: corporativismo.

    As escolas estão, em geral, fechadas desde março. Na Europa, com exceção de raros países, a reabertura escolar foi medida prioritária na etapa de relaxamento das quarentenas. Os governos europeus concluíram que crianças são fracos transmissores do vírus — e a experiência comprovou que isso é verdade. Na França, de 40 mil escolas reabertas, surgiram focos de infecção em meras 70. O Brasil, porém, enxerga o ensino público como a mais dispensável das chamadas “atividades não essenciais” — e cogita-se retomar aulas presenciais apenas nas calendas de setembro.

    As crianças pobres carregarão para a vida adulta os prejuízos cognitivos e de sociabilização causados pela interrupção escolar de sete meses. Mesmo assim, sindicatos de professores dirigidos por lideranças de esquerda resistem à reabertura em setembro, declarando-a “prematura” e ensaiando movimentos grevistas. Médicos, enfermeiros, comerciários, motoristas, operários e incontáveis outras categorias podem trabalhar presencialmente durante a epidemia. Professores, jamais, na opinião dos sindicatos.

    Capítulo quatro: duplicidade moral.

    Lá atrás, as manifestações públicas da militância bolsonarista foram qualificadas pela esquerda como atos criminais de difusão de contágios. A esquerda criticou menos o conteúdo antidemocrático delas que a produção de perigosas aglomerações. Há pouco, porém, setores da esquerda voltaram às ruas, em protestos contra Bolsonaro. Nesse caso, as aglomerações não geraram escândalo.

    O vírus tem lado ideológico: as manifestações deles provocam infecções, potencializam a epidemia, causam mortes em massa; as nossas são belas, justas e higiênicas. A esquerda que emerge da Covid nada aprendeu.
    https://oglobo.globo.com/opiniao/a-esquerda-no-espelho-da-epidemia-24502148

    Não acho que a esquerda brasileira que o Magnoli citou acima seja minimamente qualificada intelectualmente, mesmo assim, alguns pontos do sociólogo acima são criticáveis...

    Lockdown eficaz é inviável em região ou país subdesenvolvido? O Líbano, que tem IDH menor do que o do Brasil, é um país desenvolvido e ninguém sabia. Ademais, assim como o Rio de Janeiro, Fortaleza é uma cidade, em grande parte, controlada pelo narcotráfico, e mesmo assim o lockdown imperfeito de 23 dias iniciado em 9 de maio foi acompanhado por uma queda do número de novos casos diários de COVID-19 ao longo de algumas semanas. O crescimento posterior nessa variável foi culpa da reabertura desastrada. Ademais, a experiência brasileira mostra que, desde que acompanhada por uma precoce testagem em massa de suspeitos de infecção, mesmo um decreto de distanciamento social (sem lockdown) já é suficiente para a contenção. Veja o caso de Florianópolis, que recentemente passou por um período de 32 dias sem uma única morte por COVID-19. Isso é assim porque, sem medidas de contenção, 10% dos indivíduos infectados são responsáveis por 80% das transmissões, como já argumentou o epidemiologista Adam Kucharski. Na prática, isso significa que os governos não precisam "fechar quase tudo por muitos meses", no máximo precisam restringir apenas a abertura dos locais de supertransmissão (bares, restaurantes, academias,etc.) ou, quando isso for muito inviável (supermercados, transporte público, etc.), decretar como obrigatório o uso de máscaras em tais locais.

    A crítica da crítica da reabertura dos locais de supertransmissão geralmente traz implícitos duas visões equívocadas (1) deixar correr o vírus solto não mata a economia; (2) são os governos, e não as pessoas, que estão fechando a economia. Vejamos um exemplo para examinar essas duas premissas A Bielorrússia - país com IDH um pouco menor do que a Argentina e a Rússia - é um país com um presidente negacionista igual a Bolsonaro, que não adotou quaisquer medidas sérias de contenção de COVID-19. O número de casos por milhão de habitantes cresceu tanto que superou até o da Suécia e da Itália (ver Worldometers). A oposição política e outros membros da sociedade civil começaram a fazer uma campanha por quarentena voluntária, e isso não só afastou o país do pico do número diário de novos casos, mas também reduziu a receita dos restaurantes em 80% e reduziu o número de passageiros do metrô em 25%:
    https://www.brasildefato.com.br/2020/05/02/o-que-esta-acontecendo-na-bielorrussia-unico-pais-europeu-que-nao-adotou-isolamento

    Insinuar que são os governos e não as pessoas estão fechando a economia é falacioso, pois já há evidência de que quarentena auto-imposta tem tendência para ser muito mais longa temporalmente do que uma severa quarentena imposta por governos.


  • ENCOSTO escreveu: »
    No final das contas, o mais lucido nessa palhaçada é o Bolsonaro.

    Isso que eu acho engraçado nessa porra toda, mesmo sendo o presidente que é.
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