A mentira de que "as teorias acadêmicas originaram e desenvolveram a tecnologia"
O título do tópico é mais para chamar a atenção. Antes que tentem me corrigir, digo logo não estou dizendo que as teorias científicas nunca contribuem para a tecnologia nova. Minha assertiva diz respeito apenas ao grau de protagonismo atribuído a elas. Querem uma evidência? James Le Fanu diz em The Rise and Fall of Modern Medicine:
“Talvez seja compreensível que os médicos e cientistas queiram assumir o crédito pela ascensão da medicina moderna, sem admitir, ou, até mesmo, reconhecer, os mistérios da natureza, que desempenharam um papel tão importante. Não é de admirar que eles tenham passado a acreditar que sua contribuição intelectual foi ainda maior do que realmente foi, e que compreendessem mais do que compreendiam. Eles foram incapazes de reconhecer a natureza predominantemente empírica da inovação tecnológica e dos medicamentos, que possibilitou avanços espetaculares no tratamento de doenças, sem exigir qualquer compreensão profunda de suas causas ou de sua história natural.”
O que foi dito acima é que a fenomenologia - o estudo de regularidades empíricas sem grandes pretensões teóricas, de forma parecida como faziam os grandes médicos da Grécia Antiga - teve seu crédito indevidamente roubado pelas teorias científicas, já que fizeram as últimas parecerem mais heroínas do que realmente foram. E já existiram erros em se rejeitar a fenomenologia baseada em evidências. Considere o caso de que, bem antes de sabermos a respeito de bactérias e do papel delas nas doenças, os médicos rejeitaram a prática de lavar as mãos porque elas não faziam sentido para eles, apesar da evidência de uma diminuição significativa das mortes em hospitais.
Além da fenomenologia, a técnica se beneficia das heurísticas. Dados os limites da memória de trabalho, os humanos precisam de atalhos mentais para solucionar problemas.
O psicólogo cognitivo Robert Sternberg explica esse conceito melhor do que eu na 5ª edição de sua obra Psicologia Cognitiva:
"Esses atalhos mentais se chamam heurísticas, estratégias informais, intuitivas, especulativas que conduzem, algumas vezes, a uma solução eficaz, e outras vezes não".
Existe uma farta literatura sobre a eficácia das heurísticas nas tomadas de decisões que mostram que elas são meios extraordinariamente simples de chegar a conclusões fundamentadas, com as simples, em muitos casos, produzindo melhores decisões que as complicadas. Boa parte dessa pesquisa foi liderada pelo psicólogo cognitivo Gerd Gigerenzer.
Isto é, tanto a fenomenologia quanto as heurísticas contribuem grandemente para o "saber como", também chamado de "conhecimento tácito". O "saber que", conhecimento declarativo (o que incluem as teorias científicas), nem sempre está disponível suficientemente para resolver problemas que afetam a sobrevivência. É por isso que se diz que ciência e técnica são conceitos distintos.
No livro Antifrágil de Nassim Nicholas Taleb (Best Business, 2014, p.280) existe uma tabela que traz exemplo de atribuições errôneas dos resultados em livros didáticos. O interessante nela é que é possível ver também o sobrenome dos intelectuais que desmascaram tais atribuições, o que permite mais informações para aqueles que quiserem se aprofundar no assunto...
Origem e desenvolvimento conforme noticiados por aqueles que fazem palestras para pássaros
Motor a jato:
Físicos (derrotados por Scracton)
Arquitetura:
Geometria euclidiana, matemática (derrotados por Beaujouan)
Cibernética:
Norbert Wiener (derrotados por Mindell)
Fórmulas derivadas:
Black, Scholes e o fragilista Merton (derrotados por Taleb e Haug)
Medicina:
Compreensão biológica (derrotada por uma infinidade de médicos)
Revolução Industrial:
Crescimento do conhecimento, Revolução Científica (derrotada por Kealey)
Tecnologia:
Ciência formal.
Origem e desenvolvimentos reais
Motor a jato:
Engenheiros que promovem ajuste sem compreender "por que isso funciona"
Arquitetura:
Heurística e receitas secretas (associações)
Cibernética:
Programadores ao "estilo Wiki"
Fórmulas derivadas:
Operadores e profissionais com experiência prática, Regnauld, Bachelier, Thorp.
Medicina:
Sorte, tentativa e erro, efeitos colaterais de outros medicamentos, ou, às vezes, intoxicação (gás mostarda).
Revolução Industrial:
Aventureiros, amadores.
Tecnologia:
Tecnologia, negócios
Isso, a verdadeira história de uma tecnologia, muitas vezes, pode ser resumido assim (p.255):
"Ajustes aleatórios (antifrágeis) ---> Heurística (tecnologia) ----> Prática e aprendizagem ----> Ajustes aleatórios (antifrágeis) ----> Heurística (tecnologia) > Prática e aprendizagem"
E vocês? O que acham da ideia da negação de que o mundo acadêmico e a ciência formal, de forma protagonista, originam e desenvolvem a tecnologia?
“Talvez seja compreensível que os médicos e cientistas queiram assumir o crédito pela ascensão da medicina moderna, sem admitir, ou, até mesmo, reconhecer, os mistérios da natureza, que desempenharam um papel tão importante. Não é de admirar que eles tenham passado a acreditar que sua contribuição intelectual foi ainda maior do que realmente foi, e que compreendessem mais do que compreendiam. Eles foram incapazes de reconhecer a natureza predominantemente empírica da inovação tecnológica e dos medicamentos, que possibilitou avanços espetaculares no tratamento de doenças, sem exigir qualquer compreensão profunda de suas causas ou de sua história natural.”
O que foi dito acima é que a fenomenologia - o estudo de regularidades empíricas sem grandes pretensões teóricas, de forma parecida como faziam os grandes médicos da Grécia Antiga - teve seu crédito indevidamente roubado pelas teorias científicas, já que fizeram as últimas parecerem mais heroínas do que realmente foram. E já existiram erros em se rejeitar a fenomenologia baseada em evidências. Considere o caso de que, bem antes de sabermos a respeito de bactérias e do papel delas nas doenças, os médicos rejeitaram a prática de lavar as mãos porque elas não faziam sentido para eles, apesar da evidência de uma diminuição significativa das mortes em hospitais.
Além da fenomenologia, a técnica se beneficia das heurísticas. Dados os limites da memória de trabalho, os humanos precisam de atalhos mentais para solucionar problemas.
O psicólogo cognitivo Robert Sternberg explica esse conceito melhor do que eu na 5ª edição de sua obra Psicologia Cognitiva:
"Esses atalhos mentais se chamam heurísticas, estratégias informais, intuitivas, especulativas que conduzem, algumas vezes, a uma solução eficaz, e outras vezes não".
Existe uma farta literatura sobre a eficácia das heurísticas nas tomadas de decisões que mostram que elas são meios extraordinariamente simples de chegar a conclusões fundamentadas, com as simples, em muitos casos, produzindo melhores decisões que as complicadas. Boa parte dessa pesquisa foi liderada pelo psicólogo cognitivo Gerd Gigerenzer.
Isto é, tanto a fenomenologia quanto as heurísticas contribuem grandemente para o "saber como", também chamado de "conhecimento tácito". O "saber que", conhecimento declarativo (o que incluem as teorias científicas), nem sempre está disponível suficientemente para resolver problemas que afetam a sobrevivência. É por isso que se diz que ciência e técnica são conceitos distintos.
No livro Antifrágil de Nassim Nicholas Taleb (Best Business, 2014, p.280) existe uma tabela que traz exemplo de atribuições errôneas dos resultados em livros didáticos. O interessante nela é que é possível ver também o sobrenome dos intelectuais que desmascaram tais atribuições, o que permite mais informações para aqueles que quiserem se aprofundar no assunto...
Origem e desenvolvimento conforme noticiados por aqueles que fazem palestras para pássaros
Motor a jato:
Físicos (derrotados por Scracton)
Arquitetura:
Geometria euclidiana, matemática (derrotados por Beaujouan)
Cibernética:
Norbert Wiener (derrotados por Mindell)
Fórmulas derivadas:
Black, Scholes e o fragilista Merton (derrotados por Taleb e Haug)
Medicina:
Compreensão biológica (derrotada por uma infinidade de médicos)
Revolução Industrial:
Crescimento do conhecimento, Revolução Científica (derrotada por Kealey)
Tecnologia:
Ciência formal.
Origem e desenvolvimentos reais
Motor a jato:
Engenheiros que promovem ajuste sem compreender "por que isso funciona"
Arquitetura:
Heurística e receitas secretas (associações)
Cibernética:
Programadores ao "estilo Wiki"
Fórmulas derivadas:
Operadores e profissionais com experiência prática, Regnauld, Bachelier, Thorp.
Medicina:
Sorte, tentativa e erro, efeitos colaterais de outros medicamentos, ou, às vezes, intoxicação (gás mostarda).
Revolução Industrial:
Aventureiros, amadores.
Tecnologia:
Tecnologia, negócios
Isso, a verdadeira história de uma tecnologia, muitas vezes, pode ser resumido assim (p.255):
"Ajustes aleatórios (antifrágeis) ---> Heurística (tecnologia) ----> Prática e aprendizagem ----> Ajustes aleatórios (antifrágeis) ----> Heurística (tecnologia) > Prática e aprendizagem"
E vocês? O que acham da ideia da negação de que o mundo acadêmico e a ciência formal, de forma protagonista, originam e desenvolvem a tecnologia?
Entre ou Registre-se para fazer um comentário.
Comentários
Suas descobertas são apenas curiosidades que podem ficar sem aplicação durante muito tempo até que alguém com um problema encontra nelas a solução.
O diodo, por exemplo, que é um componente eletrônico básico, foi descoberto no século 19, tanto na versão 'estado sólido' como na versão válvula a vácuo. Só veio a ter aplicação prática no século XX.
Segundo ele, mesmo nesses casos, apesar de a ciência acadêmica ter tido alguma utilidade nesse percurso (já que muitas dessas tecnologias dependem da ciência na maior parte dos aspectos), ela em nenhum momento contribuiu para definir a direção. Em cada passo relevante, a ciência serviu apenas para descobertas causais em ambientes opacos, com praticamente nenhum ocupante.
Exemplos? As aplicações do computador de tempos antigos só estavam suficientemente difundidas no gerenciamento de banco de dados, sendo boas, apenas, para processar grande quantidade de informações. Aí veio o processamento de texto, e o computador decolou por conta dessa adaptação, particularmente com o microcomputador. E aí, depois disso, veio a internet. Ela foi concebida para que os EUA sobrevivessem à um ataque militar generalizado como um resistente dispositivo de rede de comunicação militar. Mas, depois com a soma do PC e da internet, chegamos a invenção das redes sociais.
Voltando ao caso do laser, uma das aplicações iniciais do laser estava a sutura cirúrgica das retinas descoladas. Mas quando a The Economist perguntou a Charles Townes, inventor do laser, se ele tinha isso em mente, a resposta dele foi que estava satisfazendo o desejo de dividir raios de luz, e só. Mas, depois disso, vieram aplicações em CDs, correções de visão, microcirurgia, etc.
Além da questão de a ciência formal normalmente estar ausente na definição da direção, existem casos em que os cientistas receberam créditos que o levaram a fama paradoxal de "ornitólogos que ensinaram os pássaros a voar". O caso do motor a jato citado em Antifrágil (p.284) é descrito assim:
Vejam que, no caso acima, apesar do conhecimento dos físicos acerca da natureza já estava bem avançado (o motor a jato foi inventado em 1937), a inovação tecnológica foi uma realização de "tecnólogos construindo tecnologia" ou da "ciência amadora".
Claro, alguém vai mencionar que, em física pura, teorias são utilizadas para gerar teorias com alguma validação empírica. Tomar por base derivações teóricas levou à descoberta do Bóson de Higgs. Relatividade de Einstein e derivação da existência do planeta Netuno também entram nessa categoria. Mas isso só acontece abundantemente em física e em campos de conhecimento que se chamam de "lineares".
Todavia, em "campos não-lineares", que lidam com sistemas dinâmicos complexos (o que inclui a engenharia da tecnologia de ponta), o objeto de estudo é uma espécie de caixa preta. Veja o caso da medicina, por exemplo. Para ela, serve a fenomenologia, o método baseado em evidências, apoiado menos em teorias biológicas e mais na catalogação de regularidades empíricas. Métodos mais simples para prognóstico e inferência podem funcionar melhor do que os complexos. As pessoas querem “mais informações” para resolver problemas. Todavia, mais informações podem incluir epifenômenos que se possa imaginar como causas: análise complexa de causas em sistemas dinâmicos complexos é altamente frágil e sujeita a erros, essa é uma das coisas mais importantes que Taleb tentou demonstrar nos seus livros sobre incerteza mais recentes. Por exemplo, por muito tempo não se soube porque restrição de carboidratos ajuda na redução de massa gorda. Hoje, sabemos que é devido a melhora na sensibilidade à insulina (esse é tido como um hormônio fertilizante de gordura), mas não saber disso não impedia que alguém se beneficiasse da dieta muito antes da derivação teórica mencionada. E isso também não impede que, no futuro, apareça outra teoria que explique melhor o fenômeno da remoção da adiposidade excessiva. Eis então a explicação de que as teorias científicas em campos não-lineares são frágeis, elas mudam de tempos em tempos, mas as catalogações das regularidades empíricas são robustas quanto ao teste do tempo.
1. Para investigar fenômenos estranhos, sem um objetivo prático, apenas por curiosidade científica.
2. Para descobrir como e porque coisas que as pessoas usam no dia-a-dia funcionam.
3. Para desenvolver ou aperfeiçoar tecnologias já com um objetivo bem definido em vista.
Muito bom... Isso mesmo...
hahahahahaha
Estou rindo, pois assim como vc apontou...
Só temos os sistemas não lineares como base de todas as inferências nos organismos vivos.
Por isso muitas vezes as pesquisas são melhor viabilizadas (fundamentadas) seguindo a base fenomenológica de uma proposta, que acaba normalmente seguindo o método indireto...rs
Eu mesma estou atravessando essa inferência na minha pesquisa... rs
A academia realmente engessa bastante... As mentes de muitos especialistas fica cristalizada,, criando certos tabus..
Assim... Processos gerados no cérebro... Pertencem somente ao cérebro (é o estabelecido)...
Se bobear te olham como se vc estivesse falando em aramaico arcaico..rs
Bem complicado explicar que nem sempre funciona assim. Existem outras inferências que causam uma flutuação no sistema, fazendo com isso um remanejamento de certos processos, que levam ao agravamento de quadros patológicos. Quadros esses que poderiam até mesmo serem revertidos.
[fraternos]