Clique AQUI para voltar ao forum NOVO!

Como vai, Forasteiro?!

Parece que você é novo por este pedaço. Se você quer se envolver, clique em algum destes botões!

Usuários nesta discussão

Madeira Mamoré e a Ira de Tupã

AcauanAcauan Administrador, Moderador
Madeira Mamoré e a Ira de Tupã
Dos "Diários de um Índio Viajante III"

Por Acauan

1. A Obra do Homem


Falando aos construtores, destaco o significado grandioso de sua obra. Quando chegaram, a Floresta e o Rio imperavam sob aquele Sol. Confrontados por nossa determinação e nossa Ciência, a Floresta infinita recua e o poderoso Rio nos obedece. As terríveis forças da natureza se submetem ao poder de nossa vontade.

Tupã ouviu...

2. O Sol

Desde minha chegada minhas movimentações tem sido de um local refrigerado para outro, meios de translado inclusos. As exposições diretas ao Sol equatorial são muito breves, porém suficientes para me fazer entender como os vampiros se sentem. Boto a cara sob o Sol do meio dia e queimo como Cristopher Lee ao invés de brilhar como Robert Pattinson. Só arrisco uma maior exposição ao final da tarde, como Frank Langella.
n.A. (nota do Acauan) 1: Quem não entendeu a referência a Frank Langella pesquise "Drácula – 1979".

n.A. 2: Quem não entendeu a referência a Cristopher Lee não merece maiores explicações.

4. O Pezinho de Bebê

Morte inglória seria sair de São Paulo para ser atropelado em Rondônia, expectativa que vislumbro a cada travessia de rua. A administração local encontrou sua própria solução para o desrespeito à faixa de pedestres não as pintando, o que elimina o problema e economiza tinta. O trânsito de Porto Velho lembra em alguns aspectos o de Roma, noutros o de Calcutá, sem o charme romântico-cultural da Cidade Eterna e sem seja lá o que for que Calcutá tem de bom. Uma única motocicleta transportando a família inteira, mesmo que grande, é cena comum. Em uma destas avisto um delicado pezinho humano espremido entre o condutor e a mulher na garupa, que segurava o bebê com um braço enquanto tentava segurar a si própria com o outro. Isto em plena hora do rush, quando o trânsito local assume características quânticas de caos não determinístico. Que Monã proteja aquela criança, porque dos pais não dá prá esperar grande coisa.

5. A Força Nacional

Um bando de brucutus de farda foi instalado na obra, para garantir a segurança após alguns tumultos. Por um azar danado também estão instalados no meu hotel. O café da manhã tropical seria bem mais agradável se o cara na minha frente na fila do bufê não mantivesse a submetralhadora a tiracolo apontada pro meu queixo.

6. Um Suspiro de Civilização

Faço a caminhada de fim de tarde. Tão longa que seu upgrade seria uma peregrinação. Então, a civilização suspira. Chego à choperia. Concordo que associar choperia a "suspiro da civilização" é exagero piegas, mas passem a semana que passei aqui e depois me contem como chamariam. Além disto, não se trata de uma choperia qualquer. É uma microcervejaria gastronômica, ou seja, um restaurante que mantém a vista do cliente uma unidade industrial de fabricação de cerveja, que produz a bebida servida na casa. São Paulo teve uma destas certa época, daí o tratamento cerimonial dado a algo que se perdeu tão perto de casa e se reencontrou tão perto da selva.

7. As Três Marias

Três Marias é o apelido das Três Caixas d'Água, situadas na praça de mesmo nome. Sigo caminhando prá lá, depois que as rodadas de chope e comida não regional deram um descarrego nas tensões entre mim e Porto Velho.
As Três Caixas d'Água me despertam uma impressão dúbia.
Primeira e mais óbvia: De fato, são três caixas d'água. E daí?
Depois surge algum reconhecimento de que a praça tem personalidade, que as Caixas d'Água estão ali desde que a cidade era uma aldeia no meio da floresta, que por décadas foram o principal ponto de referência da região, além de abastecê-la de água, utilidade prática que a maioria dos monumentos não possui.
Resolvo incluir Porto Velho na minha série fotográfica "Noturnos Urbanos". A Igreja Matriz rende bons cliques. Prá poder dizer que naquela noite andei até o limite do que a cidade tinha de interessante, estico o percurso até as margens do Madeira, onde um Café oferece uma bela vista do rio.

8. Madeira Mamoré

Domingo. Volto à margem do Madeira para um típico programa de turista. Passeio de barco no rio, visita ao museu a céu aberto da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e compra de artesanato indígena.
Aliás, um dos poucos lugares turísticos em que o artesanato indígena é vendido por Índios que são mais Índios que eu. Além de ter qualidade artística, outra coisa rara. Pergunto sobre a tribo deles. São karitianos. Sua língua ancestral foi preservada. Tem sonoridade algo parecida com o idioma klingon, o que confere autenticidade aos produtos vendidos.

9. Um Oficial e Cavalheiro

Volto ao Café onde conheço um tenente da engenharia do Exército Brasileiro, afastado da ativa em consequência de um acidente que o incapacitou para o serviço. Seus modos em público incluíam chamar a garçonete com assobios altos, passar cantadas vulgares em qualquer mulher bonita que lhe cruzasse a linha de visão e insistir com cantadas mais vulgares depois de rechaçado. Um autodidata no quesito, já que não ensinam estas coisas nas Agulhas Negras.

10. A Fúria de Tupã

Como disse no começo, Tupã ouviu meu comentário sobre termos submetido as forças da natureza.
E Não gostou.
Quando Tupã não gosta de alguma coisa, demonstra isto de modo nada sutil, mas muito eficiente e logo enfrento minha primeira tempestade tropical.
Curti adoidado. Não era isto que Tupã tinha em mente quando enviou o toró, o que o motiva a radicalizar o discurso. O vento arranca parte do tronco de uma árvore a poucos metros de mim e o lança sobre um coqueiro, bem ao lado da mesa em que eu estava antes da chuva. Continuo assistindo a cena como um espetáculo, mas entendo o recado de Tupã e não me arrisco a irritá-lo mais.
O rio, a floresta e o resto do mundo desaparecem atrás de uma cortina branca de água e ressurgem em um gran finale, surpreendentemente anunciado por nosso folclórico oficial da engenharia "- veja, nossa bandeira, motivo de orgulho para todos nós". Desfraldada pelos últimos ventos da tempestade, a Bandeira do Brasil tremulava altiva, reduzindo a Floresta, o Rio e a Obra do Homem a pano de fundo de sua presença.

Post edited by Acauan on
Acauan dos Tupis
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!

Comentários

  • 10 Comentários sorted by Votes Date Added
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    edited setembro 2012 Vote Up0Vote Down
    Acauan disse: As exposições diretas ao Sol equatorial são muito breves, porém suficientes para me fazer entender como os vampiros se sentem.
    Não apenas o Sol é equatorial, mas o ar é mais limpo. Já tive este problema em lugares menos equatoriais e que nem eram quentes à sombra. Você tenta ir a pé porque "é logo ali", mas desiste e pega o carro.
    Acauan disse:
    5. A Força Nacional

    Um bando de brucutus de farda foi instalado na obra, para garantir a segurança após alguns tumultos.
    A gente pensa que a cidade grande é selvagem e sem lei, mas esses fins de mundo são muito piores. Um faroeste onde vale a lei do mais forte.
    Acauan disse: Quando Tupã não gosta de alguma coisa, demonstra isto de modo nada sutil, mas muito eficiente e logo enfrento minha primeira tempestade tropical.
    Lembro de uma tempestade dessas em Carajás. A gente tentando voltar para o alojamento no alto do morro, mas a estrada era de terra e o morro parecia estar se desfazendo sob as rodas do Fusca.


    Post edited by Fernando_Silva on
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited setembro 2012 Vote Up0Vote Down
    Se alguém achou que a Fúria de Tupã era liberdade poética:

    526995_465939103428504_306635902_n.jpg

    422623_465939026761845_277977298_n.jpg
    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
  • RainorRainor Membro
    edited setembro 2012 Vote Up0Vote Down
    Só uma coisa: Um tenente reformado jamais passou pelas Agulhas Negras. Lá se formam os oficiais de carreira, que não se aposentariam como tenente (posto inicial depois de formado).

    Ah, e sobre "brucutus armados", cansei de ver tropas carregando metralhadoras e fuzis em várias estações de trem na Europa. Isso não é privilégio nosso.
    Post edited by Rainor on
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    Rainor disse:
    Ah, e sobre "brucutus armados", cansei de ver tropas carregando metralhadoras e fuzis em várias estações de trem na Europa. Isso não é privilégio nosso.

    Bem, na Europa, eles estão só carregando. Aqui no Rio, eles estão em ação. Matam e morrem.
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited setembro 2012 Vote Up0Vote Down
    Rainor disse: Só uma coisa: Um tenente reformado jamais passou pelas Agulhas Negras. Lá se formam os oficiais de carreira, que não se aposentariam como tenente (posto inicial depois de formado).

    Ele foi reformado por conta de um acidente que o incapacitou para o serviço (revisei o texto para especificar isto).
    Por aí até poderia ser oficial de carreira que a teve interrompida no início, mas pelo jeitão do cara, o mais provável - e que ele não contou - é que era um daqueles casos de sargentos que obtiveram formação superior e foram promovidos.

    Rainor disse:
    Ah, e sobre "brucutus armados", cansei de ver tropas carregando metralhadoras e fuzis em várias estações de trem na Europa. Isso não é privilégio nosso.

    É esperado que policiais portem armas em serviço.
    O que não é esperado é que mantenham uma virada prá mim enquanto se servem de bolo formigueiro.


    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited setembro 2012 Vote Up0Vote Down
    Breves.

    Em um outro lugar tórrido nos trópicos.

    1. Hora do almoço. A Igreja Matriz da cidade fica em frente ao meu local de hospedagem. Lugar ideal para conhecer um resumo da cultura do lugar. Só tenho que atravessar a rua e andar meio quarteirão sob o Sol.

    Desisto.

    2. Na praça da Matriz há uma redoma de vidro protegendo uma pequena motocicleta. Imagino que fosse algum tipo de rifa, mas estando embaixo da estátua do Frei que dava nome à praça, me ocorre que fosse algum tipo de relíquia católica.

    Era.

    3. Voltando.
    O Aeroporto Internacional do Galeão no Rio de Janeiro é uma zona.
    O Aeroporto de Congonhas em São Paulo não é.



    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    Acauan disse:O Aeroporto Internacional do Galeão no Rio de Janeiro é uma zona.
    Duas coisas que sempre marcam depois de uma viagem ao exterior:
    - O calor brutal do Rio
    - A bagunça e a informalidade dos funcionários do Galeão em comparação à frieza e rigidez dos aeroportos lá de fora. Você desce do avião e vem um cara gritando: "Aê, brasileiro é nessa fila!"
  • Acauan disse: n.A. (nota do Acauan) 1: Quem não entendeu a referência a Frank Langella pesquise "Drácula – 1979".

    n.A. 2: Quem não entendeu a referência a Cristopher Lee não merece maiores explicações.

    E quem achou estranho citar o brilho de Robert Pattinson?

    rsrsrsrs
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    Moises disse: E quem achou estranho citar o brilho de Robert Pattinson?

    Tenho uma filha adolescente...

    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Entre ou Registre-se para fazer um comentário.