Eleições e Revelações de Caráter

Em disputas eleitorais onde só existem 2 opções (o que não é o caso no Brasil num 1º turno) muitas vezes nos vemos na situação incômoda de termos que apoiar um candidato que não está 100% em harmonia com nossos valores.
 Alguns eleitores nessas situações acabam adotando uma mentalidade tribal do tipo: "certo ou errado, se for meu amigo, defendo até o final" - como se fosse inconcebível a ideia de concordar com uma pessoa ou uma ideologia apenas em partes; reconhecer diferenças entre você e alguém que compartilha de algumas de suas ideias; entre você e o líder da "tribo".

  O problema é que candidatos e movimentos políticos são um pacote de ideias e posições que raramente estão livres de defeitos, contradições, imoralidades, o que exige um posicionamento mais cauteloso da nossa parte.

  Como alguém que simpatiza por ideias libertárias, eu me vejo frequentemente nessa posição de ter que discordar da esquerda, mas lembrar as pessoas que também não apoio a direita, e vice-versa. Em 2016, por exemplo, eu fui a favor do impeachment da Dilma, e cheguei a ir a algumas das manifestações na Paulista. Mas, sabendo que boa parte das pessoas na manifestação estavam defendendo coisas com as quais eu discordava, eu fiz questão de fazer uma postagem nas redes sociais para me diferenciar daquele grupo. Se eu apenas me juntasse ao coletivo e celebrasse o movimento sem nenhum tipo de ressalva, eu estaria dando margem pra que muitas pessoas que eu conheço pensassem, com certa razão, que eu pudesse defender ideias que eu não defendo de fato.

  É um impulso natural: se você considera algo imoral, errado, você não quer dar nenhuma margem pra dúvida - não quer que ninguém pense que você possa estar compactuando com algo que vai contra seus valores.
É claro, seria exaustivo e nada prático ter que, a cada afirmação casual, explicar em detalhes o que você aprova ou desaprova em relação a cada coisa. No penúltimo parágrafo, por exemplo, eu disse que sou alguém "que simpatiza por ideias libertárias", e não achei necessário fazer uma pausa ali pra explicar o que eu aprovo ou desaprovo no libertarianismo - até porque não há nada no movimento que me pareça tão terrível assim que possa manchar meu caráter ou gerar um mal estar indesejável caso alguém pense que eu concordo integralmente com o movimento. Ainda assim, como tenho certas divergências importantes com os libertários, repare que também não me senti a vontade pra escrever "eu sou libertário" apenas, menos ainda dizer isso de maneira enfática e entusiasmada.

  Agora, quando você apoia um candidato (ou partido, ou ideologia) que de fato tem uma reputação duvidosa, que já tenha cometido crimes, feito ou dito coisas inaceitáveis e possa ser visto como alguém imoral por uma pessoa sensata, se torna crucial se posicionar com cautela e deixar claro o que você aprova e o que você desaprova.

  Se você não faz isso, e defende efusivamente um candidato que é um misto de coisas boas e ruins, é sinal de que você no fundo tolera tanto o lado bom quanto o lado ruim. Sugere que aquilo que ele tem de ruim não está tão distante assim das coisas que você defende; que se alguém pensar que você o apoia integralmente, isso não te incomodará a ponto de surgir em você um desejo de se esclarecer.



Às vezes podemos achar que o lado ruim do nosso candidato é apenas "fake news", teoria da conspiração - nesses casos você também pode se posicionar. Eu, por exemplo, em conversas políticas com amigos sempre me coloquei a favor do livre mercado, dos EUA enquanto nação. Algumas pessoa que são contra o capitalismo já vieram me dizer que os EUA são grandes vilões da história porque eles enriqueceram por causa da escravidão, da exploração de outros países durante as guerras, etc. Eu discordo dessa versão dos fatos. Mas vamos supor que a pessoa estivesse certa: isso não significaria que eu, por simpatizar pelos EUA, defendo escravidão e exploração. Eu posso muito bem me esclarecer dizendo que, o que eu admiro, é a constituição americana e os princípios nos quais o país foi fundado, mas que, na medida em que eles traíram esses princípios e agiram imoralmente, eu concordo com meu opositor que eles merecem ser criticados.



Apoiar um candidato ou um partido não requer que você compre o "pacote completo" sem questionamento. Só faz isso quem de fato aprova o pacote.



Não tenho uma fórmula exata para saber o que fazer numa disputa presidencial entre 2 candidatos que vão contra meus valores. Depende de cada caso. Se fosse uma opção entre fascismo e comunismo, seria fácil: não votaria em ninguém. Mas se o cenário não fosse tão drástico e eu decidisse apoiar 1 dos lados apesar dos defeitos, alguns cuidados eu certamente tomaria:

  - Não exaltaria meu candidato de forma emocionada, imparcial, nem agiria como torcedor de futebol em final de campeonato - afinal ele estaria longe de representar meus reais valores (e na prática iria contra muitos deles).

  - Se decidisse apoiá-lo publicamente (em vez de simplesmente decidir e ficar quieto, o que seria uma ótima opção também) não ficaria em silêncio em relação aos seus defeitos, e deixaria claro que, apesar de achá-lo o "menor dos males", a opção está longe de ser a ideal - e, principalmente, não deixaria pessoas próximas a mim pensarem, com base no meu comportamento, que eu aprovo as características desprezíveis daquele candidato.

 Se te incomoda a ideia de se posicionar dessa forma, de admitir que possa haver algo de errado no seu candidato (ainda mais em escolhas obviamente polêmicas como PT vs. Bolsonaro), não se engane que você o apoia "apesar" de seus defeitos, pois provavelmente você o apoia por causa dos defeitos - pelo alívio que ele gera com seus discursos e racionalizações, que subitamente transformam seus problemas de caráter em coisas aparentemente aceitáveis, positivas.



Quem é íntegro, independente intelectualmente, não tem medo de ficar sozinho em suas opiniões, de se manter fiel às suas ideias, mesmo que pra isso seja preciso sair fora da tribo.



Então não tema que, numa eleição polarizadora como essa de 2018, amigos queridos por você que antes pareciam equilibrados, subitamente se transformem em fascistas ou comunistas por escolherem entre um lado ou outro. As pessoas que de fato têm bom caráter, que não apoiam a corrupção, que não apoiam o autoritarismo, que não são racistas, nem homofóbicas, nem misóginas, que não querem ver o país se transformando numa Venezuela nem numa Alemanha Nazista - essas não terão problema algum em se posicionarem contra essas coisas, e tomarão todo o cuidado pra se expressarem com sensatez, inteligência, pra que não sejam confundidas com a ala podre do eleitorado.



Quanto às outras - aquelas que apoiarem candidatos de caráter duvidoso orgulhosamente, sem ressalvas, sem pararem 1 minuto pra dar qualquer explicação, que não se importarem se estarão passando mensagens ambíguas, ofendendo amigos com seus posicionamentos, e não fizerem nada pra contrabalancear suas postagens nas redes sociais - essas não terão sido transformadas pela eleição. Elas provavelmente estarão apenas mostrando o que sempre foram, mas que antes não tinham coragem de expressar.

https://caioamaralblog.blogspot.com/2018/10/eleicoes-e-revelacoes-de-carater_3.html?m=1

Comentários

  • editado October 2018
    É possível ser de direita sem aceitar o pacote completo e fechado.
    É possível ser de direita e não gostar de Trump. Ser de direita e aceitar que há um aquecimento global.
    Ser de direita e não aceitar um governo baseado na Bíblia.
    Ser de direita e não aceitar a censura a qualquer coisa que um bando de puritanos acha que vai "destruir a família".

    E é possível votar num candidato mesmo achando que ele é um merda porque o outro é inaceitável.
  • October 7 em Religião é veneno Sinalizar
    Em disputas eleitorais onde só existem 2 opções (o que não é o caso no Brasil num 1º turno) muitas vezes nos vemos na situação incômoda de termos que apoiar um candidato que não está 100% em harmonia com nossos valores.

    malditas pesquisas
  • É possível ser de direita sem aceitar o pacote completo e fechado.

    E é IMPOSSÍVEL ser de esquerda e ser democrata. Um esquerdista democrata é uma figura tão estranha quanto um evangélico macumbeiro.
  •  
    @Criaturo disse: malditas pesquisas

    ???
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