A Armadilha Criacionista (meu primeiro texto no RéV)
A Armadilha Criacionista
Publicado originalmente em 28/11/2002 18:15:24
Aceitar que exista uma polêmica “Criacionismo X Evolucionismo” é de imediato muito favorável ao primeiro e prejudicial ao segundo, pois nivela ambas as teses dentro do status de teorias científicas antagônicas e coloca os defensores tanto de uma quanto de outra na confortável posição para os “criacionistas” de participantes de um debate científico.
Da mesma forma, ao aceitar a classificação de “Evolucionista” o cientista desavisado se deixa marcar por um sufixo que define partidarismo e parcialidade, perdendo assim a aura de isenção que caracteriza o exercício da investigação científica.
Não existe um debate científico entre “Criacionismo e Evolucionismo” e sim um debate de idéias entre os defensores de uma doutrina religiosa e os de uma teoria científica.
O que os fundamentalistas cristãos chamam de “Criacionismo” não pode ser aceito como Teoria Científica simplesmente porque coloca o carro a frente dos bois no que concerne à esta definição:
Uma teoria científica parte de uma hipótese, identifica evidências que a sustentem e só então declara uma conclusão. Para que esta conclusão seja aceita pela comunidade científica, ela deve ser passível de comprovação experimental reprodutível.
Uma Doutrina Religiosa como o Criacionismo segue o caminho inverso: A conclusão já está a priori definida e é incontestável antes de qualquer evidência ter sido levantada, cabendo à evidência apenas o papel de sustentar a argumentação futura e não a de comprovar a confiabilidade da tese presente.
Além disto boa parte da argumentação “Criacionista” é de contestação e não de estabelecimento de conceitos, uma vez que os argumentos sempre se infiltram nas lacunas das Teorias de Darwin.
Esta infiltração seria menos eficaz se os cientistas tivessem uma posição mais honesta com relação às lacunas citadas. Elas em nada comprometem a Teoria da Evolução em si, apenas atestam que ela precisa ser mais trabalhada, mesmo porque as comprovações experimentais da Seleção Natural exigem a reconstituição de fenômenos que ocorreram ao longo de milhões de anos, não sendo passíveis de reprodução em laboratório pelos nossos recursos atuais.
Um exemplo comparativo interessante é o desenvolvimento da Teoria Heliocêntrica:
Em 1510 Copérnico declara que a Terra gira em torno do Sol, rompendo com a doutrina da Igreja Católica Romana que defendia o Geocentrismo Aristotélico.
Copérnico acreditava que a Terra e os demais planetas descreviam órbitas circulares em torno do Sol, o que criava um problema pois a observação dos planetas não coincidia com as previsões fundamentadas em sua teoria.
Entre 1609 e 1619 Johanes Kepler defendeu a tese de que os planetas, inclusive a Terra, descreviam órbitas elípticas e não circulares em torno do Sol. Com este ajuste o comportamento observado daqueles corpos celestes passou a coincidir com as previsões teóricas, mas não se estabeleceu então uma justificativa matemática para tal comportamento.
Somente em 1689, com a publicação de “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” é que Sir. Isaac Newton demonstrou matematicamente como a gravitação do Sol atraía os planetas e produzia as órbitas elípticas descritas por Kepler.
Assim, temos um hiato de quase cento e oitenta anos entre a primeira versão da Teoria Heliocêntrica e sua consagração com os postulados de Newton.
A “Origem das Espécies” de Charles Darwin foi publicado em 1859 e tem portanto menos de cento e cinquenta anos. Talvez explicar a vida seja mais demorado do que explicar os astros, mas o equivalente criacionista às lacunas da Teoria de Copérnico resultaria no restabelecimento da crença de que era o Sol que girava em torno da Terra, e isto convenhamos, é um assunto encerrado.
No momento devido, a Ciência preencherá as lacunas de Darwin e muitas outras, e encerrará todas as polêmicas associadas a elas. Mas até lá deve estar atenta às armadilhas que encontrará pelo caminho.
Publicado originalmente em 28/11/2002 18:15:24
Aceitar que exista uma polêmica “Criacionismo X Evolucionismo” é de imediato muito favorável ao primeiro e prejudicial ao segundo, pois nivela ambas as teses dentro do status de teorias científicas antagônicas e coloca os defensores tanto de uma quanto de outra na confortável posição para os “criacionistas” de participantes de um debate científico.
Da mesma forma, ao aceitar a classificação de “Evolucionista” o cientista desavisado se deixa marcar por um sufixo que define partidarismo e parcialidade, perdendo assim a aura de isenção que caracteriza o exercício da investigação científica.
Não existe um debate científico entre “Criacionismo e Evolucionismo” e sim um debate de idéias entre os defensores de uma doutrina religiosa e os de uma teoria científica.
O que os fundamentalistas cristãos chamam de “Criacionismo” não pode ser aceito como Teoria Científica simplesmente porque coloca o carro a frente dos bois no que concerne à esta definição:
Uma teoria científica parte de uma hipótese, identifica evidências que a sustentem e só então declara uma conclusão. Para que esta conclusão seja aceita pela comunidade científica, ela deve ser passível de comprovação experimental reprodutível.
Uma Doutrina Religiosa como o Criacionismo segue o caminho inverso: A conclusão já está a priori definida e é incontestável antes de qualquer evidência ter sido levantada, cabendo à evidência apenas o papel de sustentar a argumentação futura e não a de comprovar a confiabilidade da tese presente.
Além disto boa parte da argumentação “Criacionista” é de contestação e não de estabelecimento de conceitos, uma vez que os argumentos sempre se infiltram nas lacunas das Teorias de Darwin.
Esta infiltração seria menos eficaz se os cientistas tivessem uma posição mais honesta com relação às lacunas citadas. Elas em nada comprometem a Teoria da Evolução em si, apenas atestam que ela precisa ser mais trabalhada, mesmo porque as comprovações experimentais da Seleção Natural exigem a reconstituição de fenômenos que ocorreram ao longo de milhões de anos, não sendo passíveis de reprodução em laboratório pelos nossos recursos atuais.
Um exemplo comparativo interessante é o desenvolvimento da Teoria Heliocêntrica:
Em 1510 Copérnico declara que a Terra gira em torno do Sol, rompendo com a doutrina da Igreja Católica Romana que defendia o Geocentrismo Aristotélico.
Copérnico acreditava que a Terra e os demais planetas descreviam órbitas circulares em torno do Sol, o que criava um problema pois a observação dos planetas não coincidia com as previsões fundamentadas em sua teoria.
Entre 1609 e 1619 Johanes Kepler defendeu a tese de que os planetas, inclusive a Terra, descreviam órbitas elípticas e não circulares em torno do Sol. Com este ajuste o comportamento observado daqueles corpos celestes passou a coincidir com as previsões teóricas, mas não se estabeleceu então uma justificativa matemática para tal comportamento.
Somente em 1689, com a publicação de “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” é que Sir. Isaac Newton demonstrou matematicamente como a gravitação do Sol atraía os planetas e produzia as órbitas elípticas descritas por Kepler.
Assim, temos um hiato de quase cento e oitenta anos entre a primeira versão da Teoria Heliocêntrica e sua consagração com os postulados de Newton.
A “Origem das Espécies” de Charles Darwin foi publicado em 1859 e tem portanto menos de cento e cinquenta anos. Talvez explicar a vida seja mais demorado do que explicar os astros, mas o equivalente criacionista às lacunas da Teoria de Copérnico resultaria no restabelecimento da crença de que era o Sol que girava em torno da Terra, e isto convenhamos, é um assunto encerrado.
No momento devido, a Ciência preencherá as lacunas de Darwin e muitas outras, e encerrará todas as polêmicas associadas a elas. Mas até lá deve estar atenta às armadilhas que encontrará pelo caminho.
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Comentários
Antes a dinâmica eram os debates sobre textos publicados em outras mídias e trazidos ao fórum para discussão.
Com este inauguramos a fase do RéV como produtor de conteúdos.
Ou não:
http://www.arn.org/ftissues/ft9711/articles/johnson.html
De maneira nenhuma estou a defender o criacionismo biblicista ou simpatizar com o mêsmo, longe disso(*);
quero apenas ressaltar que a ciência atual —que não apenas é incapaz de definir muito bem o que são o substantivo "matéria" e o adjetivo "material", mas que também faz confusão entre "imaterial" e "sobrenatural"— é muito menos sólida do que parece aos olhos do grande público.
(*) as citações de William Dembski reproduzidas abaixo comprovam que o assim-chamado Design Inteligente não passa de instrumento de proselitismo evangélico, por mais que afirme ou alegue o contrário:
My thesis is that all disciplines find their completion in Christ and cannot be properly understood apart from Christ.
If we take seriously the word-flesh Christology of Chalcedon (i.e., the doctrine that Christ is fully human and fully divine) and view Christ as the telos toward which God is drawing the whole of creation, then any view of the sciences that leaves Christ out of the picture must be seen as fundamentally deficient.
Christ is indispensable to any scientific theory, even if its practitioners do not have a clue about him.
Indeed, intelligent design is just the Logos theology of John's Gospel restated in the idiom of information theory.
Os "inteligentistas" também não sabem o que seria uma ciência verdadeiramente "não-materialista", é claro. Também seriam incapazes de dar qualquer aplicação prática à Teoria do Design Inteligente, já que qualquer tentativa de corrigir os êrros do Grande Designer seria vista como "soberba", "heresia" ou "blasfêmia" :-D
Ciência é apreensão da Realidade, é uma só.
Poderia ao menos ler e tentar refutar o artigo que eu indiquei no meu comentário anterior.
Uma pena que êste fórum (ainda - ?) não tenha o recurso chamado «Ignore List».
Não se angustie tanto assim, tenho todo o direito de estar equivocado. Tá?
Está correto, dialeticamente falando.
Tratamos várias vezes aqui que o termo Ciência precisa ser enquadrado em algum modelo para fazer sentido, sendo que o predominante hoje é o Positivista Popperiano, mas predominante não quer dizer correto ou verdadeiro.
Minha afirmação sobre a Ciência encerrar polêmicas foca na natureza do método científico, no qual polêmicas são desfeitas com evidência, teste, repetição e reprodução para dar origem a uma polêmica nova sobre a conclusão seguinte.
Foi assim com as concepções clássica, relativista e probabilítica quântica da Física. É da natureza do método levantar questionamentos sobre suas próprias conclusões.
É cedo para isto.
Esta discussão está tomando bons rumos, para que se precipitar?
Seria mais adequado falar em Ciência não Naturalista.
O que é um tema recorrente em Filosofia da Ciência, principalmente as discussões bastante atuais sobre como a Metafísica Clássica tem lugar na produção científica moderna.
E tem muita.
O problema é que criou-se um preconceito desinformado que iguala Metafísica a esoterismo, sendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
A começar porque matéria é um conceito impreciso em Física.
Eu adoro a Metafísica. Só que o idioma natural pro estudo da Metafísica é o alemão que compreendo pouquíssimo :(
Só em alemão todas nuances dela são possíceis de serem exprimidas e portanto dissecadas, argumentadas &c.
NO PREVIEW VÊ-SE O SAD MAS NA PUBLICAÇÃO NÃO!
Além da Física, que é uma tradução literal do grego, não implica em "fora da Física". No conceito aristotélico a Física está contida na Metafísica, não é outra entidade em relação a ela.
Opinião minha: seria o estudo daquilo que não podemos apreender especificamente via nenhum sentido conhecido. Porque o que podemos detectar via sentidos ou instrumentos - que al fin y al cabo desenbocam em coisas apreensíveis por... - pertence à Física no sentido amplo Aristotélico.
O amor por exemplo.
http://religiaoeveneno.org/discussion/655/metafisica-basica-i-o-infinito
http://religiaoeveneno.org/discussion/117/sobre-as-provas-metafisicas-da-existencia-de-deus/p1
Um absurdo. Tudo que se apreende da Realidade, é em função dos sentidos de modo que "sentido conhecido" é um pleonasmo. Não existe um sentido desconhecido e por extensão, não há um "conhecido deconhecido".
E amor, paixão, raiva, felicidade, medo, assombro, coragem, dúvida, interesse, alegria, ... são estados da mente, em função da funcionalidade do sistema.
Um absurdo. Tudo que se apreende da Realidade, é em função dos sentidos de tal forma que "sentido conhecido" é um pleonasmo, não existe sentido desconhecido e por extensão, não há um "conhecido deconhecido".
E amor, paixão, raiva, felicidade, medo, assombro, coragem, dúvida, interesse, alegria, ... são estados da mente, em função da funcionalidade do sistema.
Exatamente. A Realidade está contida na Metafísica, é subjacente a ela. O que é um equívoco monumental.
Se a Realidade é determinista ou não - i.e., se a coordenada t say dum Universo 4-D é finita ou infinita, e já completada ( e até mesmo se infinitudes completaveis existem ou não) - é tema metafísico que pelo menos à primeira vista independe dos nossos sentidos conhecidos, ¿ou não?
E, claro a existência da Realidade é objeto da Metafísica.
Não sabe a diferença entre infinitos potenciais e completados?
Caso o universo seja determinístico e livre arbítrio não exista, ¿não acha que isso significa que o universo seja um infinito completado na dimensão t ?
Ou então ¿como se dá a recordação do futuro?Conforme e.g. os experimentos do (para)psicólogo Dr. Daryl Bem & vários outros?
E.g.: https://f1000research.com/articles/4-1188/v1
Não, não sei o que é tecnicamente a "diferença entre infinitos potenciais e completados", aliás, tenho uma postura parcimoniosa e de prudência quanto ao afã de acumulo de informações, eu acredito que o cérebro é um grande HD portanto, com capacidade finita, então só adentro no mérito de uma questão na medida em que ela acrescente alguma qualidade na minha apreciação dos fatos(não leio mais qualquer coisa nem assisto mais qualquer filme ou documentário nem procuro aprender a mais nenhum idioma, nem mesmo um verbete, se não for por absoluta pertinência), mas isso não quer dizer que eu não possa definir o que é decisivo ou não num argumento, como é o caso aqui. Não importa uma "diferença entre infinitos potenciais e completados", se tal é um equívoco ou não, mas se se trata ou não de uma propriedade da Realidade.
i) Os eventos passados e "futuros" já constam nos ficheiros akáshicos (so to say); e portanto a variável t da multiplicidade (Mannigfaltigkeit) Universo já está completada de 0 - assumindo que tenha havido a grande explosão primeva - a +∞.
ii) Algum ente cósmico performa uma simulação acelerada em sentido futuro de todos eventos deterministicamente determinados até o ponto espaço-temporal desejado.
Certo?
Mais ou menos como em contabilidade armazenar nas tabelas saldos de balancetes ou contas (bancárias, say); ou calcular on the fly a cada consulta.
I give up.
https://ateunerd.medium.com/refutando-o-design-inteligente-na-ufms-96b359df9fe7
Tenho saudades do tempo quando os crentes vinham aqui, nos ameaçavam com o inferno e eu respondia "Uh... que medo!".
Na qual, paradoxalmente em sendo eu falando, nós fizemos o papel dos espanhois.