100 anos da Revolução Comunista - como ela realmente começou

Ela quase não aconteceu...
O centenário da Rússia de 1917

Em 2017 o episódio a respeito do qual construíram-se tantas lendas heroicas merece um olhar mais equilibrado

Em outubro de 1917, os bolcheviques (maioria, em russo) lideraram uma revolução, invadiram o palácio do czar, subiram pelas escadarias e derrubaram séculos de absolutismo, instalando um governo de operários e camponeses.

Tudo mentira. Os bolcheviques não eram maioria, o czar não morava no palácio de inverno (ele abdicara em março e estava preso a quilômetros de distância). Em outubro de 1917 não havia mais monarquia, e a Rússia era uma república mambembe. Os poucos revoltosos entraram no palácio por janelas laterais, e o prédio não estava guarnecido por tropa capaz de defendê-lo. A cena da tomada do palácio, com uma heroica multidão subindo sua escadaria foi um invenção do cineasta Sergei Eisenstein. Ele teve a ajuda de cinco mil figurantes, e a filmagem, em 1928, causou mais danos ao palácio que a sua tomada em 1917. (A grandiosidade de Eisenstein fez com que suas cenografias engolissem a realidade. O massacre da escadaria de Odessa, do “Encouraçado Potemkin”, também não aconteceu.) Multidão no palácio só houve no dia seguinte, quando saquearam, e beberam, a adega real.

O ano do centenário da Revolução de 1917 será boa oportunidade para que os acontecimentos daquele ano sejam revisitados, com menos influência da propaganda. As revoluções foram duas; a primeira deu-se em fevereiro, em Petrogrado (depois Leningrado, hoje São Petersburgo). Nela misturaram-se as ansiedades de uma guerra na qual 1,5 milhão de soldados já haviam desertado, um inverno brabo que afetou o abastecimento, mais uma onda de greves e protestos. Contra essa revolta, estava Nicolau II, um autocrata medíocre metido numa corte de intrigantes. (O monge Rasputin, guru e marqueteiro da família real, havia sido assassinado em dezembro.)

No dia de hoje, há cem anos, Petrogrado parecia em paz. Estava na Rússia o príncipe herdeiro Carol da Rumânia, e a czarina Alexandra aproveitara um jantar em sua homenagem para apresentar à nobreza sua filha de 17 anos, a grã-duquesa Maria.

Lênin estava em Zurique e admitia que a revolução poderia ficar para a próxima geração. (Outro hóspede da cidade era o escritor James Joyce.) Trotski estava encantando socialistas em Nova York. Stalin estava exilado no Círculo Ártico. Ele só pensava na revolução, mas nos próximos meses teria um problema: nasceria o filho de sua namorada adolescente. (Alexandre morreu em 1987. Seu filho, a quem revelara a identidade do avô, comprovou-a com um teste de DNA.)

Quando Petrogrado estava com as ruas tomadas, a czarina Alexandra acreditava que, com alguns dias de frio, as pessoas voltariam para casa, e um dos líderes bolcheviques na cidade duvidava do futuro da revolta. Ele achava que a coisa se acalmaria se os trabalhadores recebessem algum pão.

Pode-se discutir até onde a revolução de Petrogrado foi um movimento operário ou derivou de um motim da soldadesca. Como a efeméride será lembrada até o fim do ano, seria injusto que tudo parecesse ter começado com o golpe de outubro de Lênin e dos comunistas.

Em março nasceu a República Russa. Podia ter dado certo mas, tendo tudo para dar errado, durou oito meses. Em outubro nasceu o que parecia ser uma aventura, sem a menor possibilidade de dar certo. Durou 74 anos.

Elio Gaspari é jornalista
http://oglobo.globo.com/opiniao/o-centenario-da-russia-de-1917-20755614#ixzz4VRg9wbKQ 
 

Comentários

  • editado January 2017
    A Revolução Bolchevique foi apenas um golpe militar.
    Os bolcheviques eram uma das muitas facções socialistas em luta pelo poder após a queda do Czar, sem ser a facção predominante.
    O Partido de Lenin era forte junto ao operariado urbano, mas perdia para outras lideranças de esquerda no interior da Rússia agrário e habitado por camponeses.
    Foi decisivo o fato de os Bolcheviques terem planejado e executado uma bem sucedida subversão ideológica do exército, trabalho facilitado pelas agruras da Primeira Guerra Mundial e pela incompetência dos oficiais Czaristas.
    Após a Revolução foi acordado entre as lideranças políticas a instituição de uma Assembléia Nacional Constituinte para estabelecer as leis do Estado Socialista russo.
    Ocorreu que os Bolcheviques, apesar do nome, se tornaram minoria na Constituinte frustando seus planos de conquistar o estado pelas vias legais. Então chutaram o balde e o pau da barraca e assumiram o poder pela força quando soldados leais a Lênin dissolveram a Assembléia na ponta de baionetas.
    E deu no que deu...
     
  • Jornalista falando de História dá nisso, superficial. Sugiro A Era das Revoluções, Eric Hobsbawm.
  • Jornalista falando de História dá nisso, superficial. Sugiro A Era das Revoluções, Eric Hobsbawm.

    Melhor A Tragédia de um Povo, de Orlando Figes.

  • Isto diz respeito ao autor, não à obra.
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