Hidrelétrica inunda cachoeira sagrada, retira urnas indígenas e gera crise espiritual na Amazônia

Hidrelétrica inunda cachoeira sagrada, retira urnas indígenas e gera crise espiritual na Amazônia

A inundação de cachoeiras sagradas, que deram lugar à construção da hidrelétrica de Teles Pires, localizada na divisa entre Pará e Mato Grosso, deu início a uma luta indígena pelo resgate das urnas funerárias que foram retiradas e levadas pelo empreendimento em 2014. Elas representam a vida dos ancestrais da etnia, que classifica o caso como "roubo" --a empresa diz que fez um "resgate" (leia mais abaixo).

As corredeiras Sete Quedas envolvem mais do que um local na Amazônia de guarda de restos mortais ou rituais. "Para o povo munduruku, é um lugar sagrado, onde vive a Mãe dos Peixes, um músico chamado Karupi, o espírito Karubixexé e os espíritos dos antepassados", explica dossiê do Fórum Teles Pires, apresentado em junho, e que analisou o impacto das barragens para os indígenas.

O rio Teles Pires é afluente do rio Tapajós. A usina hidrelétrica Teles Pires foi um empreendimento contemplado no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ela tem potência instalada de 1.820 megawatts --energia suficiente para abastecer uma população de 5 milhões de pessoas.
"Para nós, é como se fizessem uma construção aqui onde estão os nossos cemitérios", compara a antropóloga Fernanda Silva, que integra o fórum e desde 2013 atua na região em projetos de fortalecimento dos direitos indígenas. "A cachoeira era a moradia dos espíritos deles, que é para lá que vão quando morrem. Para eles, é um lugar vivo", afirma.

Silva conta que, desde que o local foi inundado para a obra, houve desorganização da vida na etnia. "Eles sofrem acidentes, isso causa brigas, desentendimentos e doenças, porque os espíritos retornam e incomodam. Eles não separam, como nós, o mudo real do espiritual; é tudo intricado. [A saída] Foi muito nociva para eles", complementa.

Índios querem pedido de desculpas da empresa
As urnas foram retiradas da cachoeira durante os trabalhos arqueológicos da pré-obra. "Nossas urnas foram retiradas, mas nunca fomos ouvidos em nada", diz Kabaiwun Munduruku, uma das lideranças do povo.

Desde que foram levadas, os índios --que sempre se manifestaram contra a obra-- dizem que pediram, sem sucesso, para ter acesso às urnas. Cerca de 200 deles ocuparam o canteiro de obras da usina hidrelétrica de São Manoel, no último dia 15 --a obra está sendo erguida na mesma bacia e faz parte do complexo de quatro hidrelétricas.

Os índios ficaram no local até a madrugada do dia 20, um dia após reunião que contou com empreendedores e o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Franklimberg de Freitas.
A Funai informou, em nota, que a visita foi "satisfatória" e conseguiu, entre os pontos, assegurar aos indígenas uma visita às urnas.

"Fizemos a visita, a cerimônia", diz Kabaiwun, explicando, porém, que só devolver não é suficiente. "A gente está aqui com a expectativa de a empresa vir pedir desculpa dentro do nosso território. A gente vai estar esperando e preparando. Os pajés também vão receber os empreendedores", afirma a líder.

Urnas estão em museu em Mato Grosso
As peças estão, desde o início do mês, em uma sala de reserva técnica do Museu de História Natural, em Alta Floresta (MT). Segundo a hidrelétrica, o local foi destinado "especialmente para sua guarda e acondicionamento".

Depois da visita dos índios, no dia 21, ficou combinada uma futura devolução das peças. Mas o retorno não será tão simples porque o local sagrado foi destruído.

"A gente sabe que, de onde foi retirado, já foi tudo para o fundo. Essa é uma decisão [do novo local] dos pajés. Só com uma decisão deles é que podemos fazer isso. Nenhuma mulher ou cacique pode decidir", explica Kabaiwun.
Após deixaram o museu, os pajés divulgaram carta em que relatam terem ouvido dos antepassados uma cobrança "porque suas moradias não existem mais". "As urnas devem ser devolvidas e não ficar com Pariwat [homem branco]. Nós vamos escolher um novo local para eles", diz.

No texto, os pajés dizem ainda que os ancestrais estavam divididos entre a alegria de rever os índios e a tristeza com a retirada forçada da cachoeira. "Os espíritos, que estão vivos, ficaram felizes com a nossa visita, [mas] eles estavam chorando e com fome, e nós oferecemos as bebidas para eles e sentimos a presença deles", pontua.

Segundo a antropóloga Fernanda Silva, há registros de indígenas na região em períodos ancestrais. "Não tem datação exata porque não há como especificar. Mas se sabe que a região tem indígenas há séculos. Os mundurukus estão aqui há mais de 200 anos", explica.

Hoje, segundo ela, existem cerca de 15 mil índios em 138 aldeias espalhadas por Mato Grosso, Pará e Amazonas. Por conta de estarem espalhados pela Amazônia, ela prevê consultas das aldeias aos pajés (que são orientadores espirituais dos índios) para definição do local onde irá as urnas. "É uma logística bastante complexa e é algo tão importante para eles que se reúnem em uma grande assembleia", explica.

Hidrelétrica diz que preservará peças até definição de destino
A Hidrelétrica de São Manoel informou que as urnas estariam em posse da usina de Teles Pires e que ela é que deveria se pronunciar sobre o caso.

Já a Companhia Hidrelétrica Teles Pires informou ao UOL que trata a retirada das peças como "resgate" e que os "12 vasilhames cerâmicos" foram "catalogados pela empresa Documento Cultural, responsável pelos estudos".

Ainda segundo a empresa, o procedimento de guarda foi feito após orientações do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e do MPF (Ministério Público Federal).

A hidrelétrica ainda disse que, desde "o resgate e a catalogação, sempre manteve o material sob sua guarda em Alta Floresta, em ambiente devidamente climatizado e com umidade monitorada". "Desse modo, até que o povo munduruku aponte o local adequado à destinação final das peças, com a concordância e anuência da Funai e do Iphan, a companhia garante a guarda e preservação dos vasilhames."

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/28/hidreletrica-inunda-cachoeiras-retira-urnas-funerarias-de-indios-e-gera-crise-espiritual-na-amazonia.amp.htm

Comentários

  • Suponho que o Bolsonaro e ruralistas talvez dissessem:
    _ Oh! Vocês perderam sua cachoeira sagrada? Façam o seguinte: chamem o seu pajé e mande ele conversar com o Tupã e escolher um novo local sagrado. Assim nós ficamos felizes e vocês também.
  • Belo Monte desalojou um monte de nativos, destruiu a natureza e teve problemas trabalhistas e greves, mas, como era coisa do PT, ninguém falou nada.
  • O PT fez alianças espúrias com o zempreiteiros, com o zespeculadores, com o zempresários, com o zinvestidores, com o zoligarcas, fez justiça social dando bilhões para os campeões nacionais que não vencerem nem um joguinho de bolinha de gude e deu uma merreca para os pobres na forma de Bolsa Família e os petistas também não falam nada. Quando se fala em autocrítica, é de uma vacuidade total, pois uma autocrítica de verdade teria de ser como coloquei acima: fodemos o Brasil e seu povo pois fizemos alianças com a bandidagem política em nome da governabilidade.

    Ah! Seu Mulla... Sabe que um dia gostei de você, quando se candidatou a governador pela primeira vez e foi questionado sobre "não estar preparado para governar" e respondeu bem dizendo que:
    _ Se estar preparado para governar significa roubar do erário, nomear apaniguados, cobrar propinas para facilitar contratos, etc e tal, então sim dou toda razão: realmente não estou preparado para governar.
    É... Mas em 2002 vimos que se preparou muito bem para isso. Para infelicidade nossa e do país.
  • Sei lá...
    Não vai ser o Índio Velho aqui que vai ficar do lado errado, mas toda vez que vejo homem branco como porta voz das agruras dos Índios já pergunto quais são os interesses dos brancos na questão.
    Geralmente os brancos porta vozes do sofrimento indígena estão mais interessados em alguma coisa do que os mundurukus estariam nas tais urnas.
  • Geralmente os brancos porta vozes do sofrimento indígena estão mais interessados em alguma coisa do que os mundurukus estariam nas tais urnas.

    Pense o pior das pessoas e acerte na maioria das vezes, triste. :(
  • Geralmente os brancos porta vozes do sofrimento indígena estão mais interessados em alguma coisa do que os mundurukus estariam nas tais urnas.

    Quem mais entende as mulheres não são a valorosas feministas e sim os homens macho mesmo. E o motivo é óbvio: eles GOSTAM das mulheres. Agora quanto aos índios terra brasileira afora... Quantos indígenas falam por si mesmos? Quantos pensam em sim e em sua gente como índios? Farão eles algum número em contrapartida aos índios ou supostos índios cujas cabeças já foram feitas pela zelites intelectuais de esquerda? Lá no caso da Lagoa do Sol todos os índios queriam viver no e do mato ou tinha índio querendo também plantar arroz? Quando índio fica doente, chama o pajé que receita um chá de dois calangos ou quer um posto de saúde com remédios feitos por farmacêuticos brancos? Que será que é melhor pro índio? Plantar, adubar e colher numa mesma terra sempre ou ficar derrubando floresta para novas plantações depois que a terra anterior se esgotou? E tem agora até a agricultura sintrópica, onde o agricultor PLANTA floresta e as coisas no meio dela e pouco precisa acrescentar de adubo ou defensivos. Alguém ensinou isso aos índios ou a única coisa que aprenderam dos chamados intelectuais é que Marx foi um santo e o missionário diz que há três Deuses fazendo o papel de um?
    Que diz você, Índio Velho.
  • Botânico disse:
    Geralmente os brancos porta vozes do sofrimento indígena estão mais interessados em alguma coisa do que os mundurukus estariam nas tais urnas.
    Que diz você, Índio Velho.

    Entre uma hidrelétrica e as tais urnas dos Índios, ficamos com a Hidrelétrica.
    Duvido que os mundurukus vão ficar irremediavelmente traumatizados se lhe oferecerem em troca terras maiores e melhores em outro lugar onde podem assentar suas urnas em condições melhores.
    Esta coisa de Índio apegado a terra sagrada é coisa de filme americano.
     
  • Só um adendo: não é só dar MAIS terras e sim mostrar como é que se aproveita melhor uma terra, como se cria galinhas, peixes e cabras. Diz a lenda que já lá nos tempos dos bandeirantes canalhas de sempre, os índios já sentiam inveja de ver os tais brancos tendo bichos às sua volta e sem precisar gastar energia para correr atrás para caçá-los.
  • Botânico disse: Só um adendo: não é só dar MAIS terras e sim mostrar como é que se aproveita melhor uma terra, como se cria galinhas, peixes e cabras. Diz a lenda que já lá nos tempos dos bandeirantes canalhas de sempre, os índios já sentiam inveja de ver os tais brancos tendo bichos às sua volta e sem precisar gastar energia para correr atrás para caçá-los.

    Correto.
    E obviamente, assim que viram que a vida dos brancos era menos sofrida que a deles, começaram a copiar aspectos daquele modo de vida.
    Como os índios da América do Norte, que assim que conheceram o cavalo trazido pelos colonizadores logo introduziram a montaria ao seus hábitos e revolucionaram seu modo de vida.
    É bobagem completa esta ideia de "preservar a cultura" quanto aos aspectos desta cultura que são determinado única e exclusivamente pela escassez.  
    Descobertos modos de vencer a escassez, a cultura a ela associada que se dane junto.
  •  
     
     
    Acauan disse:
    Botânico disse: Só um adendo: não é só dar MAIS terras e sim mostrar como é que se aproveita melhor uma terra, como se cria galinhas, peixes e cabras. Diz a lenda que já lá nos tempos dos bandeirantes canalhas de sempre, os índios já sentiam inveja de ver os tais brancos tendo bichos às sua volta e sem precisar gastar energia para correr atrás para caçá-los.

    Correto.
    E obviamente, assim que viram que a vida dos brancos era menos sofrida que a deles, começaram a copiar aspectos daquele modo de vida.
    Como os índios da América do Norte, que assim que conheceram o cavalo trazido pelos colonizadores logo introduziram a montaria ao seus hábitos e revolucionaram seu modo de vida.
    É bobagem completa esta ideia de "preservar a cultura" quanto aos aspectos desta cultura que são determinado única e exclusivamente pela escassez.  
    Descobertos modos de vencer a escassez, a cultura a ela associada que se dane junto.

    - O livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” dizia mais ou menos isso, os índios não eram apegados à terra como romantizam, eram basicamente caçadores e coletores nômades, mas quando plantavam, o faziam de forma ostensiva até exaurir o solo, então simplesmente partiam pra outro local sem nem olhar pra trás, não havia nada de ecológico em seu modo de vida, muito pelo contrário, os portugueses lhes ensinaram técnicas para preservar o solo e a caça e também ensinaram a domesticação de animais e o uso de cães na caça, e assim conseguirem se fixar, mas, mesmo assim, eles preferiam viver confortavelmente nas vilas e cidades fundadas pelos portugueses que nas aldeias.

    - Nosso imaginário sobre os índios é uma construção midiática, desde o movimento romântico até hoje, pra mim foi uma experiência chocante desmistificar tudo isso, quase como deixar de crer em deus.
     
    Abraços,
     
  • Os povos primitivos só não causam mais estragos ao meio ambiente porque são populações pequenas e com capacidade destrutiva limitada.

    Mesmo assim, na América Central antes da chegada do homem branco, civilizações inteiras desapareceram depois de destruir todas as florestas e os rios secarem. Acredita-se que foi o mesmo problema da Ilha de Páscoa.
  • Nunca li nenhum livro do período Romantismo. Disse-me a professora de Português que na Europa houve uma romantização do passado e aí então surgiram aquelas histórias românticas da Idade Média, que em nada refletiam o que ela foi de verdade. Eram só histórias românticas mesmo.
    Como no Brasil não tivemos Idade Média, então nosso passado lindo, maravilhoso e paradisíaco foi construído em cima dos "índios". Índios entre aspas pois não passavam de brancos fantasiando-se de índios.
    Um professor de Português do Etapa falou o seguinte sobre o Romantismo brasileiro:
    _ Só há duas obras do Romantismo que valem a pena: Senhora e O Guarani. O resto é LIXO! A Moreninha, por exemplo, se queimarem os manuscritos e todas as edições que foram feitas, a Literatura Brasileira nada perderá, pelo contrário: vai sair ganhando, pois ao menos não produziu uma baita besteira.

    Hoje estamos voltando aos tempos do Romantismo no que há de pior: as tais "Ciências" Humanas. Os filósofos brancos estão se fantasiando de índios e criando no seu romantismo "científico" aquilo que acham que os índios querem (ou fazem os coitados crerem que é isso que querem).
  • Quando estavam dando um destino para o gigantesco terreno onde a Ford se instalaria no RS, encontraram uns cacos de barro e determinaram que a area seria tombada como sitio arqueiologico dos indios guarani.

     
  • Para interromper a construção de uma usina, precisa encontrar algo como Tenochtitlan ou, ao menos, Machu Picchu.
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