Por que a União Soviética foi a verdadeira ganhadora da corrida espacial (e não os EUA)

Por que a União Soviética foi a verdadeira ganhadora da corrida espacial (e não os EUA)COMENTEbbc-v2.gif 26/12/201615h19
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Quando a Apollo 11 chegou à Lua em 1969 e o astronauta Neil Armstrong deu seu "grande salto para a humanidade", tudo parecia perdido para a União Soviética.Milhões de pessoas no mundo todo viram essas imagens na televisão. E, na história popular, foram os Estados Unidos que se tornaram os grandes vencedores da corrida espacial contra a União Soviética (URSS).Mas, na realidade, esse é um pensamento equivocado. Os verdadeiros pioneiros da exploração espacial foram os astronautas soviéticos e, grande parte dos avanços conquistados à época e utilizados até hoje na Estação Espacial Internacional (EEI) se devem a conhecimentos e inovações descobertas pela União Soviética.Essa é a conclusão do documentário produzido pela BBC "Astronautas: como a Rússia venceu a corrida espacial", que teve acesso a documentos importantes e entrevistou protagonistas da extraordinária briga entre soviéticos e americanos para conquistar o Universo.?dc=5550001892;ord=1482886392602?dc=5550001580;ord=1482886408746Ao levar ao espaço o primeiro satélite, o primeiro ser humano e a primeira estação orbital, a União Soviética conseguiu vencer os Estados Unidos, grande rival na Guerra Fria e cujo programa espacial, desenvolvido sob orientação do engenheiro alemão Wernher von Braun, era mais sofisticado e contava com mais fundos.Mas como eles fizeram isso? Wikmedia
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Wernher von Braun, um dos criadores do programa espacial dos EUA
As origens do programa espacial da URSS vêm das ruínas da Segunda Guerra Mundial. Quando os americanos lançaram a bomba atómica em Hiroshima e Nagasaki, nasceu uma nova ordem mundial, em que o poder e a influência não se mediriam em termos de esforço humano, mas sim de avanços tecnológicos.Se a União Soviética queria ter influência internacional, ela deveria remontar de forma bastante veloz a enorme vantagem que os Estados Unidos haviam "roubado" dela.Em apenas quatro anos, os soviéticos produziram a bomba atómica. "Como era muito mais pesada que a dos americanos, precisaram desenvolver um foguete mais poderoso para transportá-la, o que acabou impactando o programa espacial", explica à BBC Gerard de Groot, professor de História Moderna da University of St Andrews, no Reino Unido.E a pessoa a quem encarregaram a tarefa foi o engenheiro Sergei Pavlovich Korolev. Arquivo Russo/BBC
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A obra-prima de Korolev, o foguete R-7 Semyorka foi lançado. Altura: 34 metros. Peso: 280 toneladas.
Em 1939, o líder da URSS, Joseph Stalin, o havia declarado inimigo do Estado e o enviado um dos terríveis gulags, onde se esperava que morresse. Mas, diante da necessidade de mentes brilhantes no início da Guerra Fria, decidiu-se dar a ele uma nova oportunidade. "Korolev não era cientista, mas era um gênio de gestão. Era um líder, uma figura inspiradora, um político que sabia mover as alavancas do poder e voltar à realidade das metas", disse à BBC o especialista em História do Espaço Asif Siddiqi, da Universidade Fordham de Nova York.E mais: na União Soviética, as pessoas o consideravam tão importante do ponto de vista estratégico que, para protege-lo de qualquer tentativa de assassinato, mantiveram sua identidade em segredo até seus últimos dias. Ele era conhecido apenas como "o chefe estrategista".Em 1957, Korolev concluiu sua obra-prima, o foguete R-7 Semyorka, que era nove vezes mais poderoso que qualquer outro lançador criado até aquele momento.Depois de várias tentativas falidas, o R-7 foi testado com sucesso: ele conseguiu voar por 5,6 mil quilômetros até a península de Kamchatka. Foi o primeiro míssil balístico intercontinental e, com ele, Korolev transformou a União Soviética em uma superpotência global. Arquivos Russos/BBC
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O programa espacial soviético começou reconstruindo foguetes V2 capturados dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial
No entanto, o destino do R-7 não era se transformar em uma arma. "Como míssil, ele era ruim. Demorava-se muito para prepará-lo para o disparo. Enquanto foram desenvolvidos outros foguetes mais eficientes, o R-7 foi dedicado exclusivamente à exploração espacial", conta à BBC o ex-astronauta soviético Georgei Grechko. Sputnik e LaikaUma vez que contava com um foguete apto, Korolev queria ser o primeiro a demonstrar que as viagens espaciais eram possíveis. Com esse objetivo, seus engenheiros desenvolveram um satélite simples, o Sputnik. Era apenas um transmissor de rádio coberto por uma esfera de metal.Em 4 de outubro de 1957, o Sputnik foi colocado em órbita e começou a enviar sinais de rádio à Terra, um "bip" que os Estados Unidos se esforçaram para decodificar, mas que na realidade não continha nenhuma mensagem.O mundo ficou fascinado. Entusiastas formavam longas filas diante dos telescópios disponíveis para poder ver a "segunda Lua" cruzando o firmamento.O Sputnik foi uma jogada de mestre de propaganda e, a partir disso, o líder soviético Nikita Kruschev quis mais: ele pediu a Korolev outra grande missão espacial para as comemorações de 7 de novembro, o aniversário da revolução bolchevique de 1917.Fazer isso dentro de um mês parecia impossível. No entanto, no dia 3 de novembro de 1957, a União Soviética enviou ao espaço outro satélite, mas desta vez havia um passageiro a bordo: Laika, uma cadela vira-lata encontrada em Moscou.Durante muito tempo, os soviéticos afirmaram que a cadela sobreviveu em órbita por vários dias, mas em 2002 admitiram que os controles climáticos falharam e que o animal morreu em apenas seis horas por causa de uma superaquecimento.Ainda assim, Laika deu aos soviéticos outra vitória e mais propaganda - além de uma nova dor de cabeça para os Estados Unidos."Nos Estados Unidos, acreditavam que se a URSS era capaz de levar um animal ao espaço, em breve haveria condições de colocar um ser humano em órbita", explicou o historiador De Groot.O sorriso de Yuri GagarinNo início da década de 1960, 20 potenciais astronautas eram treinados em segredo em uma zona rural da Rússia - entre eles, o jovem Alexei Leonov."Cada dia, corríamos 5km e nadávamos 700 metros. Também saltávamos em paraquedas; eu cheguei a fazer uns 200 saltos", conta Leonov à BBC.Mas apesar do treinamento físico, os cosmonautas precisavam se preparar para os rigores do espaço.Deviam ser capazes de resistir à enorme força na decolagem e aterrissagem. Eles eram isolados por dias em quartos a prova de ruídos para testar a experiência psicológica. E o pior de tudo era a preparação para a eventualidade de a cápsula começar a girar sem controle no espaço. Arquivos Russos/BBC
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O primeiro satélite transmitia sinais de rádio que pareciam suspeitas para os EUA
"Era algo muito difícil de aguentar", relembra o ex-astronauta Georgei Grechko. "Alguns ficavam pálidos, outros verdes. E logo vomitavam." A pré-seleção do primeiro ser humano que iria ao espaço ficou reduzida a dois nomes: Yuri Gagarin e Gherman Titov."Korolev teminou escolhendo o filho de camponeses, Gagarin", disse Grechko. "Nós pensávamos que o mais inteligente e educado era Titov. Mas o chefe considerou aspectos em que nós como engenheiros não havíamos pensado: quão bonito era o candidato, seu sorriso. E tinha razão."O "engenheiro chefe" sabia que a missão já era um sucesso, o rosto de Gagari estaria em todos os jornais do mundo.No dia 12 de abril de 1961, Gagarin chegou onde nenhum ser humano havia chegado antes: a órbita da Terra. A bordo da cápsula Vostok, ele deu uma volta ao planeta em uma hora e 48 minutos."Estou olhando para a Terra", disse, ao se comunicar com o centro de controle. "Vejo as cores das paisagens, bosques, rios, nuvens. Tudo é muito bonito".Gagarin foi recebido como um herói na União Soviética e viajou pelo mundo levando seu sorriso triunfal. Era a encarnação do domínio da União Soviética na corrida espacial.Com isso, os americanos necessitavam desesperadamente de um triunfo sobre a URSS e o presidente John F. Kennedy estabeleceu uma meta ambiciosa: "Escolhemos chegar até a Lua ainda nesta década." Arquivo Russo/BBC
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A cadela Laika viajou para o espaço
Com a economia no auge, os Estados Unidos podiam investir grandes somas de dinheiro no desenvolvimento de um programa lunar. Do outro lado, os governantes da União Soviética não estavam dispostos a financiar uma aventura tão cara. "Meu pai disse a Korolev que na União Soviética havia outras prioridades: produzir mais alimentos para acabar com a escassez, construir mais moradias", disse à BBC Sergei Kruschev, filho do líder soviético Nikita Kruschev."Ele não queria gastar todo esse dinheiro só para vencer os americanos na corrida para chegar à Lua", disse. Arquivo Russo/BBC
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Gagarin, o sorriso emblemático símbolo do domínio soviético na corrida espacial
No lugar disso, Korolev lançou uma série de missões menos custosas à órbita baixa da Terra - e fez questão de "cantar vitória" para reforçar sua propaganda. Entre elas, destacam-se duas de 1963: o voo orbital mais longo da história até aquela data (que durou cinco dias) e a primeira mulher a ir ao espaço, Valentina Tereshkova. No dia 18 de março de 1965, mais uma conquista: Alexei Leonov se tornou o primeiro ser humano a realizar uma caminhada espacial."Korolev nos havia dito: 'Assim como um marinheiro a bordo de um navio deve ser capaz de nadar no oceano, um astronauta deve saber flutuar no espaço", lembra Leonov.Rumo à LuaO feito de Leonov marcou o fim da era de ouro do programa espacial da URSS, ao que se somou uma série de tragédias.No dia 14 de janeiro de 1966, Korolev, a figura inspiradora da exploração soviética do cosmos, morreu depois de uma cirurgia de rotina da qual não conseguiu se recuperar. BBC
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Dezembro de 1957: primeira tentativa de lançamento de satélite americano foi um fracasso
Quem o substituiu foi Vasily Mishin, que carecia da visão e da capacidade de gestão do "estrategista chefe". Mas o pior ainda estaria por vir: em 26 de março de 1968, Yuri Gagarin, o sorridente e emblemático símbolo do domínio espacial soviético, morreu durante um voo teste. Foi uma grande tragédia nacional.Menos de um ano depois, o N1, o foguete de titânio que a URSS usaria para sua aventura lunar, explodiu e deixou a base de lançamento inutilizada.Com os soviéticos fora da corrida, os americanos conseguiram o que parecia impossível: no dia 20 de julho de 1969, a Apollo 11 chegou à Lua.Primeiras estações espaciaisOs soviéticos se esqueceram rapidamente da Lua e fixaram uma nova meta que ressuscitaria seu programa espacial: a colonização. Eles buscariam uma forma de viver e trabalhar no espaço.No dia 19 de abril de 1971, eles lançaram em órbita a Salyut 1, primeira estação espacial temporal da história. Três astronautas viveram nela por três semanas. Depois disso, vieram outras missões e estadias cada vez mais prolongadas.No dia 20 de fevereiro de 1986, enquanto os americanos se concentravam em voos de curta duração com ônibus espaciais, os soviéticos colocaram na órbita terrestre a primeira estação permanente, a MIR, que foi construída ao longo de uma década. BBC
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Treinamento dos astronautas soviéticos
Com 31 metros de largura, 19 de comprimento e 27, 7 de altura, essa estrutura se transformou em um enorme laboratório suspenso, com módulos separados para astrofísica, ciência dos materiais e estudo da Terra. Equipes de astronauras visitavam a estação por períodos de um ano e se tornavam verdadeiros especialistas na vida no espaço.Uma nova era de cooperação espacialAo final de 1991, enquanto a MIR orbitava o planeta, a União Soviética se dissolveu. O programa espacial soviético passou às mãos russas e a falta de dinheiro para mantê-la ameaçava sua existência. Arquivos Russos/BBC
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Logo que os EUA chegaram à Lua, os soviéticos se concentraram em aperfeiçoar os conhecimentos para viver e trabalhar no espaço
Em Washington, o medo era que diversos engenheiros aeroespaciais que ficaram desempregados fossem para o Irã ou para a Coreia do Norte. Por isso, os Estados Unidos propuseram à Rússia que os dois países se unissem na exploração do Universo e, depois de décadas de rivalidade, as duas potências se tornaram "sócias".Era uma relação conveniente para ambos: os americanos se beneficiariam da experiência dos astronautas que haviam passado longas estadias no espaço, e os russos se manteriam na ativa com o dinheiro dos Estados Unidos.Como primeiro passo, astronautas americanos foram viver e trabalhar na MIR. Pouco tempo depois, outras dezenas de representantes de outros países também foram para lá.Estação Espacial Internacional Arquivos Russos/BBC
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Trajes inventados pela URSS inspiraram os de hoje
Quando a MIR foi desintegrada e voltou à Terra em 2001, sua substituta, a Estação Espacial Internacional (EII) já estava sendo colocada em órbita. Era a primeira aventura totalmente internacional no cosmo: 15 agências espaciais colaboravam para construir uma estrutura quatro vezes maior que a MIR."Nós tínhamos um grande conhecimento das grandes estadias no espaço, de como afetavam uma pessoa. Assim, nos unimos ao projeto e compartilhamos tudo o que sabíamos", conta à BBC o astronauta Alexander Lazutkin.Certamente, a EEI é a prova das conquistas do programa espacial da URSS durante 50 anos de exploração do Universo.Seu sistema de suporte vital está baseado no das estações Salyut e MIR. Os trajes que foram utilizados são "feitos na Rússia", versões atualizadas daqueles que Alexei Leonov usour na primeira caminhada espacial da história.E desde 2011, a única maneira de chegar a EEI é por meio de uma cápsula Soyuz montada em um foguete R-7, ambas tecnologias que, ainda que tenham sido modernizadas, têm sua essência mantida nos desenhos de Sergei Korolev há meio século."A URSS perdeu a corrida para chegar à Lua, sim, mas a contínua presença do ser humano em órbita se deve muito à determinação soviética e russa por conquistar o espaço", conclui o historiador americano Gerard de Groot.

http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/bbc/2016/12/26/por-que-a-uniao-sovietica-foi-a-verdadeira-ganhadora-da-corrida-espacial-e-nao-os-eua.htm 

Comentários

  • editado December 2016
    ."Nós tínhamos um grande conhecimento das grandes estadias no espaço, de como afetavam uma pessoa. Assim, nos unimos ao projeto e compartilhamos tudo o que sabíamos", conta à BBC o astronauta Alexander Lazutkin.
    Esse "grande conhecimento" foi  resultado de muitas mortes em experiências fracassadas.

    Aliás, o que significa "ganhar a corrida espacial"? Quem ganhou o quê?
    Como fica a China?
     
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