Sete Dias de Quiroga

editado May 2018 em Religião é veneno
Publicado originalmente em 29/4/2005 20:39:59

Por Acauan

O que dizer do texto abaixo:
É selvagem nossa humanidade? 

No céu, Marte e Plutão se relacionam, o mesmo fazem Vênus e Urano, e a Lua, quase cheia, será vazia das 13h46 às 23h25, horário de Brasília.
Aqui na Terra, nossa humanidade reconhece claramente sua liberdade, pois tudo é permitido nos desejos, o mesmo não acontecendo na realidade concreta. Declara-se aos quatro ventos, com pomposos ares de lógica, que se não houvesse limitações ou severas regras morais, nossa espécie se esbaldaria em excessos. Todavia, o astrólogo aqui declara, sem pompa nem circunstância, que nossa humanidade só é selvagem por causa da severidade excessiva com que é tratada. É um tormento atroz saber-se livre para desejar, mas limitada para realizar o que deseja. Assim é que, em vez de as pessoas se ajudarem mutuamente a serem felizes, e livres para desejar e realizar, pelo contrário, vigiam-se para ninguém sobressair-se ou ser alegre, dado a alegria ser sinal inconfundível de liberdade.

Oscar Quiroga
Publicado em O Estado de São Paulo de sábado, 23 de Abril de 2005


Vocês eu não sei, em mim o parágrafo acima, de autoria do astrólogo Oscar Quiroga, me despertou uma tremenda dúvida existencial:

- Por que este cara é pago para escrever e eu não?

As demais dúvidas não têm a mesma relevância filosófica, mas me motivaram a dar uma olhada na coluna Astral, de horóscopo, publicada diariamente em O Estado de São Paulo, para conferir se é sempre assim ou se dei o azar de ler justo no dia em que o autor cheirou cola e comeu a lata antes de escrever.

Após sete dias acompanhando a tradução Quiroguiana do que os astros dizem sobre a humanidade, cheguei à conclusão de que melhor seria se os astros permanecessem de boca calada e parassem de dizer asneiras sobre assuntos dos quais não entendem bulhufas.

Isto fica ilustrado nos prólogos do horóscopo, nos quais, antes de dizer o que o nativo de cada signo deve fazer da vida naquele dia, o cartógrafo zodiacal diz o que a espécie humana deve fazer da vida naquele dia.
Como quando, no título, ele pergunta “É selvagem nossa humanidade?“, a resposta para mim é fácil – A minha é. Sou um Índio.

Já o astrólogo tem uma interessante teoria a respeito, cujo desenvolvimento passa pela revelação de que rola uma viadagem cósmica entre Marte e Plutão, para concluir que a humanidade só é selvagem porque seus desejos são reprimidos.

Não posso dizer nada sobre esta idéia de jerico que Voltaire já não tenha dito muito melhor em O Ingênuo, que, através do rude protagonista hurão, ridicularizava o bom selvagem de Rousseau, mostrando justamente que a civilização só é possível quando os desejos individuais são reprimidos para se ajustar às necessidades do bem comum.

Quiroga defende o oposto.

Reconheço que perder tempo contestando tais coisas é assinar atestado de não ter o que fazer, mas que cargas d’água o cara quis dizer com o trecho abaixo?
É um tormento atroz saber-se livre para desejar, mas limitada para realizar o que deseja. Assim é que, em vez de as pessoas se ajudarem mutuamente a serem felizes, e livres para desejar e realizar, pelo contrário, vigiam-se para ninguém sobressair-se ou ser alegre, dado a alegria ser sinal inconfundível de liberdade.


Tudo bem. O cara é astrólogo, assim como o Walter Ligue Djá Mercado e o Olavo de Carvalho.
Mas nem no mundo da lua seria admissível tamanha confusão mental.

O que limita nossa capacidade de realizar nossos desejos não é a vigilância dos que querem impedir a alegria e liberdade alheias, mas o óbvio ululante de que se nossos desejos são livres, a realização deles depende de coisas e condições que nem sempre estão disponíveis.
É o confronto entre a imaginação ilimitada que produz o desejo e as limitações da realidade que os restringem que estabelece o grau em que desejos devem ser reprimidos.

Mesmo numa hipotética realidade em que não existisse escassez e todos os nossos desejos materiais pudessem ser satisfeitos, ainda haveria o impeditivo de que, em sendo os desejos livres – como queria o astrólogo – não há como impedir que os desejos de alguns entrem em conflito com os desejos de outros, o que implica que a satisfação de todos numa realidade sem repressão é impossível.

Assim, o único modo de as pessoas se ajudarem mutuamente a serem felizes (lembrem-se, quem fala assim é o Quiroga, não eu) é buscando o equilíbrio entre os próprios desejos e os dos semelhantes, não pelas vias mágicas de utopias cósmicas que pregam o liberou geral, oba, oba, esquindô, esquindô.

Se isto é claro para o bugre aqui, não entendo porque não seria para Vênus e Urano, citados implicitamente como inspiradores das elucubrações comentadas.

Para quem tiver tempo e paciência para conferir, após o final deste texto segue a transcrição dos prólogos da coluna, referentes à semana seguinte à do citado na abertura. Pensei em comentar um por um dos meus sete dias de Quiroga, mas após me deparar com a sabedoria astral resumida no caput, deixo ao leitor a árdua missão de analisar e concluir por si só o que a astrologia, e a filosofia dela oriunda, tem a oferecer como oráculos supra-terrenos da humanidade.

Ou então o Quiroga é um gozador, que não leva a sério as bobagens que publica e morre de rir ao ver que tem gente que se dá ao trabalho de contestar de graça o que ele escreve em troca de uma grana preta.

Oscar Quiroga


Um prêmio aos que chegaram até aqui.
Quem acredita que evoluiu espiritualmente com apenas uma semana de Quiroga, tem a chance de se projetar ao nirvana astrológico comprando o livro dele.
A resenha diz tudo e promete o resto. 
Título: Livro - Astrologia Real, o que seu signo quer dizer a você
Autor: Oscar Quiroga
Editora: ROCCO
Assunto: ESOTERISMO-ASTROLOGIA
Edição: 1
Número de Páginas: 274


Poder, Amor, Inteligência. Esses são os três aspectos da consciência que Oscar Quiroga destaca em Astrologia real ? o que seu signo quer dizer a você: um novo ponto de vista para a compreensão da humanidade e de sua interação com o cosmos. A arte de interpretar os astros, segundo ele, é a harmonização das atividades e preocupações terrestres com esferas superiores do universo, é a expressão do luminoso, pleno e significativo intercurso de tudo, é a diferença entre a vida poder ser experimentada com sentido ou sem sentido algum.

Comentários

  • - Por que este cara é pago para escrever e eu não?

    Ele deve ter um Q.I bem melhor. :P
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