As coisas burras que a moça do TikTok não entende

Um vídeo do TikTok está fazendo muita gente xingar uma moça por fazer perguntas "burras", mas será xingar o melhor meio de divulgar ciência?

As Interwebs ontem pegaram fogo com um vídeo do TikTok aonde uma moça faz várias perguntas “burras”, com um ar meio pretensioso, parecendo muito com uma boa isca para incautos, e funcionou. Um monte de gente está xingando a menina, e o MeioBit não poderia ficar fora dessa onda.

Mas calma, não vamos tirar o couro da moça, muito pelo contrário. Esse, aliás é o grande problema da divulgação científica em geral. Muita gente se veste de arrogância, sobe na Torre de Marfim da Academia e acha que está alimentando os famintos com suas pérolas de sabedoria, e se eles não as aceitam com gratidão, são camponeses ignorantes.

Em um xkcd relevante (e sempre tem um xkcd relevante) o autor comenta que é muito mais legal contar um fato “que todo mundo sabe” pra alguém que o desconhece, do que zoar o sujeito pelo desconhecimento.

Eu mesmo adoro quando alguém usa a expressão “Deus não dá asa a cobra”. É uma oportunidade pra responder “Com Darwin, nem precisa” e mostrar uma espécie de cobra da Indonésia que aprendeu a subir em árvores, saltar de galhos altos, achatar o corpo como uma fita e colear pelo ar, direcionando o planeio.

Isso mesmo, cobras que voam, ou pelo menos caem com estilo. Diz que não é algo super-legal de descobrir que existe?

Comentários

  • Outro problema é que com o tempo quem faz divulgação científica acaba evoluindo junto com o público, assume que vários conceitos que já explicou em textos anteriores foram assimilados, e quando percebe, deixou muita gente no vácuo. A alternativa é sempre explicar, mesmo que rapidamente os conceitos. Isso infelizmente gera comentários negativos de leitores antigos.

    Aqui entra uma regra criada pelo Stan Lee: Todo gibi é o primeiro gibi de alguém, então ele sempre colocava um resumo do personagem na primeira página. Tal qual, todo texto é o primeiro texto de divulgação científica de alguém, e se a pessoa chegou até ali, ela tem curiosidade, quer aprender. Chamá-la de burra, jogar uma tonelada de links de referência, não é produtivo. Não é legal.

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    As dúvidas da tal moça do vídeo são bem básicas, mas adivinhe: Ninguém nasceu sabendo e ninguém construiu o LHC do nada. Newton dizia que só enxergou mais longe por estar apoiado no ombro de gigantes. Eu vejo o contrário. A Ciência está apoiada nos ombros de quem não sabe nada, mas tem curiosidade e tenta aprender. Carl Sagan diz que toda criança nasce cientista, é a sociedade que tanto bate, tanto doutrina que extirpa a curiosidade delas.

    Crianças querem saber como o mundo funciona, crianças adoram fazer perguntas e receber respostas. Explicar essas idéias para elas é o verdadeiro desafio, por isso gosto tanto da série da Wired aonde cientistas explicam conceitos científicos em vários graus de dificuldade, começando com crianças.

    O truque é fazer isso de forma não-condescendente, sem passar a mão na cabeça nem desdenhar da pessoa. Então, moça do TikTok, vamos ver se eu consigo.
  • O vídeo:



    1 – Falta de Oxigênio
    “como uma pessoa morre de falta de Oxigênio se tem Oxigênio no ar, é só pegar?”

    Se sangue tem um monte de células chamadas hemácias, que transportam o oxigênio e liberam gás carbônico, imagine um garçom que pega uma garrafa d’água na geladeira, leva até sua mesa, recolhe a garrafa vazia, joga fora e vai pegar uma nova. Agora imagine que você passou SuperBonder na garrafa. O garçom não consegue jogar a antiga fora, e mesmo com a geladeira cheia, não consegue pegar mais água para você. Envenenamento por Monóxido de Carbono funciona assim. Você tem Oxigênio no ar e nos pulmões mas não tem quem leve até as células.

    2 – Bluetooth
    “A coisa flutua de um lugar pro outro? Como, se eu não estou vendo?”

    Do mesmo jeito que você não vê o carteiro, mas sua correspondência aparece na portaria todo dia. Bluetooth é um protocolo de comunicação, um conjunto pré-estabelecido de regras que determina como dois dispositivos irão trocar dados. Eles usam ondas de rádio, do mesmo jeito que WIFI, televisão e a rede de telefonia celular. Ondas de rádio são só um tipo de luz que a gente não enxerga, aliás a gente só enxerga uma fração do chamado espectro eletromagnético.

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    Imagine um monte de lâmpadas piscando em alta velocidade e em intensidades diferentes. É assim que você veria Bluetooth. E quer fazer um experimento legal, jovem cientista? O controle-remoto da sua TV usa luz invisível (no caso infravermelho) para se comunicar. Quer uma prova? Pegue seu celular, ligue a câmera, aponte o controle-remoto para ela e aperte algum botão. Sim, câmeras costumam ser sensíveis a luz infravermelha.

    3 – Disco de Vinil
    “Como o mesmo pedaço de plástico, passando pela mesma agulha faz sons diferentes?”

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    Faça o experimento: imprima uma página d’Os Lusíadas em uma folha, e a letra de Dako É bom, de Tati Quebra-Barraco, em outra. Cole num poste, lado a lado. Se afaste 20 metros. Consegue perceber a diferença? Não, né. São duas folhas de papel, é o máximo que dá pra definir dessa distância.

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    De longe, ou vendo só pela internet, como a maioria dos Millenials os experimenta, discos de vinil parecem idênticos, assim como CDs, e sendo honesto fora a separação das faixas, mesmo ao vivo não há muito o que ver, exceto se você usar um microscópio. Aí verá que cada trilha é um lindo e complexo terreno de vales e picos, que quando percorridos pela agulha fazem o pequeno diamante em sua ponta vibrar. Essa vibração é amplificada e temos... música.


  • 4 – Porcentagem do Oceano
    “Falam que a gente só conhece 30% do oceano, como você sabe que é 30% se não conhece tudo?”

    Essa pergunta nem deveria ser classificada pela moça como “burra”. E é verdade, sabemos mais sobre a superfície de Marte do que sobre o fundo dos oceanos, e mais gente andou na Lua do que foi ao fundo da Fossa das Marianas. Quanto à porcentagem, é simples: Sabemos a área ocupada pelos oceanos e continentes na Terra. São 361.9 milhões de quilômetros quadrados, de um total do planeta de 510.1 milhões de quilômetros quadrados.

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    Desse total eu devo dizer, moça do TikTok, você está errada. Nós exploramos menos de VINTE porcento dos oceanos. Esse número é fácil e entender, é só subtrair da área total todas as áreas que já mapeamos ou sondamos. É como um hotel com 100 quartos, e você só visitou 20. Você tem perfeita noção do tamanho do hotel, da localização dos quartos, mas não faz idéia do que há neles.

    5 -Evolução do Macaco
    “Se o Homem veio do macaco por que ainda tem macaco no mundo?”

    Essa é a mais fácil de explicar e entender. A simplificação “o Homem veio do macaco” é falada desde os tempos de Darwin, com esta famosa caricatura.

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    Mesmo hoje em dia até quem se diga divulgador científico, como o tal Marcelo Gleyser repete essa bobagem. A verdade, moça do TikTok, é que nenhum cientista disse que o Homem veio do macaco.

    Na verdade humanos e macacos vieram de um ancestral em comum. Mesmo entre humanos e bonobos, aqueles Chimpanzés do Bem, o último ancestral em comum viveu 6.7 milhões de anos atrás.

    Usando o excelente site Time Tree, descobrimos que o Homem e o Mico Leão Dourado descendem de um ancestral em comum que viveu 43.2 milhões de anos atrás. Esse ancestral não era um Mico, nem um Homem.

    Quanto a ainda haver macacos hoje, é pelo mesmo motivo que tubarões são tubarões desde mais de cem milhões de anos atrás. Ele é perfeitamente adaptado a seu ambiente. Ele é o rei da cocada preta, não dá pra melhorar um tubarão, talvez só com lasers.


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    Não há pressão ambiental para que o tubarão mude. Nossos ancestrais tiveram a sorte de desenvolver inteligência, o que aumentou nossa capacidade de sobrevivência, e foi nos distanciando de nossos ancestrais. Outras espécies, como as que deram origem aos gorilas e chimpanzés, deram a sorte de viver em ambientes mais benignos, com comida abundante, aonde inteligência não é uma grande vantagem.

    Convenhamos, em um ambiente com comida abundante um macaco que parece um blogueiro não é tão atraente para as fêmeas quanto um que parece o Keanu Reeves e consegue caçar iguanas apetitosas para ela e os filhotes.
  • Conclusão
    Carl Sagan dizia que a Ciência é uma vela solitária na escuridão. O que ele não contava é que estava chovendo, no meio de um furacão, em Atlântida. Curiosidade é mal-vista, ceticismo é visto como intolerância, e nada dogmático deve ser questionado. Crianças questionadoras são impertinentes e desagradáveis.

    Nossa única saída dessa enorme encrenca em que nos encontramos é estimular a curiosidade, é celebrar quem tem coragem de fazer perguntas “burras”, bait ou não. Toda pergunta é válida, todo desejo de aprender deve ser recompensado e ninguém deve ser desrespeitado ou menosprezado por não conhecer algo.

    É uma oportunidade única ampliar os horizontes de alguém, e todos são bem-vindos a contribuir, com respostas ou perguntas.

    Menos terraplanistas, esses são retardados mesmo.

    https://tecnoblog.net/meiobit/434777/as-coisas-burras-que-a-moca-do-tiktok-nao-entende/
  • Alguém disse:
    "Não há perguntas idiotas e você se torna um idiota se para de fazer perguntas"
  • Quando a gente dá 1 treinamento, curso &c. tem que ter MUITO cuidado nisso!
    Estimular e deixar completamente à vontade todos participantes ("alunos") a fazer QUALQUER pergunta, sem constrangimentos, sem medo de serem ridicularizados pelos demais. Até pode haver brincadeirinhas na turma, mas que sejam encaradas como tal, como descontração, em proveito de todos.
  • editado June 2022
    Há 450 milhões de anos, as árvores ainda nem tinham sido "inventadas". Elas só começaram a surgir entre 200 e 300 milhões de anos atrás. Antes disto, só havia vegetação rasteira, tipo samambaias. O mais próximo de árvores que havia eram os xaxins ou coisas parecidas com palmeiras. O clima era seco e não havia florestas. Os dinossauros só apareceram uns 200 milhões de anos depois.
    Entenda teoria sobre Ratanabá, suposta cidade perdida na Amazônia

    Teoria infundada fala sobre cidade mítica que teria existido há 450 milhões de anos; Homo sapiens mais antigo já encontrado data de menos de 1 milhão

    Por Agência O Globo 14/06/2022


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    Ilustração compartilhada nas redes sociais mostra como seria a mítica cidade

    Na última semana, a história de uma suposta cidade perdida na Amazônia ganhou as redes sociais. A teoria, classificada como infundada por especialistas, trata de uma civilização que teria habitado a região da floresta há mais de 450 milhões de anos.

    "Há 450 milhões de anos não existia nem América do Sul, Cordilheira dos Andes, e as evidências mais antigas da nossa espécie (Homo sapiens) não chegam nem a 1 milhão", diz Eduardo Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, que estuda a região amazônica há 35 anos.
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    No período referido pela teoria, os atuais continentes ainda não existiam e estavam unidos na chamada Pangeia. Como explica Neves, a humanidade também estava ainda longe de dar os primeiros passos. Os mais antigos fósseis de Homo sapiens já encontrados datam de 300 mil anos atrás, apenas uma fração dos supostos 450 milhões de Ratanabá.

    A cidade perdida de Ratanabá também teria sido erguida, segundo as informações que circulam nas redes, pela civilização Muril, da qual não se tem registros em revistas científicas.

    As imagens usadas para ilustrar a cidade perdida teriam pouca base na realidade, segundo o arqueólogo. Elas mostram grandes construções douradas e reluzentes feitas de rocha e ouro, materiais dificilmente encontrados na região na proporção necessária para erguer uma cidade desse tamanho.

    A origem da teoria de Ratanabá está em uma série de publicações nas redes da entidade Dakila Pesquias, que afirma ter feito a descoberta da cidade perdida. O grupo, fundado por Urandir Fernandes de Oliveira, já teve o nome associado a outras teorias da conspiração que acabaram por virar meme, como o caso do ET Bilu, conhecido pela frase 'busquem conhecimento'. Apesar disso, a história ganhou as redes e foi replicada por diferentes influencers e canais no Twitter, Tik Tok e Youtube.

    Ratanabá aparece em muitos comentários como uma suposta justificativa para o interesse de países estrangeiros na Amazônia, que desejariam as riquezas míticas da civilização Muril.

    "Essa ideia que é uma cidade de ouro que vai pagar a dívida externa do Brasil é uma fantasia", diz Eduardo Neves, apontando para a raridade de se encontrar artefatos de metal na Amazônia.

    Viralizou nas redes

    Publicações sobre Ratanabá começaram a ganhar força nas redes sociais no último final de semana e rapidamente se tornaram alvo de memes. Entre os que fizeram postagens sobre o assunto está o ex-secretário de Cultura Mário Frias, que chegou a ter uma reunião como Urandir Oliveira em 2020.

    Em outras postagens, o assunto foi motivo de piada.

    Arqueologia (de verdade) na Amazônia

    Apesar da teoria de Ratanabá ser infundada, pesquisas arqueológicas recentes mostram que a Amazônia pré-colombiana tinha assentamentos indígenas dotados de certo grau de complexidade, a ponto de serem classificados como urbanos por alguns arqueólogos. No entanto, segundo Eduardo Neves, não são exatamente cidades como entende o senso comum:

    "Existem evidencias de urbanismo no Alto Xingu, na Bolívia, Amazônia equatoriana. Mas, quando as pessoas pensam em cidade antiga, elas pensam no modelo de uma pólis grega, de uma cidade murada. Aqui, eram cidades dispersas, com baixa densidade demográfica, da qual as pessoas saiam e voltavam", explica arqueólogo.

    Os achados indicam a existência de antigas estradas feitas pelas comunidades locais há pelo menos 2000 anos. Uma recente pesquisa publicada na revista Nature mostrou, através de um levantamento feito por um sistema de laser aéreo chamado de "Lidar", a existência de pirâmides de até 22 metros na região de de Llanos de Mojos, na Bolívia.

    "São construções de terra. Antigamente, os arqueólogos iam ao campo e achavam que era tudo natural", explica Neves, apontando que outras construções de terra já foram identificadas em território brasileiro, como no Acre, graças aos avanços tecnológicos

    Neves, que prepara uma pesquisa na Amazônia usando o "Lidar", se diz preocupado com o impacto que boatos de cidades míticas de ouro podem ter para a região:

    "Imagina se começa a aparecer um monte de maluco lá atrás de ouro? Pode ser uma ameaça aos indígenas da região. Nossa pesquisa vai ser feita em conversas com as comunidades locais. É irresponsável fazer isso de outra forma, arqueologia não funciona mais assim".
    https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2022-06-14/entenda-teoria-ratanaba-cidade-perdida-amazonia.html
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