Colombo. Herói (ou vilão?) do novo mundo
Colombo. Herói (ou vilão?) do novo mundo
Às vésperas do quinto centenário de sua até recentemente gloriosa viagem, uma onda revisionista ameaça sua imagem. De descobridor passa a conquistador e, para muitos, agressor.
Pedro Cavalcante
Em 7 de fevereiro de l986,, enquanto o jovem ditador Jean-Claude Duvalier abandonava o Haiti a bordo de um avião da Força Aérea americana, deposto por uma furiosa revolta popular, a estátua de Cristóvão Colombo era arrancada de seu Pedestal na entrada de Port-au-Prince, e atirada pela multidão ao Mar das Antilhas. “Já que Colombo gostava tanto do mar”, explicou um dos revoltosos, “que volte a nado para a Europa.” Foi mais um episódio da onda de revisionismo histórico que anda varrendo as três Américas às vésperas do quinto centenário de sua descoberta, acontecida em 12 de outubro de 1492.
Ou, como se diz agora, de sua invasão pelos espanhóis, já que a glória da verdadeira descoberta cabe aos próprios índios que aqui chegaram, através do Estreito de Bering, pelo menos 40 000 anos antes. Colombo tornou-se, naturalmente, o principal alvo dos revisionistas. Até há pouco era o protótipo do homem de larga visão e caráter obstinado, o sábio defensor da certeza de que a Terra é redonda, o navegador genial que “parecia ter uma rosa-dos-ventos na cabeça”, o explorador arrojado enfrentando terríveis canibais; o homem, enfim, que abriu as portas do Oceano Atlântico. E de repente, não é mais nada disso.
Livros como o recente The conquest of Paradise (A conquista do Paraíso) do americano Kirkpatrick Sale, apresentam um homem de paixões vulgares, devorado pela ganância do ouro, obcecado pelos títulos de nobreza, geógrafo contuso misturando astronomia com astrologia, navegador insensato, certo de que recebia ordens diretamente de Deus e que, apesar das quatro viagens à América, nunca conseguiu entender onde tinha chegado. Além do mais, de uma ferocidade bestial com os nativos indefesos, trazendo consigo da civilização européia apenas a forca, a fogueira e a espada, além da tuberculose e da varíola, o que fez dele o fundador da maior empresa de genocídio e devastação ambiental da história da humanidade. “Perto de Colombo”, comenta o ativista americano Russel Means, “Hitler não passaria de um delinqüente juvenil”.
Mas, afinal, que era o verdadeiro Colombo? Seria realmente o paranóico que numa certa manhã de junho de 1494 decidiu que Cuba não era uma ilha e sim um continente, obrigou toda a tripulação a jurar solenemente essa “verdade” e avisou que se soubesse de alguém afirmando o contrário mandaria imediatamente arrancar sua língua? Que fim teria levado o querido e honrado Colombo dos livros escolares? Dos seus primeiros vinte anos não se sabe praticamente nada. Há razões documantais para se acreditar que nasceu em Gênova no ano de 1451. Mas nem todos estão de acordo. Apenas no século passado foram escritos 253 artigos acadêmicos sobre essa questão especifica, com reivindicações para a Córsega, Grécia, Maiorca, Aragão, Galícia e Portugal, sem falar na França e na Polônia. Sabe-se, de certo, que sua língua preferida era o castelhano, pois servia-se dela para sua correspondência e suas anotações pessoais.
Desde cedo parece ter escolhido a vida no mar. Em 1472 já navegava como corsário. Quatro anos mais tarde, andava engajado na frota de treze navios do corsário francês Coullon, o Velho, e nas costas de Portugal participou da abordagem de cinco navios mercantes que seguiam para a Inglaterra. Durante o combate, seu navio foi a pique e ele salvou-se nadando. Compreende-se que, nos seus escritos posteriores, tenha deixado na sombra essa parte do seu passado. Embora o corso não fosse uma atividade vergonhosa como a pirataria, causava inimizades prejudiciais a quem, como ele, iria procurar financiamento para viagens junto aos poderosos da época. Portugal, onde foi parar pelo acaso do naufrágio e onde viveria oito anos, dos 25 aos 33, foi a terra que lhe mudou o destino. Era o tempo dos pilotos formados na Escola de Sagres e das grandes navegações pela costa da África. Desde 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, após quinze tentativas infrutíferas, elas iam se estendendo, cada vez mais distantes. Em 1488, Bartolomeu Dias ultrapassou o Cabo da Boa Esperança, anunciando a grande vitória de Vasco da Gama que em 1498 haveria de descobrir o “verdadeiro caminho marítimo para as Índias”.
A idéia desenvolvida por Colombo, como se sabe, também era chegar às Índias, mas navegando para oeste de maneira a dar uma volta em torno da Terra. Baseando-se nos dados do cosmógrafo árabe Alfraganus (Al Fragani), imaginou que o grau terrestre tivesse 56 milhas e meia na linha do equador (o que é correto para milhas árabes, de 1975,5 metros, mas inteiramente errado para as italianas, de 1477,5 metros). Supôs, a seguir, baseado em diversos autores europeus, que todas as terras firmes desde Portugal até a extremidade de oriental da Ásia, se estendessem por 283 graus, deixando apenas 77graus para os oceanos. Sem dúvida, um erro muito maior.
Com base nesse duplo engano, concluiu que saindo das Ilhas Canárias e navegando 2 760 milhas para oeste, chegaria ao Japão. Era um cálculo inteiramente absurdo, mas vinha muito a calhar. Se revelasse a distância real, mais de quatro vezes maior, nunca teria encontrado quem lhe financiasse a tentativa. Estava certo, aliás, na sua concepção básica, a de que poderia alcançar o Oriente pelo Ocidente, proposta muito arrojada para a época. Embora a teoria da Terra esférica já estivesse aceita nos círculos mais cultos, havia aspectos desconcertantes que contrariavam o senso comum. Como fariam os antípodas, obrigados a andar de cabeça para baixo? Por que não caíam no espaço sideral? E o que se encontraria pelo caminho? Não seria lógico que o gelo dos pólos fosse contrabalanceado por alguma região de fogo no equador?
Colombo não conseguiu interessar o rei português, Dom João II, nos seus projetos. De sua estada em Portugal sabe-se de seu casamento com Filippa Moniz Perestrello, de família nobre, com quem teve um filho, Diego, futuro companheiro de navegações. Fez uma viagem até a Islândia e outra pelas costas da África, até a Guiné. Parece ter morado algum tempo na Ilha de Porto Santo e na Madeira. Em 1484, depois da morte da mulher, mudou-se para a Espanha, mais precisamente para a Andaluzia, onde passou dois anos hospedado nas propriedades de duas poderosas famílias: os Medinacelli e os Medina-Sidonia. Graças ao duque de Medinacelli, conseguiu ser apresentado formalmente à rainha Isabel e, pouco depois, em 20 de janeiro de 1486, submeteu o seu projeto a uma comissão de cientistas, navegantes e teólogos, liderada pelo confessor da rainha Hernando de Talavera.
A conclusão foi inteiramente negativa. Por unanimidade, a comissão recusou o projeto, como impossível. Mas Colombo não desistiu e depois de algumas tentativas de aproximação com os reis da França e da Inglaterra, feitas por seu irmão, Bartolomeu, voltou a insistir junto à corte espanhola. Acabou conseguindo, mas só porque certas circunstâncias históricas intervieram. No início de 1492, os espanhóis expulsaram definitivamente os árabes de seu território. Na rendição formal de Granada em 6 de janeiro de 1492, com o jovem califa Boabdil entregando a Isabel de Castela e Fernando de Aragão as chaves da fortaleza de Alhambra, terminavam sete séculos de presença árabe na Península Ibérica.
Livres da guerra de reconquista, os soberanos espanhóis passaram a se interessar pelos novos horizontes anunciados por Colombo. As negociações finais para a expedição ainda se arrastaram por alguns meses. Ao contrário do que diz a tradição, a rainha Isabel nunca penhorou as jóias para financiá-la. Dos três navios, dois (Pinta e Niña) foram providenciados pela cidade de Palos, por ordem da coroa, que entendia castigar sua população por certas ofensas que ninguém sabe mais quais seriam. O terceiro navio, Santa María, assim como as demais despesas, foram financiados por empréstimos arranjados por Luis de Santángel, banqueiro intendente geral dos reis católicos, o principal aliado de Colombo na corte.
A Pinta e a Niña eram caravelas e a Santa Maria uma nau. Não se sabe exatamente como eram nem que tamanho tinham. Os construtores daquela época iam dando ordens conforme os trabalhos avançavam, sem desenhos nem plantas detalhadas Nenhuma caravela autêntica chegou até nossos tempos; o que se conhece de mais confiável é uma miniatura espanhola do século XIV, que se encontra no Prinz Hendrik Museum, em Rotterdam, na Holanda. Estima-se que as duas caravelas tinham pouco mais de 20 metros da popa à proa. A Santa María um pouco maior apresentaria um convés do tamanho aproximado de uma quadra de tênis. A tripulação das três seria de noventa homens.
Colombo assumiu o comando da Santa Maria, que era a nau capitania; Martín Alonso Pinzón o da Pinta; e seu irmão, Vicente Yáñez Pinzón, o da Niña. Saíram de Palos com destino às Ilhas Canárias e de lá, no dia 6 de setembro de 1492, iniciaram a grande aventura no rumo do Ocidente. A ansiedade da descoberta era tamanha que apenas uma semana mais tarde os marinheiros já começavam a ver (ou inventar) sinais de terra próxima. Ora eram pássaros marinhos, como albatrozes e fragatas, e outros que teoricamente nunca se afastam da costa mais do que algumas dezenas de quilômetros: ora eram tufos de ervas que passavam boiando. A desilusão, cada vez que esses indícios se revelavam inconsistentes, ia aumentando a preocupação dos marinheiros. A partir da segunda semana começaram a resmungar idéias de motim. A direção do vento, sempre favorável, mais lhes aumentava o medo, na medida em que tornava a volta mais problemática. Em 25 de setembro houve grande alegria quando Martín Alonso Pinzón anunciou terra à vista e entrou a cantar Gloria in excelsis Deo com sua tripulação. Era outro rebate falso.
Foi somente na manhã de 12 de outubro que a primeira ilha das Bahamas apareceu aos olhos do marinheiro Rodrigo de Triana, que navegava a bordo da Pinta. Segundo o calendário juliano, em vigor no século XV, era realmente 12 de outubro; pelo calendário gregoriano que vigora atualmente, seria 21 de outubro. O local exato onde Colombo desembarcou pela primeira vez na América. é outro motivo de controvérsia. Nada menos que doze ilhas reivindicam a primazia. Ele tinha, aliás, todo interesse em guardar segredo para não ser seguido por outros navegadores, sobretudo os portugueses.
Nessa primeira viagem, o navegador demorou-se apenas quatro semanas nas Bahamas. Descobriu dezenas de ilhas, entre elas Hispaniola, dividida atualmente entre Haiti e República Dominicana.. Ali fundou Isabella, a primeira cidade” do Novo Mundo. Travou, igualmente, contatos iniciais com os nativos da regiãoque se chamavam a si próprios de tainos (os valorosos); passaram a ser chamados índios, pois os descobridores acreditavam que haviam chegado às índias, que estariam pouco mais adiante. De volta à Espanha, Colombo foi recebido na corte com grandes honrarias e muitos banquetes. O descobridor voltou à América, que ainda não tinha esse nome três vezes, mas nunca chegou a uma conclusão definitiva sobre onde se encontrava.
Na segunda viagem, de 1493 a 1496, comandou uma frota de dezessete navios, e mais de 1000 homens, com o propósito de iniciar a colonização a partir de Hispaniola. De lá saiu para diversas expedições exploratórias nas ilhas de Guadelupe, Porto Rico, Jamaica e sobretudo Cuba, que ele imaginou ser a extremidade do continente asiático. Na terceira viagem, de 1498 a 1500, chegou a avistar realmente a América do Sul, junto à foz do Rio Orinoco, região hoje pertencente à Venezuela. Mas, vítima de uma de suas crises de misticismo, cada vez mais agudas e freqüentes, imaginou que havia chegado ao paraíso descrito na Bíblia.
Na quarta viagem, de 1502 a 1503, nada descobriu de importante. Mas deu livre curso à imaginação e escreveu dois livros. O primeiro, conhecido como “O livro dos privilégios”, traz o título oficial de “Cartas, privilégios, cédulas e outras escrituras de Dom Cristóvão Colombo, almirante maior do Mar Oceano, vice-rei e governador das ilhas e terras firmes”. E uma coletânea de documentos através dos quais Colombo pretende salvaguardar seus privilégios. O segundo, “O livro das profecias”, é uma tentativa de convencer os soberanos da importância cósmica de seus feitos. Nele, repete incansavelmente que foi escolhido diretamente por Deus como instrumento de Sua vontade.
Colombo morreu em 1506, dono de uma fortuna considerável, mas ainda julgando-se incompreendido e espoliado nos seus direitos. Na verdade, caíra muito no conceito dos reis da Espanha O que mais o prejudicou não foram suas teorias desatinadas, mas a prática do dia-a-dia como governador das terras descobertas. Nesse ponto, não há quem discorde: Colombo foi um dos administradores mais desastrados de que se tem notícia. Os próprios espanhóis da colônia de Hispaniola viviam num permanente estado de falta de víveres, divididos em grupos amotinados, que o governador mais irritava do que apaziguava, governando com a forca e a chibata. A situação chegou a tal ponto que, em 1500, os reis perderam a paciência e mandaram Francisco de Bobadilla como interventor. Colombo, que acabara de mandar enforcar sete colonos e se preparava para enforcar mais cinco, foi preso e mandado de volta para a Espanha, com algemas nos pulsos.
Mas tudo o que os colonos espanhóis sofreram nas mãos do seu vice-rei parece insignificante, comparado com o que eles impuseram aos nativos da América. Esse é o grande crime histórico, o genocídio em escala continental que os historiadores revisionistas pretendem colocar em evidência às vésperas do quinto centenário. Curiosamente, os primeiros encontros dos espanhóis com os nativos foram amigáveis, quase idílicos. Eis o que o próprio Colombo anotou no seu diário de bordo da primeira viagem, sobre os tainos: “Eles se tornaram tão nossos amigos que era uma maravilha (…) Eles trocam e dão tudo o que possuem com a melhor boa vontade (…) São muito gentis e não sabem o que seja o mal, não mentem nem roubam (…) amam seus vizinhos como a si mesmos, falam suavemente e estão sempre sorrindo”.
Em outros trechos do mesmo diário, no entanto, o navegador pergunta se eles não seriam úteis como escravos, a serem enviados à metrópole em troca de bois, ou para trabalharem nas minas de ouro a serem descobertas. Porque; desde o início, o ouro é sua grande paixão. Muito embora os tainos entregassem aos espanhóis todos os adereços de ouro que possuíam em troca de quinquilharias, isso não bastava. Em 1495, Colombo decidiu obrigar todos os maiores de 14 anos a entregar uma certa quantidade de ouro a cada três meses; quem não conseguisse teria as mãos amputadas a machado, para sangrar até morrer. Como se não bastasse, instituiu a escravidão disfarçada no sistema de encomendas, quando a autoridade colonial atribuía uns tantos índios a determinado colono (encomendero).
O salário, quando existia, era simbólico; os castigos, sempre brutais. A pena mais comum para as “faltas” dos índios era a amputação do nariz ou das orelhas; em casos mais graves, eram decapitados ou destroçados por cães; ou, ainda, queimados vivos, treze de cada vez, em homenagem a Cristo e seus apostolos. Freqüentemente aldeias inteiras eram dizimadas: a regra era matar 100 índios para cada espanhol morto. Quem deixou bem anotadas essas informações, e muitas outras, foi o frade dominicano Bartolomeu de Las Casas, que acompanhou de perto os primeiros anos da colonização.
Autor de um monumental História das Índias, que só foi publicada no século XIX, Las Casas tornou-se célebre em seu próprio tempo por uma série de cartas e panfletos, um dos quais, a Brevíssima Relação da Destruição das Índias, é o classico no qual se baseiam os historiadores revisionistas. Segundo os cálculos de Las Casas, viviam na Ilha de Hispaniola, antes da descoberta, 3 milhões de nativos. É uma estimativa sujeita a violentas controvérsias: há quem fale em apenas 300 000, enquanto outros, como o americano Woodrow Borah, chegam a 7 ou 8 milhões. Num ponto todos concordam: em 1542, cinqüenta anos após a descoberta, restavam apenas algumas centenas.
Em outras regiões não foi muito diferente. No México, 90% da população nativa desapareceu nos sessenta anos posteriores à chegada de Hernán Cortés, em 1519eram 25 milhões em 1518, restaram pouco mais de 1 milhão em 1668. Nas três Américas, imagina-se que a descoberta tenha custado a vida de 60 a 100 milhões de nativos. Com base nesse holocausto, os revisionistas colocam uma pergunta que, há pouco anos, pareceria absurda: a descoberta da América valeu a pena? O historiador Kirkpatrick, na sua A conquista do Paraíso, traça um quadro lamentável da civilização no século XV, tanto na Espanha sob o terror da lnquisição, quanto no resto da Europa dilacerada pelas guerras, assolada pela fome e pela peste.Em contraposição, apresenta os nativos da América vivendo em doce harmonia com a natureza.
Pode-se argumentar, é claro, que não era bem assina. as grandes nações do Novo Mundo, como os incas do Peru, também construiram seus vastos impérios subjugando os povos vizinhos. Os astecas, do México, não se tornaram notáveis pela suavidade dos seus costumes: na festa da coroação do imperador Ahuitzotl, em 1502, calcula-se que foram sacrificados 80 000 prisioneiros em Tenochtitlán. Os corações eram arrancados do peito, oferecidos ao Sol, e os membros devorados num banquete ritual. O que sobrava ia para os animais. E, finalmente, é preciso lembrar que a Europa do século XV não tinha apenas fome, peste e conquistadores bestiais. Em 1492, ano da descoberta do Novo Mundo, quando Colombo tinha41 anos, Botticelli tinha 47, Leonardo da Vinci 40, Machiavel, 23, Michelangelo, 17. Copérnico, 19, Rafael e Lutero, 9. As grandes navegações foram conseqüência de uma efervescência cultural, e sua influência sobre ela enorme. O legado de Colombo, mesmo descontando seu lado terrível, é mais variado do que pretendem os revisionistas.
https://super.abril.com.br/historia/colombo-heroi-ou-vilao-do-novo-mundo/
Às vésperas do quinto centenário de sua até recentemente gloriosa viagem, uma onda revisionista ameaça sua imagem. De descobridor passa a conquistador e, para muitos, agressor.
Pedro Cavalcante
Em 7 de fevereiro de l986,, enquanto o jovem ditador Jean-Claude Duvalier abandonava o Haiti a bordo de um avião da Força Aérea americana, deposto por uma furiosa revolta popular, a estátua de Cristóvão Colombo era arrancada de seu Pedestal na entrada de Port-au-Prince, e atirada pela multidão ao Mar das Antilhas. “Já que Colombo gostava tanto do mar”, explicou um dos revoltosos, “que volte a nado para a Europa.” Foi mais um episódio da onda de revisionismo histórico que anda varrendo as três Américas às vésperas do quinto centenário de sua descoberta, acontecida em 12 de outubro de 1492.
Ou, como se diz agora, de sua invasão pelos espanhóis, já que a glória da verdadeira descoberta cabe aos próprios índios que aqui chegaram, através do Estreito de Bering, pelo menos 40 000 anos antes. Colombo tornou-se, naturalmente, o principal alvo dos revisionistas. Até há pouco era o protótipo do homem de larga visão e caráter obstinado, o sábio defensor da certeza de que a Terra é redonda, o navegador genial que “parecia ter uma rosa-dos-ventos na cabeça”, o explorador arrojado enfrentando terríveis canibais; o homem, enfim, que abriu as portas do Oceano Atlântico. E de repente, não é mais nada disso.
Livros como o recente The conquest of Paradise (A conquista do Paraíso) do americano Kirkpatrick Sale, apresentam um homem de paixões vulgares, devorado pela ganância do ouro, obcecado pelos títulos de nobreza, geógrafo contuso misturando astronomia com astrologia, navegador insensato, certo de que recebia ordens diretamente de Deus e que, apesar das quatro viagens à América, nunca conseguiu entender onde tinha chegado. Além do mais, de uma ferocidade bestial com os nativos indefesos, trazendo consigo da civilização européia apenas a forca, a fogueira e a espada, além da tuberculose e da varíola, o que fez dele o fundador da maior empresa de genocídio e devastação ambiental da história da humanidade. “Perto de Colombo”, comenta o ativista americano Russel Means, “Hitler não passaria de um delinqüente juvenil”.
Mas, afinal, que era o verdadeiro Colombo? Seria realmente o paranóico que numa certa manhã de junho de 1494 decidiu que Cuba não era uma ilha e sim um continente, obrigou toda a tripulação a jurar solenemente essa “verdade” e avisou que se soubesse de alguém afirmando o contrário mandaria imediatamente arrancar sua língua? Que fim teria levado o querido e honrado Colombo dos livros escolares? Dos seus primeiros vinte anos não se sabe praticamente nada. Há razões documantais para se acreditar que nasceu em Gênova no ano de 1451. Mas nem todos estão de acordo. Apenas no século passado foram escritos 253 artigos acadêmicos sobre essa questão especifica, com reivindicações para a Córsega, Grécia, Maiorca, Aragão, Galícia e Portugal, sem falar na França e na Polônia. Sabe-se, de certo, que sua língua preferida era o castelhano, pois servia-se dela para sua correspondência e suas anotações pessoais.
Desde cedo parece ter escolhido a vida no mar. Em 1472 já navegava como corsário. Quatro anos mais tarde, andava engajado na frota de treze navios do corsário francês Coullon, o Velho, e nas costas de Portugal participou da abordagem de cinco navios mercantes que seguiam para a Inglaterra. Durante o combate, seu navio foi a pique e ele salvou-se nadando. Compreende-se que, nos seus escritos posteriores, tenha deixado na sombra essa parte do seu passado. Embora o corso não fosse uma atividade vergonhosa como a pirataria, causava inimizades prejudiciais a quem, como ele, iria procurar financiamento para viagens junto aos poderosos da época. Portugal, onde foi parar pelo acaso do naufrágio e onde viveria oito anos, dos 25 aos 33, foi a terra que lhe mudou o destino. Era o tempo dos pilotos formados na Escola de Sagres e das grandes navegações pela costa da África. Desde 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, após quinze tentativas infrutíferas, elas iam se estendendo, cada vez mais distantes. Em 1488, Bartolomeu Dias ultrapassou o Cabo da Boa Esperança, anunciando a grande vitória de Vasco da Gama que em 1498 haveria de descobrir o “verdadeiro caminho marítimo para as Índias”.
A idéia desenvolvida por Colombo, como se sabe, também era chegar às Índias, mas navegando para oeste de maneira a dar uma volta em torno da Terra. Baseando-se nos dados do cosmógrafo árabe Alfraganus (Al Fragani), imaginou que o grau terrestre tivesse 56 milhas e meia na linha do equador (o que é correto para milhas árabes, de 1975,5 metros, mas inteiramente errado para as italianas, de 1477,5 metros). Supôs, a seguir, baseado em diversos autores europeus, que todas as terras firmes desde Portugal até a extremidade de oriental da Ásia, se estendessem por 283 graus, deixando apenas 77graus para os oceanos. Sem dúvida, um erro muito maior.
Com base nesse duplo engano, concluiu que saindo das Ilhas Canárias e navegando 2 760 milhas para oeste, chegaria ao Japão. Era um cálculo inteiramente absurdo, mas vinha muito a calhar. Se revelasse a distância real, mais de quatro vezes maior, nunca teria encontrado quem lhe financiasse a tentativa. Estava certo, aliás, na sua concepção básica, a de que poderia alcançar o Oriente pelo Ocidente, proposta muito arrojada para a época. Embora a teoria da Terra esférica já estivesse aceita nos círculos mais cultos, havia aspectos desconcertantes que contrariavam o senso comum. Como fariam os antípodas, obrigados a andar de cabeça para baixo? Por que não caíam no espaço sideral? E o que se encontraria pelo caminho? Não seria lógico que o gelo dos pólos fosse contrabalanceado por alguma região de fogo no equador?
Colombo não conseguiu interessar o rei português, Dom João II, nos seus projetos. De sua estada em Portugal sabe-se de seu casamento com Filippa Moniz Perestrello, de família nobre, com quem teve um filho, Diego, futuro companheiro de navegações. Fez uma viagem até a Islândia e outra pelas costas da África, até a Guiné. Parece ter morado algum tempo na Ilha de Porto Santo e na Madeira. Em 1484, depois da morte da mulher, mudou-se para a Espanha, mais precisamente para a Andaluzia, onde passou dois anos hospedado nas propriedades de duas poderosas famílias: os Medinacelli e os Medina-Sidonia. Graças ao duque de Medinacelli, conseguiu ser apresentado formalmente à rainha Isabel e, pouco depois, em 20 de janeiro de 1486, submeteu o seu projeto a uma comissão de cientistas, navegantes e teólogos, liderada pelo confessor da rainha Hernando de Talavera.
A conclusão foi inteiramente negativa. Por unanimidade, a comissão recusou o projeto, como impossível. Mas Colombo não desistiu e depois de algumas tentativas de aproximação com os reis da França e da Inglaterra, feitas por seu irmão, Bartolomeu, voltou a insistir junto à corte espanhola. Acabou conseguindo, mas só porque certas circunstâncias históricas intervieram. No início de 1492, os espanhóis expulsaram definitivamente os árabes de seu território. Na rendição formal de Granada em 6 de janeiro de 1492, com o jovem califa Boabdil entregando a Isabel de Castela e Fernando de Aragão as chaves da fortaleza de Alhambra, terminavam sete séculos de presença árabe na Península Ibérica.
Livres da guerra de reconquista, os soberanos espanhóis passaram a se interessar pelos novos horizontes anunciados por Colombo. As negociações finais para a expedição ainda se arrastaram por alguns meses. Ao contrário do que diz a tradição, a rainha Isabel nunca penhorou as jóias para financiá-la. Dos três navios, dois (Pinta e Niña) foram providenciados pela cidade de Palos, por ordem da coroa, que entendia castigar sua população por certas ofensas que ninguém sabe mais quais seriam. O terceiro navio, Santa María, assim como as demais despesas, foram financiados por empréstimos arranjados por Luis de Santángel, banqueiro intendente geral dos reis católicos, o principal aliado de Colombo na corte.
A Pinta e a Niña eram caravelas e a Santa Maria uma nau. Não se sabe exatamente como eram nem que tamanho tinham. Os construtores daquela época iam dando ordens conforme os trabalhos avançavam, sem desenhos nem plantas detalhadas Nenhuma caravela autêntica chegou até nossos tempos; o que se conhece de mais confiável é uma miniatura espanhola do século XIV, que se encontra no Prinz Hendrik Museum, em Rotterdam, na Holanda. Estima-se que as duas caravelas tinham pouco mais de 20 metros da popa à proa. A Santa María um pouco maior apresentaria um convés do tamanho aproximado de uma quadra de tênis. A tripulação das três seria de noventa homens.
Colombo assumiu o comando da Santa Maria, que era a nau capitania; Martín Alonso Pinzón o da Pinta; e seu irmão, Vicente Yáñez Pinzón, o da Niña. Saíram de Palos com destino às Ilhas Canárias e de lá, no dia 6 de setembro de 1492, iniciaram a grande aventura no rumo do Ocidente. A ansiedade da descoberta era tamanha que apenas uma semana mais tarde os marinheiros já começavam a ver (ou inventar) sinais de terra próxima. Ora eram pássaros marinhos, como albatrozes e fragatas, e outros que teoricamente nunca se afastam da costa mais do que algumas dezenas de quilômetros: ora eram tufos de ervas que passavam boiando. A desilusão, cada vez que esses indícios se revelavam inconsistentes, ia aumentando a preocupação dos marinheiros. A partir da segunda semana começaram a resmungar idéias de motim. A direção do vento, sempre favorável, mais lhes aumentava o medo, na medida em que tornava a volta mais problemática. Em 25 de setembro houve grande alegria quando Martín Alonso Pinzón anunciou terra à vista e entrou a cantar Gloria in excelsis Deo com sua tripulação. Era outro rebate falso.
Foi somente na manhã de 12 de outubro que a primeira ilha das Bahamas apareceu aos olhos do marinheiro Rodrigo de Triana, que navegava a bordo da Pinta. Segundo o calendário juliano, em vigor no século XV, era realmente 12 de outubro; pelo calendário gregoriano que vigora atualmente, seria 21 de outubro. O local exato onde Colombo desembarcou pela primeira vez na América. é outro motivo de controvérsia. Nada menos que doze ilhas reivindicam a primazia. Ele tinha, aliás, todo interesse em guardar segredo para não ser seguido por outros navegadores, sobretudo os portugueses.
Nessa primeira viagem, o navegador demorou-se apenas quatro semanas nas Bahamas. Descobriu dezenas de ilhas, entre elas Hispaniola, dividida atualmente entre Haiti e República Dominicana.. Ali fundou Isabella, a primeira cidade” do Novo Mundo. Travou, igualmente, contatos iniciais com os nativos da regiãoque se chamavam a si próprios de tainos (os valorosos); passaram a ser chamados índios, pois os descobridores acreditavam que haviam chegado às índias, que estariam pouco mais adiante. De volta à Espanha, Colombo foi recebido na corte com grandes honrarias e muitos banquetes. O descobridor voltou à América, que ainda não tinha esse nome três vezes, mas nunca chegou a uma conclusão definitiva sobre onde se encontrava.
Na segunda viagem, de 1493 a 1496, comandou uma frota de dezessete navios, e mais de 1000 homens, com o propósito de iniciar a colonização a partir de Hispaniola. De lá saiu para diversas expedições exploratórias nas ilhas de Guadelupe, Porto Rico, Jamaica e sobretudo Cuba, que ele imaginou ser a extremidade do continente asiático. Na terceira viagem, de 1498 a 1500, chegou a avistar realmente a América do Sul, junto à foz do Rio Orinoco, região hoje pertencente à Venezuela. Mas, vítima de uma de suas crises de misticismo, cada vez mais agudas e freqüentes, imaginou que havia chegado ao paraíso descrito na Bíblia.
Na quarta viagem, de 1502 a 1503, nada descobriu de importante. Mas deu livre curso à imaginação e escreveu dois livros. O primeiro, conhecido como “O livro dos privilégios”, traz o título oficial de “Cartas, privilégios, cédulas e outras escrituras de Dom Cristóvão Colombo, almirante maior do Mar Oceano, vice-rei e governador das ilhas e terras firmes”. E uma coletânea de documentos através dos quais Colombo pretende salvaguardar seus privilégios. O segundo, “O livro das profecias”, é uma tentativa de convencer os soberanos da importância cósmica de seus feitos. Nele, repete incansavelmente que foi escolhido diretamente por Deus como instrumento de Sua vontade.
Colombo morreu em 1506, dono de uma fortuna considerável, mas ainda julgando-se incompreendido e espoliado nos seus direitos. Na verdade, caíra muito no conceito dos reis da Espanha O que mais o prejudicou não foram suas teorias desatinadas, mas a prática do dia-a-dia como governador das terras descobertas. Nesse ponto, não há quem discorde: Colombo foi um dos administradores mais desastrados de que se tem notícia. Os próprios espanhóis da colônia de Hispaniola viviam num permanente estado de falta de víveres, divididos em grupos amotinados, que o governador mais irritava do que apaziguava, governando com a forca e a chibata. A situação chegou a tal ponto que, em 1500, os reis perderam a paciência e mandaram Francisco de Bobadilla como interventor. Colombo, que acabara de mandar enforcar sete colonos e se preparava para enforcar mais cinco, foi preso e mandado de volta para a Espanha, com algemas nos pulsos.
Mas tudo o que os colonos espanhóis sofreram nas mãos do seu vice-rei parece insignificante, comparado com o que eles impuseram aos nativos da América. Esse é o grande crime histórico, o genocídio em escala continental que os historiadores revisionistas pretendem colocar em evidência às vésperas do quinto centenário. Curiosamente, os primeiros encontros dos espanhóis com os nativos foram amigáveis, quase idílicos. Eis o que o próprio Colombo anotou no seu diário de bordo da primeira viagem, sobre os tainos: “Eles se tornaram tão nossos amigos que era uma maravilha (…) Eles trocam e dão tudo o que possuem com a melhor boa vontade (…) São muito gentis e não sabem o que seja o mal, não mentem nem roubam (…) amam seus vizinhos como a si mesmos, falam suavemente e estão sempre sorrindo”.
Em outros trechos do mesmo diário, no entanto, o navegador pergunta se eles não seriam úteis como escravos, a serem enviados à metrópole em troca de bois, ou para trabalharem nas minas de ouro a serem descobertas. Porque; desde o início, o ouro é sua grande paixão. Muito embora os tainos entregassem aos espanhóis todos os adereços de ouro que possuíam em troca de quinquilharias, isso não bastava. Em 1495, Colombo decidiu obrigar todos os maiores de 14 anos a entregar uma certa quantidade de ouro a cada três meses; quem não conseguisse teria as mãos amputadas a machado, para sangrar até morrer. Como se não bastasse, instituiu a escravidão disfarçada no sistema de encomendas, quando a autoridade colonial atribuía uns tantos índios a determinado colono (encomendero).
O salário, quando existia, era simbólico; os castigos, sempre brutais. A pena mais comum para as “faltas” dos índios era a amputação do nariz ou das orelhas; em casos mais graves, eram decapitados ou destroçados por cães; ou, ainda, queimados vivos, treze de cada vez, em homenagem a Cristo e seus apostolos. Freqüentemente aldeias inteiras eram dizimadas: a regra era matar 100 índios para cada espanhol morto. Quem deixou bem anotadas essas informações, e muitas outras, foi o frade dominicano Bartolomeu de Las Casas, que acompanhou de perto os primeiros anos da colonização.
Autor de um monumental História das Índias, que só foi publicada no século XIX, Las Casas tornou-se célebre em seu próprio tempo por uma série de cartas e panfletos, um dos quais, a Brevíssima Relação da Destruição das Índias, é o classico no qual se baseiam os historiadores revisionistas. Segundo os cálculos de Las Casas, viviam na Ilha de Hispaniola, antes da descoberta, 3 milhões de nativos. É uma estimativa sujeita a violentas controvérsias: há quem fale em apenas 300 000, enquanto outros, como o americano Woodrow Borah, chegam a 7 ou 8 milhões. Num ponto todos concordam: em 1542, cinqüenta anos após a descoberta, restavam apenas algumas centenas.
Em outras regiões não foi muito diferente. No México, 90% da população nativa desapareceu nos sessenta anos posteriores à chegada de Hernán Cortés, em 1519eram 25 milhões em 1518, restaram pouco mais de 1 milhão em 1668. Nas três Américas, imagina-se que a descoberta tenha custado a vida de 60 a 100 milhões de nativos. Com base nesse holocausto, os revisionistas colocam uma pergunta que, há pouco anos, pareceria absurda: a descoberta da América valeu a pena? O historiador Kirkpatrick, na sua A conquista do Paraíso, traça um quadro lamentável da civilização no século XV, tanto na Espanha sob o terror da lnquisição, quanto no resto da Europa dilacerada pelas guerras, assolada pela fome e pela peste.Em contraposição, apresenta os nativos da América vivendo em doce harmonia com a natureza.
Pode-se argumentar, é claro, que não era bem assina. as grandes nações do Novo Mundo, como os incas do Peru, também construiram seus vastos impérios subjugando os povos vizinhos. Os astecas, do México, não se tornaram notáveis pela suavidade dos seus costumes: na festa da coroação do imperador Ahuitzotl, em 1502, calcula-se que foram sacrificados 80 000 prisioneiros em Tenochtitlán. Os corações eram arrancados do peito, oferecidos ao Sol, e os membros devorados num banquete ritual. O que sobrava ia para os animais. E, finalmente, é preciso lembrar que a Europa do século XV não tinha apenas fome, peste e conquistadores bestiais. Em 1492, ano da descoberta do Novo Mundo, quando Colombo tinha41 anos, Botticelli tinha 47, Leonardo da Vinci 40, Machiavel, 23, Michelangelo, 17. Copérnico, 19, Rafael e Lutero, 9. As grandes navegações foram conseqüência de uma efervescência cultural, e sua influência sobre ela enorme. O legado de Colombo, mesmo descontando seu lado terrível, é mais variado do que pretendem os revisionistas.
https://super.abril.com.br/historia/colombo-heroi-ou-vilao-do-novo-mundo/
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Comentários
Os atuais indígenas do Brasil são os primeiros habitantes?
Não. Eles exterminaram o povo dos sambaquis, que tinha chegado há, pelo menos, 10 mil anos antes.
Conquistador bonzinho é uma contradição em termos, logo, surpresa nenhuma.
Agora... A vigarice intelectual é gente defensora do Relativismo Cultural, que acha HOJE um crime hediondo impedir Ianomâmis de enterrarem crianças vivas por terem nascido gêmeas ou alguma outra crendice primitiva, mas se enchem de pudores morais pelo que colonizadores fizeram quinhentos anos atrás.
Aliás, toda a história portuguesa é motivo de orgulho.
Quer isto dizer: aceitação dos mesmos métodos de dominação na nossa era? Não.
O que mudou?
Atualmente os madeireiros e fazendeiros da Amazônia, se não fossem impedidos pelo clamor da sociedade (leia-se: omissão do poder público) fariam o mesmo com a população indígena local.
Clamor contra a força assombrosa do poder político. Não diria que seja uma luta inglória mas necessita muita vontade e organização.
Cortez conquistou os Aztecas porque os povos submetidos à tirania deles os odiavam e se uniram aos espanhóis para combater seus senhores, que os utilizavam como matéria prima para sacrifício humano.
E clamor da sociedade sem um braço armado que lhe dê força de persuasão nunca intimidou criminoso nenhum.
Apenas que, braço armado sempre existiu no entanto o crime não arrefece.
Falta algo, mais consistente que as armas.
Fui ao Google (ops!) e confirmei parte de minha opinião sobre Incas e Astecas.
Os Astecas eram cruéis, para padrões civilizados, com sacrifícios humanos impostos à população, mas os Incas, senhores de um império vastíssimo, curiosamente agiam em relação às nações dominadas à semelhança da "Pax Romana", convertendo inimigos em aliados.
Acauan afirma que Pizarro e Cortez dominaram aqueles povos porque já subsistia um sentimento de revolta pela crueldade com que eram tratados por seus líderes.
Isto pode ter acontecido entre os Astecas, e favorecido a Cortez; não entre os Incas.
Pizarro, conquistador do império Inca, se aproveitou de uma guerra civil, da varíola, e de traição, para aprisionar o imperador Inca Atahualpa e submeter seu povo.
Pizarro era fã de carteirinha do Cortez e queria de qualquer jeito reproduzir o feito do antecessor, o que surpreendentemente conseguiu.
Talvez explicado pela probabilidade de Atahualpa ter sido o monarca mais burro, otário e cego da História.
- Imperador, chegaram aqui uns estranhos mal encarados, brutalhões, armados até os dentes e querem falar com Sua Majestade;
- Que maravilha! Mande-os entrar na sala do trono e dêem a eles tudo que quiserem...
Por definição, bandido é quem escolheu a violência ilegal como meio de vida, não é o tipo de perfil dado a se preocupar com coisas que não produzem lesões corporais, como opinião pública.
Se as políticas públicas priorizarem investimentos em infra estrutura a taxa de desemprego cai. Homem no trabalho não será homem na prisão.
A Educação amplia os horizontes da mente e cria melhores perspectivas, particularmente para os jovens.
Não precisa ser grande economista ou sociólogo para definir prioridades orçamentárias que possam alavancar um surto de progresso concomitante com paz social. Isto, desde que se reduza drasticamente o desperdício do dinheiro público com inúteis projetos que atendem apenas aos interesses políticos.
A violência, que sempre existirá, restringir-se- à principalmente aos caminhos do tráfico, ou seja, bandido contra bandido.
A certa altura dos governos Petistas a taxa de desemprego no Nordeste caiu significativamente, devido aos programas sociais terem gerado aumento do consumo e estimulado a economia, além dos investimentos federais a fundo perdido na região.
Nesta mesma época, a violência criminal na maioria das capitais nordestinas explodiu.
Thomas Sowell fez uma demonstração baseada em evidências incontestáveis de que décadas de investimento social maciço nas comunidades negras e pobres de Nova York vieram acompanhadas do crescimento contínuo das taxas de criminalidade, que apresentaram uma inflexão com o aumento da taxa de abortos voluntários entre as mulheres negras (lembrando que correlação pode ou não significar causalidade), sendo que as taxas de criminalidade só sofreram uma queda significativa com o programa Janelas Quebradas, que estabeleceu a Tolerância Zero para qualquer violação da lei. O tráfico é um exemplo elucidativo porque os traficantes não querem só dinheiro, querem poder, dominar uma região geográfica o que só é possível com a ausência do poder militar do Estado.
Claramente existe uma relação entre desemprego, fome, miséria, e daí, latrocínio, estupro, violência doméstica, etc... A pergunta seria: onde os dados, as estatísticas?
Quando falamos do comportamento humano e principalmente se apontamos as variáveis mais complexas, ou seja, aquelas que envolvem aspectos emocionais e psicológicos a correlação entre os fatores em análise não serão lineares. O ambiente social, a educação e a estrutura familiar por exemplo, interferem de forma aleatória estabelecendo complexa correlação entre os dados.
O uso frequente de drogas e o alcoolismo embora não caracterizem personalidade criminosa são fatores correlatos com a criminalidade e a violência.
Quando Fernando, desvia o olhar da realidade e da complexidade do tema diz "Claro. É por isso que só desempregados viram criminosos, como podemos ver todos os dias nos jornais"; no mesmo tom irônico responderemos: pelo menos os jornais não vão noticiar que alguém após estafante dia de trabalho deixa seu carro na garagem, coloca seu paletó no armário, toma sua refeição e sai a fazer algum assalto nas vielas escuras da cidade, para complementar seu salário.
Por isto insisto, nem todo aparato militar resolverá de forma satisfatória tal questão.
Utopicamente, mas não tão utópico assim, poderíamos dizer que a solução dos grandes problemas sociais aguardam pela evolução moral da humanidade.
da criminalidade.
https://youtu.be/6TtVA2s5L5(Caio Coppola, um tremendo moedor de adversários em debates)
Um modo claro de aumentar a criminalidade é aumentar o déficit de coesão social numa sociedade, uma tática há muito descoberta pelas esquerdas para promover as suas agendas.
Senão todo pobre teria como destino ser criminoso.
A relação de causalidade entre desigualdade social e criminalidade violenta é uma das bandeiras da esquerda.
Bobagem negar que seja um fator importante, porém somente quando condicionado a outros.
Um exemplo é que sociedades desiguais rurais apresentam - no geral - índices de criminalidade violenta muito mais baixos do que grandes centros urbanos com o mesmo nível de desigualdade.
As cidades grandes oferecem ao criminoso profissional as vantagens do anonimato e do esconderijo fácil que não são possíveis nas sociedades campestres.
Um catalisador dos fatores sociais que levam à violência urbana é uma ponderação do custo benefício da opção pela vida criminosa, onde entram as chances de impunidade e de galgar posições de poder nas organizações criminosas.
Outro catalisador - talvez ainda mais decisivo, por influenciar o primeiro - é o grau de corrupção das autoridades responsáveis pela segurança pública.
Uma das razões do sucesso da Política das Janelas Quebradas no combate ao crime em Nova York foi que o primeiro alvo da Tolerância Zero não foram os pequenos marginais de rua e sim os policiais corruptos.
Feita a limpeza na Polícia e desmontados os esquemas horizontais e verticais de corrupção, a ponderação custo benefício da atividade criminosa foi significativamente deslocada para o aumento do custo.
A experiência mostra que TODAS as tentativas de conter a criminalidade EXCLUSIVAMENTE com políticas de assistência social fracassaram miseravelmente, enquanto estratégias que incluíram gerenciamento científico da prevenção e repressão policial apresentaram resultados positivos e duradouros.