Ateu Maluco 2B
(continuação de Ateu Maluco 2A)
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D - O carro do seu meio-parente com certeza tem mais espírito, e de melhor qualidade, do que a geladeira dele.
H - Apenas porque a loucura dele é só com o carro?
D - Sim. O motivo e modo como a vontade dele intensificou-se em relação ao carro não é de minha conta, mas, é claro que por isto ele humanizou um pouco o carro, assim como humanizam-se animais domésticos.
H - Mas, o carro fala com ele!...
D - Não que você ouça.
H - Ora, ora: mas o processo cíclico é tão maravilhoso, que se for crescendo, um dia o carro chegará a falar mesmo!...
D - Bem depois que algum animal doméstico, no mundo, comece a falar...
H - Está realmente afirmando para seus leitores religiosos que uma simples ferramenta tem um espírito individual?...
D - Sim, apesar de limitado, como já expliquei, e porque não há mesmo o que possa existir, sem espírito. E acrescento que é exatamente o espírito do criador da ferramenta quem comunica o valor de seu uso com o espírito do usuário, e quem então, intuindo-o e valorizando-o, poderá aceitá-lo e memorizá-lo, assim podendo comunicar-se com ele, seja ao utilizá-lo, ou simplesmente dele lembrando.
H - Quer dizer, então, que eu me comunico espiritualmente com os meus óculos...
D - Com seus óculos: desde a vitrine, compra e uso, cada nova percepção de algum de seus valores foi uma comunicação espiritual e acrescida a ambos. Já os valores anteriormente reconhecidos ficam na memória e apenas superficialmente lembrados por serem comuns, mas também porque a alma caída não tem mesmo capacidade para estar permanentemente consciente de tudo o que já experimentou. Se tivesse esta capacidade, nem precisaria memorizar coisa alguma.
H - E o fato de eu estar lembrando do meu óculos e consciente dele agora mesmo? Como fica?
D - Neste caso, para a comunhão espiritual entre vocês ser nova, vai precisar que a consciência entre vocês também seja nova, ou diferente, tal como uma pessoa procurando conversar com outra especificamente devido a alguma novidade, diferente da relativa invariabilidade anterior.
H - Na prática, como isto ocorre - como sendo agora, durante o tempo em que estou usando e consciente dos meus óculos?
D - Se agora mesmo você notar o que parece ser um risco numa das lentes, e verificar que realmente é um risco, sua vontade aceitará este novo valor, apesar de infeliz, e o qual será adicionado à sua memória, assim como adicionou-se à memória do óculos - a qual já adianto ser principalmente o próprio risco na lente.
H - E o que é esta vontade, que aceita o novo valor?
D - A vontade é a função da alma que aceita, ou admite, algum novo valor intuído do espírito, seja bom ou ruim, sendo que este é normalmente rejeitado, ou classificado como lixo - mas, não indiferente.
H - Ok. E a força de vontade?
D - É o poder de domínio, ou controle, da vontade. É ela que faz um novo valor ser aplicado na prática. Este seu poder, ou força, pode ser relativamente forte ou fraco.
H - Não pode ser neutro - relativamente a valores neutros, ou indiferentes?
D - A razão de os espíritos pessoais terem capacidades diferentes, é que eles ofertam-se à vontade apenas dentro dos limites que ela mesma estabelece serem admissíveis, ou intuíveis, sejam bons ou ruins.
H - Mas e quanto à neutralidade? O que acontece se um valor não for bom, nem ruim?
D - Então a vontade praticamente nem o julgará - não ficará impressionada por ele - assim como não (ou muito pouco) impressiona-se por valores que frequentemente intui, ou reconhece, mas os quais já foram admitidos, identificados e memorizados, isto é, já são conhecidos.
H - Então a vontade anímica não pode nem decidir admitir valores neutros.
D - Seria inútil. Não vejo por que insistir nisto. E a vontade é sempre anímica (da alma); e qualquer valor que julgue ser novo, não lhe será neutro.
H - O espírito não tem vontade? Só a alma? Já que você é espírito, você não tem uma vontade poderosíssima?
D - Não, eu não tenho vontade. Nunca preciso decidir nem querer nada. De seu ponto de vista, deve entender que minhas ações simplesmente acontecem, diretamente da perfeição de minha natureza.
H - Que inveja...
D - Invejar-me é o cerne de todo mal, já primordialmente manifesto em meus primeiros espíritos. Sei que parece um absurdo, mas, a liberdade espiritual é assim.
H - Eu falei de brincadeira - não quis ofender...
D - Nem haveria como ser uma ofensa. E a tentativa estaria mais para um elogio. Garantir a liberdade é só do que faço questão. Comentei sobre ser a origem do mal apenas por saber que é do seu interesse.
H - Entendo... Ou seja, estes espíritos invejosos são os anjos maus, certo?
D - Sim.
H - Então, considerando o que o mal existe abundantemente, podemos concluir que eles conseguiram seu objetivo?
D - Não foi um objetivo. Foi uma atitude. Nenhum ser espiritual tem vontade, ou planeja alguma coisa.
H - Tudo bem. Mas, e por que invejaram você?
D - Não é do meu interesse. Também faço questão de não imiscuir-me na criatividade espiritual, porque significa minha própria liberdade. Assim como com infinitas outras livres atitudes espirituais, que infinitos outros espíritos assumiram, uma delas também foi livremente poder invejar-me. O que lhe importa saber é que estes anjos, em vez de, por exemplo, estabelecerem todo um novo reino inteiramente seu, tão diferente quanto quisessem, livremente preferiram revoltar-se para dominar o meu reino.
H - E aí então...
D - Por minha vez, eu também livremente não permiti. Combati-os e expulsei-os, mas, o que não os fêz desistir - e pelo que sagazmente refugiaram-se nos abismos da criação material original, de onde eu não poderia impedir alçarem-se para atingir minha obra de liberdade suprema - a criação material perfeita: o Éden! E assim terminaram por envenenar pelas raízes a árvore do conhecimento do bem e do mal.
H - Ela precisou de ser envenenada? Mas, já não tinha sido proibida por você?
D - Não, proibi depois.
H - Mas, antes, já não a tinha denominado Árvore do Bem e do Mal?
D - Sim.
H - Então, você previu o que iria acontecer...
D - Espiritualmente ninguém prevê nada. Se não quiser perder tempo, sugiro não tentar aplicar conceitos relativos à sua vivência e consciência de tempo ao plano espiritual. Não lhe fará sentido, de modo algum.
H - Ok, mas, não está faltando a serpente, na historinha?
D - É a sua história. Serpente era o nome do animal mais belo e inteligente do Éden. Ofereci-o a Lúcifer, pois eu sabia que, apesar de também totalmente livre, você naturalmente não me desobedeceria quanto ao fruto mortal, sem que sua pureza jamais fosse tentada a corromper-se.
H - Logo a serpente era o animal mais bonito?...
D - Sim, e ainda caminhava belissimamente. Passou a rastejar-se apenas quando assim a marquei, por meu direito, após ela ser bem sucedida.
H - Mas, também sendo espiritual, como ela poderia ter vontade de corromper Adão e Eva?
D - Ela não era espiritual. O Éden é a criação material originalmente perfeita, exatamente por ser a versão material da perfeição espiritual. Mas, por isto mesmo, também nela, nem a serpente, nem Adão e Eva, nem qualquer outra criatura, tinham vontade de coisa alguma, pois eram todos seres íntegros e plenos em suas naturezas. Não eram almas separadas de seus espíritos e corpos.
H - A serpente era íntegra?...
D - Sim, sendo inteiramente o que é.
H - Certo... Ou errado, não sei... Bem, mas, considerando a vontade como sendo apenas da alma caída, ela deve ter evidentemente um papel central na situação toda...
D - Por favor, sempre que puder, pergunte diretamente. Trata-se de evitar confundir os leitores.
H - Mas, foi praticamente uma pergunta direta...
D - Confundiria um leitor... Pode deixar isto a meu critério.
H - Para quem não prevê o futuro, não ficou muito bem...
D - Se foi uma pergunta, por favor pergunte.
D - Não, não nos desviemos... Mas, então, considerando a vontade como sendo apenas da alma caída, ela tem um papel central na situação toda?...
D - Sim. É exatamente decidindo-se pelo fruto proibido que a alma manifesta-se pela primeira vez - como vontade - destacando-se autonomamente entre o espírito e o corpo, separando-os e passando a ajuizar suas relações, assim centralmente participando do processo.
H - De que maneira ela é central?
D - É ela quem aciona o processo, como sua força motriz, fazendo as correspondências subirem e descerem entre o espírito e o corpo. Você e os leitores devem lembrar que eu disse ser a fé o verbo fundamental da alma humana. Pois este verbo é exatamente a conjugação das duas vias da vontade da alma, arbitrando a intermediação de valores nos dois sentidos.
H - É o livre-arbítrio... Aliás: é o livre arbítrio?
D - Sim.
H - Então, o que é realmente livre é a vontade - não o espírito, ou o corpo... Sim?...
D - Exato. Apenas a vontade é livre para decidir o que quer e o que faz por meio das combinações que determine ou permita acontecer entre o espírito e o corpo - sobretudo decidindo o que seu ser inteiro é, ou passará a ser.
H - Entendi... Mas, de nenhum modo o espírito é livre?
D - Em si mesmo, sim. Em relação a você, não - ficando apenas potencialmente livre, isto é, dependente de sua vontade aceitar a intuição de seus valores intrínsecos e assim liberá-los para atuar, seja sobre ela mesma, assim como sobre o corpo, e por meio dele no ambiente físico.
H - Mas, pelo que entendi, se lá no mundo original era tudo junto, tanto o meu corpo quanto meu espírito também eram totalmente livres, certo?
D - Sim, eram livres em sua triunidade, ou seja, como um composto perfeitamente homogêneo, como que amalgamados. Mas, em suas posteriores individualizações, apenas a alma é livre; ou, a vontade da alma.
H - Por que teve que acabar sendo apenas a vontade da alma, a ficar livre?
D - Já expliquei. Pode ser mais específico?
H - Queremos mais detalhes interessantes sobre o que já explicou, por favor...
D - Você podia comer incólume todos os frutos do Éden, mas, não o fruto proibido, pois este lhe seria mortal. Por isto, como comê-lo iniciaria sua desintegração, ou decomposição, você já a iniciou ao livremente aceitar a tentação da serpente e decidir comê-lo. Portanto, sua vontade surge justamente como uma desobediência moral e mortal, e a qual passou a ser você: a partir de então em estado mortalmente pecaminoso. De modo que, aqui neste mundo caído, só a alma é realmente você. Aqui, você não é um corpo que tem uma alma e um espírito: você é uma alma, que tem um corpo e um espírito. É neste sentido especial que é - você - quem é livre.
H - O meu eu psicológico seria a alma...
D - Sim, exatamente.
H - E não uma função do meu cérebro...
D - De modo algum. O cérebro tem apenas a função de acompanhar fisiologicamente o funcionamento da alma, para dirigir voluntariamente atos corporais, implicando em também participar na automatização de atos repetitivos, tornando-os habituais, e até reflexos, ou instintivos.
H - Se for só porque você afirma...
D - Sim, e também afirmo que a alma não é - consequentemente - nem material e nem espiritual. Assim como cada um dos dois tornaram-se realidades distintas entre si, a alma também tornou-se uma realidade distinta dos dois.
H - Então a alma é livre por ser distinta?
D - Ela é a geradora de sua própria distinção.
H - Então ela é a condição mais poderosa, em tudo o que é distinto?
D - Sim. Por ser a causa da distinção, nem o espírito e nem a matéria têm qualquer poder sobre vontade, nunca. É ela quem tem poder sobre eles, e por isto mesmo sendo a controladora do relacionamento entre ambos, como intermediária. A vontade só pode ser influenciada por si mesma, isto é, por suas próprias deliberações, sejam correntes, ou já firmadas.
H - Acho um contrassenso evidente afirmar que a alma não seja influenciada pelo corpo. O corpo nunca tem influência sobre a alma?
D - Frequentemente tem, mas apenas porque a alma assim já o tinha determinado. E o mesmo quanto ao espírito. Por exemplo, a alma pode ter seguidamente validado o gosto e os efeitos do álcool, de modo que o consequente hábito passou a ter influência sobre si - ou seja, tendo sido por sua própria escolha.
H - Realmente interessante. Bem, e já que a alma é o eu psicológico, qual é a relação entre a alma e a mente?
D - Assim como a vontade emerge da alma, a mente emerge da vontade. Portanto, a mente é anímica, e assim também não pertencendo nem ao espírito e nem ao cérebro. De fato, a mente é o conjunto memorizado e funcional de todas vontades já geradas pela vontade original da alma, desde a queda. Como a vontade foi a primeira a diferenciar-se, foi ela quem causou todas as diferenciações anímicas posteriores, as quais denominamos de mente.
H - Então, o corpo e o espírito não são culpados em nada. A culpa toda é da alma!
D - Basicamente, sim. Mas, o corpo e o espírito são obrigados a sofrer com a alma todas as consequências do pecado original, por serem um mesmo ser, ainda que em estado de decomposição progressiva.
H - Entendo isto em relação ao corpo. Mas, o espírito não é puro e superpoderoso? Como pode sofrer alguma consequência do pecado original?
D - A única consequência que o espírito sofre é a limitação de sua ação, cujo grau de influxo é sempre determinado pela vontade da alma.
H - Então seria assim: a consciência, a memória, o raciocínio, a emoção, etc., todos pertencem à alma, ou seja, são o conjunto das faculdades mentais, e nenhuma delas surge de funções cerebrais... Está certo?
D - Nota máxima. O sistema nervoso pode despertá-las, ou incitá-las, mas, não criá-las, pois todas originam-se e existem apenas animicamente, ou psiquicamente, como exteriorizações da alma, produzidas pela vontade original. De modo que a vontade é superior e anterior a todas as demais faculdades mentais, sendo por isto, também, sua diretora e controladora.
H - A mente são os tentáculos da alma!
D - Você está indo muito bem.
H - Obrigado. Você menciona bastante a memória. Como ela funciona, segundo este seu sistema?
D - O sistema, por decorrência, realmente é meu. Mas, a liberdade para viver nele, ou não, é sua.
H - Ok. Então, agora sobre a memória...
D - Bem, ocorreu que, devido a resolver-se por muitos valores espiritualmente intuídos, logo a vontade não conseguiu mais mantê-los todos mentalmente ativos, e o que foi piorando, devido à sua gradativa deterioração. Para resolver este problema, a vontade inicialmente criou um invólucro mental geral, o qual é a memória total, para em seguida ir nele guardando modelos mentais representativos de todos os valores pelos quais já se resolveu. Esta memória geral contém toda a base do funcionamento mental, exclusive o da vontade original.
H - Como é que, sendo algo mental, ela consegue representar algo que é espiritual?
D - Pelo mesmo natural alinhamento de correspondências. E como os valores são espiritualmente ordenados, a memória assim também ordena seu respectivo conteúdo, num sistema de classificação.
H - Um sistema de classificação puramente mental?
D - Sim.
H - Como isto é estabelecido, mentalmente?
D - Por ter sido reproduzido da vontade original, o invólucro mental da memória total a imita, assim também tendo vontade e reproduzindo-se em invólucros internos, os quais também podem fazer o mesmo, e assim por diante - sempre que algum novo valor relacionado a outro anterior tiver que ser guardado. Sendo mentais, estes invólucros são subsequentemente mais fracos, mas, não significando que sejam geometricamente menores.
H - Poxa, que bacana... Show!
D - Obrigado.
H - Deve ter sido isto o que intuitivamente influenciou Schopenhauer...
D - Acho que não, mas, poderia ser a influência dele que está agora reproduzindo-se, de modo cristão, em sua psicose.
H - Agradeço também... Bem, agora segurem-se aí leitores: onde entra o raciocínio?
D - Normalmente, o raciocínio é a vontade fazendo operações lógicas entre seus conteúdos memorizados, sendo que os procedimentos das operações também são memorizados. Frequentemente ocorrem também operações ilógicas, ou não logicamente reconhecíveis, ou confusas, por de fato serem meras discussões entre vontades conflitantes.
H - Ah, que curioso... Então, as vontades podem discordar, entre si?...
D - Podem e entram em disputas com muita frequência, neste mundo caído.
H - Ok: como tornam-se conflitantes? E pelo que disputam?
D - Geralmente são duas ou mais vontades diferentes, que de passagem coincidem em querer uma mesma coisa, devido a nela encontrarem algum valor que ambas já haviam assumido como necessários, ou escassos, para realizar seus objetivos.
H - Está falando de valores físicos, ou, também mentais?
D - Físicos, mentais e espirituais.
H - Entendo que disputem por um mesmo último cigarro, mas, mental e espiritualmente, como pode ser isto?
D - Não estou me referindo a duas pessoas, mas, a diferentes vontades de uma mesma pessoa. Ocorre que, como estas vontades também são projetos de almas, então também comumente disputam o espaço mental, ou o tempo de consciência de algum valor recobrado da memória. E, por serem naturalmente egoístas, vontades diferentes acham incômodo o compartilhamento de valores.
H - Entendo. Mas, por esta lógica, se as vontades são diferentes, como podem querer um mesmo objetivo?
D - Elas nunca querem um mesmo objetivo final. Porém, para alcançá-los, têm que percorrer e alcançar objetivos intermediários. E são nestes que potencializam-se as eventuais competições.
H - Por que nunca têm o mesmo objetivo final?
D - Como a vontade original da alma foi separar-se, então todas as sua suas reproduções também querem separar-se. Tentam imitar a vontade original, assim procurando ser também originais, e assim afastando-se umas das outras, como em ramificações.
H - Hm, talvez como numa árvore genealógica?...
D - Em parte sim, mas se é o que quer saber, é sua expansão o que começa a fazer suas ramificações entrecruzarem-se, sendo quando suas vias de satisfação disputam iguais objetivos intermediários.
H - Tudo bem, mas, acho que ainda está um pouco vago. Meus leitores gostam de substância...
D - Esta sua insinuação já é uma disputa por minha condescendência no conflito entre sua vontade de ganhar e sua vontade de poupar-se.
H - Sei... Então, nada feito - para nenhuma das duas...
D - Acabei de satisfazer ambas. Querem mais?
H - Queremos...
D - Então façam perguntas sem insinuações.
H - Ok. Digamos, então: você está intencionalmente me tratando como sendo duas pessoas, por serem duas vontades?
D - Apesar de eu não ter intenções - sim, duas ou mais pessoas.
H - Entendi. Então: por que está me tratando como sendo duas ou mais pessoas?
D - Você já respondeu. Mas, acrescento que, em todos os seres humanos, qualquer vontade tende a iniciar uma personalidade diferente, ou uma alma diferente, formando um conjunto que você chama de eu psicológico, mas que mentalmente são de fato vários eus, ou projetos de ego.
H - Por que existe esta tendência?
D - Porque, assim como Eva saiu de Adão, a vontade dele saiu dela, causando a separação que os tornou estranhos, um ao outro. Deixaram de ser uma dupla, para serem dois. E assim, as vontades deles geradas externamente reproduziram novas almas individuais. Entretanto, a proliferação das vontades logo passou a ser maior do que o poder de gestação, de modo que as reproduções passaram a ser internas também.
H - É por isto acontecem os conflitos interiores?
D - Sim, mas, normalmente há uma personalização superior, um eu dominante, que tem mais poder mental que os demais, e os quais, em parte atuam como seus colaboradores, cooperando em sua unificação e poder, mas, em parte também o desafiam.
H - E como uma das vontades, ou personalizações, acaba sendo a dominante?
D - Sugiro que paremos esta nossa conversa aqui. Poderemos continuar o assunto na próxima...
H - Uma interrupção repentina...
D - Sim, se não se importar...
H - Talvez algo a haver com a situação competitiva de nossa conversa...
D - Não sei em que notou alguma competição, mas, não - não há competição, ao menos de minha parte. Trata-se apenas daquela questão do volume do texto...
H - Tudo bem, então... Eu já estava mesmo um pouco cansado. Porém, antes de mais nada, desta vez vai dizer quando continuaremos?
D - Estarei presente no primeiro momento em que considerar-se pronto, ou achar oportuno. Se aceitar, claro.
H - Posso fazer algo para facilitar o contato? Ler a bíblia, rezar o terço…?
D - Basta aceitar me contatar, a qualquer momento que ache conveniente.
H - Tudo bem. Adeus, então…
D - Ah, sim: um abraço…
H - Já foi?
D - (silêncio)
H - Ok, cerveja - urgente!
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Final da Conversa 2
Segue na Conversa 3
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D - O carro do seu meio-parente com certeza tem mais espírito, e de melhor qualidade, do que a geladeira dele.
H - Apenas porque a loucura dele é só com o carro?
D - Sim. O motivo e modo como a vontade dele intensificou-se em relação ao carro não é de minha conta, mas, é claro que por isto ele humanizou um pouco o carro, assim como humanizam-se animais domésticos.
H - Mas, o carro fala com ele!...
D - Não que você ouça.
H - Ora, ora: mas o processo cíclico é tão maravilhoso, que se for crescendo, um dia o carro chegará a falar mesmo!...
D - Bem depois que algum animal doméstico, no mundo, comece a falar...
H - Está realmente afirmando para seus leitores religiosos que uma simples ferramenta tem um espírito individual?...
D - Sim, apesar de limitado, como já expliquei, e porque não há mesmo o que possa existir, sem espírito. E acrescento que é exatamente o espírito do criador da ferramenta quem comunica o valor de seu uso com o espírito do usuário, e quem então, intuindo-o e valorizando-o, poderá aceitá-lo e memorizá-lo, assim podendo comunicar-se com ele, seja ao utilizá-lo, ou simplesmente dele lembrando.
H - Quer dizer, então, que eu me comunico espiritualmente com os meus óculos...
D - Com seus óculos: desde a vitrine, compra e uso, cada nova percepção de algum de seus valores foi uma comunicação espiritual e acrescida a ambos. Já os valores anteriormente reconhecidos ficam na memória e apenas superficialmente lembrados por serem comuns, mas também porque a alma caída não tem mesmo capacidade para estar permanentemente consciente de tudo o que já experimentou. Se tivesse esta capacidade, nem precisaria memorizar coisa alguma.
H - E o fato de eu estar lembrando do meu óculos e consciente dele agora mesmo? Como fica?
D - Neste caso, para a comunhão espiritual entre vocês ser nova, vai precisar que a consciência entre vocês também seja nova, ou diferente, tal como uma pessoa procurando conversar com outra especificamente devido a alguma novidade, diferente da relativa invariabilidade anterior.
H - Na prática, como isto ocorre - como sendo agora, durante o tempo em que estou usando e consciente dos meus óculos?
D - Se agora mesmo você notar o que parece ser um risco numa das lentes, e verificar que realmente é um risco, sua vontade aceitará este novo valor, apesar de infeliz, e o qual será adicionado à sua memória, assim como adicionou-se à memória do óculos - a qual já adianto ser principalmente o próprio risco na lente.
H - E o que é esta vontade, que aceita o novo valor?
D - A vontade é a função da alma que aceita, ou admite, algum novo valor intuído do espírito, seja bom ou ruim, sendo que este é normalmente rejeitado, ou classificado como lixo - mas, não indiferente.
H - Ok. E a força de vontade?
D - É o poder de domínio, ou controle, da vontade. É ela que faz um novo valor ser aplicado na prática. Este seu poder, ou força, pode ser relativamente forte ou fraco.
H - Não pode ser neutro - relativamente a valores neutros, ou indiferentes?
D - A razão de os espíritos pessoais terem capacidades diferentes, é que eles ofertam-se à vontade apenas dentro dos limites que ela mesma estabelece serem admissíveis, ou intuíveis, sejam bons ou ruins.
H - Mas e quanto à neutralidade? O que acontece se um valor não for bom, nem ruim?
D - Então a vontade praticamente nem o julgará - não ficará impressionada por ele - assim como não (ou muito pouco) impressiona-se por valores que frequentemente intui, ou reconhece, mas os quais já foram admitidos, identificados e memorizados, isto é, já são conhecidos.
H - Então a vontade anímica não pode nem decidir admitir valores neutros.
D - Seria inútil. Não vejo por que insistir nisto. E a vontade é sempre anímica (da alma); e qualquer valor que julgue ser novo, não lhe será neutro.
H - O espírito não tem vontade? Só a alma? Já que você é espírito, você não tem uma vontade poderosíssima?
D - Não, eu não tenho vontade. Nunca preciso decidir nem querer nada. De seu ponto de vista, deve entender que minhas ações simplesmente acontecem, diretamente da perfeição de minha natureza.
H - Que inveja...
D - Invejar-me é o cerne de todo mal, já primordialmente manifesto em meus primeiros espíritos. Sei que parece um absurdo, mas, a liberdade espiritual é assim.
H - Eu falei de brincadeira - não quis ofender...
D - Nem haveria como ser uma ofensa. E a tentativa estaria mais para um elogio. Garantir a liberdade é só do que faço questão. Comentei sobre ser a origem do mal apenas por saber que é do seu interesse.
H - Entendo... Ou seja, estes espíritos invejosos são os anjos maus, certo?
D - Sim.
H - Então, considerando o que o mal existe abundantemente, podemos concluir que eles conseguiram seu objetivo?
D - Não foi um objetivo. Foi uma atitude. Nenhum ser espiritual tem vontade, ou planeja alguma coisa.
H - Tudo bem. Mas, e por que invejaram você?
D - Não é do meu interesse. Também faço questão de não imiscuir-me na criatividade espiritual, porque significa minha própria liberdade. Assim como com infinitas outras livres atitudes espirituais, que infinitos outros espíritos assumiram, uma delas também foi livremente poder invejar-me. O que lhe importa saber é que estes anjos, em vez de, por exemplo, estabelecerem todo um novo reino inteiramente seu, tão diferente quanto quisessem, livremente preferiram revoltar-se para dominar o meu reino.
H - E aí então...
D - Por minha vez, eu também livremente não permiti. Combati-os e expulsei-os, mas, o que não os fêz desistir - e pelo que sagazmente refugiaram-se nos abismos da criação material original, de onde eu não poderia impedir alçarem-se para atingir minha obra de liberdade suprema - a criação material perfeita: o Éden! E assim terminaram por envenenar pelas raízes a árvore do conhecimento do bem e do mal.
H - Ela precisou de ser envenenada? Mas, já não tinha sido proibida por você?
D - Não, proibi depois.
H - Mas, antes, já não a tinha denominado Árvore do Bem e do Mal?
D - Sim.
H - Então, você previu o que iria acontecer...
D - Espiritualmente ninguém prevê nada. Se não quiser perder tempo, sugiro não tentar aplicar conceitos relativos à sua vivência e consciência de tempo ao plano espiritual. Não lhe fará sentido, de modo algum.
H - Ok, mas, não está faltando a serpente, na historinha?
D - É a sua história. Serpente era o nome do animal mais belo e inteligente do Éden. Ofereci-o a Lúcifer, pois eu sabia que, apesar de também totalmente livre, você naturalmente não me desobedeceria quanto ao fruto mortal, sem que sua pureza jamais fosse tentada a corromper-se.
H - Logo a serpente era o animal mais bonito?...
D - Sim, e ainda caminhava belissimamente. Passou a rastejar-se apenas quando assim a marquei, por meu direito, após ela ser bem sucedida.
H - Mas, também sendo espiritual, como ela poderia ter vontade de corromper Adão e Eva?
D - Ela não era espiritual. O Éden é a criação material originalmente perfeita, exatamente por ser a versão material da perfeição espiritual. Mas, por isto mesmo, também nela, nem a serpente, nem Adão e Eva, nem qualquer outra criatura, tinham vontade de coisa alguma, pois eram todos seres íntegros e plenos em suas naturezas. Não eram almas separadas de seus espíritos e corpos.
H - A serpente era íntegra?...
D - Sim, sendo inteiramente o que é.
H - Certo... Ou errado, não sei... Bem, mas, considerando a vontade como sendo apenas da alma caída, ela deve ter evidentemente um papel central na situação toda...
D - Por favor, sempre que puder, pergunte diretamente. Trata-se de evitar confundir os leitores.
H - Mas, foi praticamente uma pergunta direta...
D - Confundiria um leitor... Pode deixar isto a meu critério.
H - Para quem não prevê o futuro, não ficou muito bem...
D - Se foi uma pergunta, por favor pergunte.
D - Não, não nos desviemos... Mas, então, considerando a vontade como sendo apenas da alma caída, ela tem um papel central na situação toda?...
D - Sim. É exatamente decidindo-se pelo fruto proibido que a alma manifesta-se pela primeira vez - como vontade - destacando-se autonomamente entre o espírito e o corpo, separando-os e passando a ajuizar suas relações, assim centralmente participando do processo.
H - De que maneira ela é central?
D - É ela quem aciona o processo, como sua força motriz, fazendo as correspondências subirem e descerem entre o espírito e o corpo. Você e os leitores devem lembrar que eu disse ser a fé o verbo fundamental da alma humana. Pois este verbo é exatamente a conjugação das duas vias da vontade da alma, arbitrando a intermediação de valores nos dois sentidos.
H - É o livre-arbítrio... Aliás: é o livre arbítrio?
D - Sim.
H - Então, o que é realmente livre é a vontade - não o espírito, ou o corpo... Sim?...
D - Exato. Apenas a vontade é livre para decidir o que quer e o que faz por meio das combinações que determine ou permita acontecer entre o espírito e o corpo - sobretudo decidindo o que seu ser inteiro é, ou passará a ser.
H - Entendi... Mas, de nenhum modo o espírito é livre?
D - Em si mesmo, sim. Em relação a você, não - ficando apenas potencialmente livre, isto é, dependente de sua vontade aceitar a intuição de seus valores intrínsecos e assim liberá-los para atuar, seja sobre ela mesma, assim como sobre o corpo, e por meio dele no ambiente físico.
H - Mas, pelo que entendi, se lá no mundo original era tudo junto, tanto o meu corpo quanto meu espírito também eram totalmente livres, certo?
D - Sim, eram livres em sua triunidade, ou seja, como um composto perfeitamente homogêneo, como que amalgamados. Mas, em suas posteriores individualizações, apenas a alma é livre; ou, a vontade da alma.
H - Por que teve que acabar sendo apenas a vontade da alma, a ficar livre?
D - Já expliquei. Pode ser mais específico?
H - Queremos mais detalhes interessantes sobre o que já explicou, por favor...
D - Você podia comer incólume todos os frutos do Éden, mas, não o fruto proibido, pois este lhe seria mortal. Por isto, como comê-lo iniciaria sua desintegração, ou decomposição, você já a iniciou ao livremente aceitar a tentação da serpente e decidir comê-lo. Portanto, sua vontade surge justamente como uma desobediência moral e mortal, e a qual passou a ser você: a partir de então em estado mortalmente pecaminoso. De modo que, aqui neste mundo caído, só a alma é realmente você. Aqui, você não é um corpo que tem uma alma e um espírito: você é uma alma, que tem um corpo e um espírito. É neste sentido especial que é - você - quem é livre.
H - O meu eu psicológico seria a alma...
D - Sim, exatamente.
H - E não uma função do meu cérebro...
D - De modo algum. O cérebro tem apenas a função de acompanhar fisiologicamente o funcionamento da alma, para dirigir voluntariamente atos corporais, implicando em também participar na automatização de atos repetitivos, tornando-os habituais, e até reflexos, ou instintivos.
H - Se for só porque você afirma...
D - Sim, e também afirmo que a alma não é - consequentemente - nem material e nem espiritual. Assim como cada um dos dois tornaram-se realidades distintas entre si, a alma também tornou-se uma realidade distinta dos dois.
H - Então a alma é livre por ser distinta?
D - Ela é a geradora de sua própria distinção.
H - Então ela é a condição mais poderosa, em tudo o que é distinto?
D - Sim. Por ser a causa da distinção, nem o espírito e nem a matéria têm qualquer poder sobre vontade, nunca. É ela quem tem poder sobre eles, e por isto mesmo sendo a controladora do relacionamento entre ambos, como intermediária. A vontade só pode ser influenciada por si mesma, isto é, por suas próprias deliberações, sejam correntes, ou já firmadas.
H - Acho um contrassenso evidente afirmar que a alma não seja influenciada pelo corpo. O corpo nunca tem influência sobre a alma?
D - Frequentemente tem, mas apenas porque a alma assim já o tinha determinado. E o mesmo quanto ao espírito. Por exemplo, a alma pode ter seguidamente validado o gosto e os efeitos do álcool, de modo que o consequente hábito passou a ter influência sobre si - ou seja, tendo sido por sua própria escolha.
H - Realmente interessante. Bem, e já que a alma é o eu psicológico, qual é a relação entre a alma e a mente?
D - Assim como a vontade emerge da alma, a mente emerge da vontade. Portanto, a mente é anímica, e assim também não pertencendo nem ao espírito e nem ao cérebro. De fato, a mente é o conjunto memorizado e funcional de todas vontades já geradas pela vontade original da alma, desde a queda. Como a vontade foi a primeira a diferenciar-se, foi ela quem causou todas as diferenciações anímicas posteriores, as quais denominamos de mente.
H - Então, o corpo e o espírito não são culpados em nada. A culpa toda é da alma!
D - Basicamente, sim. Mas, o corpo e o espírito são obrigados a sofrer com a alma todas as consequências do pecado original, por serem um mesmo ser, ainda que em estado de decomposição progressiva.
H - Entendo isto em relação ao corpo. Mas, o espírito não é puro e superpoderoso? Como pode sofrer alguma consequência do pecado original?
D - A única consequência que o espírito sofre é a limitação de sua ação, cujo grau de influxo é sempre determinado pela vontade da alma.
H - Então seria assim: a consciência, a memória, o raciocínio, a emoção, etc., todos pertencem à alma, ou seja, são o conjunto das faculdades mentais, e nenhuma delas surge de funções cerebrais... Está certo?
D - Nota máxima. O sistema nervoso pode despertá-las, ou incitá-las, mas, não criá-las, pois todas originam-se e existem apenas animicamente, ou psiquicamente, como exteriorizações da alma, produzidas pela vontade original. De modo que a vontade é superior e anterior a todas as demais faculdades mentais, sendo por isto, também, sua diretora e controladora.
H - A mente são os tentáculos da alma!
D - Você está indo muito bem.
H - Obrigado. Você menciona bastante a memória. Como ela funciona, segundo este seu sistema?
D - O sistema, por decorrência, realmente é meu. Mas, a liberdade para viver nele, ou não, é sua.
H - Ok. Então, agora sobre a memória...
D - Bem, ocorreu que, devido a resolver-se por muitos valores espiritualmente intuídos, logo a vontade não conseguiu mais mantê-los todos mentalmente ativos, e o que foi piorando, devido à sua gradativa deterioração. Para resolver este problema, a vontade inicialmente criou um invólucro mental geral, o qual é a memória total, para em seguida ir nele guardando modelos mentais representativos de todos os valores pelos quais já se resolveu. Esta memória geral contém toda a base do funcionamento mental, exclusive o da vontade original.
H - Como é que, sendo algo mental, ela consegue representar algo que é espiritual?
D - Pelo mesmo natural alinhamento de correspondências. E como os valores são espiritualmente ordenados, a memória assim também ordena seu respectivo conteúdo, num sistema de classificação.
H - Um sistema de classificação puramente mental?
D - Sim.
H - Como isto é estabelecido, mentalmente?
D - Por ter sido reproduzido da vontade original, o invólucro mental da memória total a imita, assim também tendo vontade e reproduzindo-se em invólucros internos, os quais também podem fazer o mesmo, e assim por diante - sempre que algum novo valor relacionado a outro anterior tiver que ser guardado. Sendo mentais, estes invólucros são subsequentemente mais fracos, mas, não significando que sejam geometricamente menores.
H - Poxa, que bacana... Show!
D - Obrigado.
H - Deve ter sido isto o que intuitivamente influenciou Schopenhauer...
D - Acho que não, mas, poderia ser a influência dele que está agora reproduzindo-se, de modo cristão, em sua psicose.
H - Agradeço também... Bem, agora segurem-se aí leitores: onde entra o raciocínio?
D - Normalmente, o raciocínio é a vontade fazendo operações lógicas entre seus conteúdos memorizados, sendo que os procedimentos das operações também são memorizados. Frequentemente ocorrem também operações ilógicas, ou não logicamente reconhecíveis, ou confusas, por de fato serem meras discussões entre vontades conflitantes.
H - Ah, que curioso... Então, as vontades podem discordar, entre si?...
D - Podem e entram em disputas com muita frequência, neste mundo caído.
H - Ok: como tornam-se conflitantes? E pelo que disputam?
D - Geralmente são duas ou mais vontades diferentes, que de passagem coincidem em querer uma mesma coisa, devido a nela encontrarem algum valor que ambas já haviam assumido como necessários, ou escassos, para realizar seus objetivos.
H - Está falando de valores físicos, ou, também mentais?
D - Físicos, mentais e espirituais.
H - Entendo que disputem por um mesmo último cigarro, mas, mental e espiritualmente, como pode ser isto?
D - Não estou me referindo a duas pessoas, mas, a diferentes vontades de uma mesma pessoa. Ocorre que, como estas vontades também são projetos de almas, então também comumente disputam o espaço mental, ou o tempo de consciência de algum valor recobrado da memória. E, por serem naturalmente egoístas, vontades diferentes acham incômodo o compartilhamento de valores.
H - Entendo. Mas, por esta lógica, se as vontades são diferentes, como podem querer um mesmo objetivo?
D - Elas nunca querem um mesmo objetivo final. Porém, para alcançá-los, têm que percorrer e alcançar objetivos intermediários. E são nestes que potencializam-se as eventuais competições.
H - Por que nunca têm o mesmo objetivo final?
D - Como a vontade original da alma foi separar-se, então todas as sua suas reproduções também querem separar-se. Tentam imitar a vontade original, assim procurando ser também originais, e assim afastando-se umas das outras, como em ramificações.
H - Hm, talvez como numa árvore genealógica?...
D - Em parte sim, mas se é o que quer saber, é sua expansão o que começa a fazer suas ramificações entrecruzarem-se, sendo quando suas vias de satisfação disputam iguais objetivos intermediários.
H - Tudo bem, mas, acho que ainda está um pouco vago. Meus leitores gostam de substância...
D - Esta sua insinuação já é uma disputa por minha condescendência no conflito entre sua vontade de ganhar e sua vontade de poupar-se.
H - Sei... Então, nada feito - para nenhuma das duas...
D - Acabei de satisfazer ambas. Querem mais?
H - Queremos...
D - Então façam perguntas sem insinuações.
H - Ok. Digamos, então: você está intencionalmente me tratando como sendo duas pessoas, por serem duas vontades?
D - Apesar de eu não ter intenções - sim, duas ou mais pessoas.
H - Entendi. Então: por que está me tratando como sendo duas ou mais pessoas?
D - Você já respondeu. Mas, acrescento que, em todos os seres humanos, qualquer vontade tende a iniciar uma personalidade diferente, ou uma alma diferente, formando um conjunto que você chama de eu psicológico, mas que mentalmente são de fato vários eus, ou projetos de ego.
H - Por que existe esta tendência?
D - Porque, assim como Eva saiu de Adão, a vontade dele saiu dela, causando a separação que os tornou estranhos, um ao outro. Deixaram de ser uma dupla, para serem dois. E assim, as vontades deles geradas externamente reproduziram novas almas individuais. Entretanto, a proliferação das vontades logo passou a ser maior do que o poder de gestação, de modo que as reproduções passaram a ser internas também.
H - É por isto acontecem os conflitos interiores?
D - Sim, mas, normalmente há uma personalização superior, um eu dominante, que tem mais poder mental que os demais, e os quais, em parte atuam como seus colaboradores, cooperando em sua unificação e poder, mas, em parte também o desafiam.
H - E como uma das vontades, ou personalizações, acaba sendo a dominante?
D - Sugiro que paremos esta nossa conversa aqui. Poderemos continuar o assunto na próxima...
H - Uma interrupção repentina...
D - Sim, se não se importar...
H - Talvez algo a haver com a situação competitiva de nossa conversa...
D - Não sei em que notou alguma competição, mas, não - não há competição, ao menos de minha parte. Trata-se apenas daquela questão do volume do texto...
H - Tudo bem, então... Eu já estava mesmo um pouco cansado. Porém, antes de mais nada, desta vez vai dizer quando continuaremos?
D - Estarei presente no primeiro momento em que considerar-se pronto, ou achar oportuno. Se aceitar, claro.
H - Posso fazer algo para facilitar o contato? Ler a bíblia, rezar o terço…?
D - Basta aceitar me contatar, a qualquer momento que ache conveniente.
H - Tudo bem. Adeus, então…
D - Ah, sim: um abraço…
H - Já foi?
D - (silêncio)
H - Ok, cerveja - urgente!
* * *
Final da Conversa 2
Segue na Conversa 3
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Comentários
Seja bem vindo.
Este pedido está relacionado com minha solicitação original, a qual está no post "Ateu Maluco :-)" Mas, claro, mesmo sabendo disto, todos são livres para interpretar esta minha reiteração com quiserem.
Mal comparando, seria como debater sobre Iluvatar ou Galactus.
Além do quê, prefiro textos que vão direto ao ponto.
O original é "Kissing Hank's Ass". Postado no fórum da STR em 15/01/2001.
Original em inglês, versão de James Huber
https://www.reddit.com/r/atheism/comments/i9bb7m/kissing_hanks_ass/
Um diálogo presumivelmente com o mesmo teor do meu, a ainda por cima com um personagem, talvez o protagonista, chamado Hugo! Tive até taquicardia...
Para os que não se deram conta, o Fernando_Silva traduziu o diálogo do inglês substituindo Hank por Hugo. Inteligentemente, devo ao menos supor que foi de propósito...
Comentarei ao final. Avalio o texto com nota 9 (por causa do susto). Mas, muito bem concatenado, apesar de ser um diálogo comum, normal, falado, como tantos autores já escreveram.
E acho óbvio que é uma caricatura satírica que seve para criticar qualquer sistema de conduta em que preceitos vinculados a promessas são enganos maliciosos, senão meras bobagens.
E sim, meu trabalho pode ser interpretado com sendo um caso destes. Só que bem mais incrível!
Valeu! Eu não conhecia...
Mas eu teria teria mantido o "kiss Hank's ass", que é mais próximo da relação dos religiosos com seus deuses, em vez de mudar para "votar no Hugo".
E sim, entendi que possa até ter ficado bem indeciso... :-)
Não tinha respondido essa...
O Deus em que você acreditava não era caricato? Depois de uma série de comissões e concílios decidindo que versões em voga eram melhores que as antigas...
Sim, sua preferência faz todo o sentido para mim. Tanto se pode preferir ler ciência, como ler ficcão que pretenda ser baseada na ciência.
Aproveitando o ensejo, se gostou muito do filme The Martian, o livro originário do Andy Weir (totalmente "hard science ficction") é espetacular, muito mais detalhado em tudo. Já li três vezes, kkk.
E minha ficção teológica é "hard" também :-)
Como foi Deus quem concedeu a liberdade, ele ao menos *avisou* que comer o fruto da árvore da ciência seria mortal.
Portanto a liberdade foi manifesta por Deus à sua criatura, que assim por si livremente aceitou comer o fruto.
se desobedecer a deus é um mal ele ja existia dentro de adão antes de ter comido o fruto proibido
e qual seriam o bem e o mal que exite dentro de deus?
E sim, como os animais eram de Adão e Eva, então quando caíram muitos foram com eles, assim como árvores, etc. Alguns (como eu) achamos que até parte do próprio Éden desceu junto.
[/quote]
Um exemplo:
Isaías 34:14 menciona Lilith, uma entidade mitológica babilônica.
Isto incomoda a muitos editores, que a substituem por coruja, vampira, lâmia etc.
A Bíblia do Rei James e a Bíblia de Jerusalém não modificaram o texto, mas, no exemplar mostrado abaixo, dá para ver que o editor trocou Lilith por "lhama" (acho que queria dizer "lâmia"), só que se esqueceu de "corrigir" as notas de rodapé, ficando clara a adulteração ...
Você está culpando Adão e Eva pelo mal que praticaram, mas afirma que esse Mal foi um efeito de terem comido o fruto?!! Que ridículo ...
Mas, fiquei na dúvida: o deus da ICAR ficou caricato na minha ficcão, ou já era caricato quanto você era católico? Pode perguntar para qualquer teólogo. Ele vai dizer que você está enganado e vai lhe dar respostas apologéticas. Só espero que ele não caia *tentação* de lhe dar respostas sem que você tenha perguntado. E essa "correção" escritural foi boa ou ruim para a verdade espiritual da escritura?
que cachorrada é essa aí, inocentes sendo punidos por erros dos ditos "superiores", isto justifica a crença que o homem deve ser punido pelos erros de deus, os filhos pelos erros dos pais até a 4a geração! vixe santa! rogai por nós! os que são punidos pelos erros dos outros!
e quer justificar que toda essa lambança ai seja obra de deus? pode até ser mas ta muito mal contada na biblia!
mal não foi criação humana ele ja estava contido dentro do fruto divino e parece que era intenção de deus que o homem o descobrisse, porque talvez o mal seja necessário a criação!
a cachorrada ainda continua querer comparar um pé com outro ser vivo?
é do mesmo nivel : "se esta mulher não deseja ser minha não será mais de ninguém" matarei por amor!
muito triste! querer punir outros pelos nossos erros!
No fim, o lado racional da minha mente ganhou a briga e eu admiti que, se parece absurdo, é porque é absurdo até prova em contrário. Essa "correção" (leia-se "fraude") mostra apenas que a tal da escritura "inspirada por Deus" pode ser modificada sempre que um trecho nos parecer inconveniente.
Nos mostra que a "Briba" não é um guia espiritual, apenas uma coleção arbitrária de textos que ninguém sabe quem escreveu nem quem selecionou e que foi mil vezes editada ao longo dos milênios. E continua a ser.
Sobre o texto original da Bíblia:
https://fernandosilvamultiply.blogspot.com/2015/07/onde-esta-o-texto-original-da-biblia.html
Ou ainda:
https://fernandosilvamultiply.blogspot.com/2008/06/contradicoes-biblicas.html
Só ele para dar uma resposta tão sem sentido.
Faz sentido para um espírita, mas soa absurdo vindo de um suposto católico.
Você está fazendo menos sentido do que ele!
deus e adão não estavam falando a mesma língua dai o paraíso católico estar parecendo mais a torre de babel
kkkkkkkkkkkkkkkk...ta pegando pesado! heim
Fernandinho!
apesar de tambem ter achado a reposta incoerente o cérebro briga pelo controle do corpo que parece ter vida própria.
Católico que só vai a missa de manhã e deixa rolando a programação da Rede Vida sem prestar atenção no que assiste.