03/09/2012 11h41 - Atualizado em 03/09/2012 11h42
Augusto Campos - techtudo.com.br
A semana foi marcada por um artigo que eu classificaria como troll, portanto lide com ele usando luvas de amianto: um artigo da Wired na CNN dizendo que a Apple matou o desktop Linux, construído a partir das declarações de uma fonte primária cujo histórico a coloca em posição de poder ser consultado a respeito (mas não de ser o único consultado, claro), ainda que eu discorde de sua opinião: o criador do ambiente gráfico GNOME, Miguel de Icaza.
Trecho da matéria da Wired publicada na CNN (reprodução)
O título dado pelo jornalista é “Como a Apple matou o desktop Linux”, mas o argumento de Icaza não se reduz à Apple, e muito menos diz que os usuários do Linux no desktop estão migrando para o ambiente (com laços fortes com o Unix BSD) existente nos Macs, mas sim que parcela considerável dos desenvolvedores que impulsionaram o desenvolvimento do desktop Linux migraram para outras plataformas – não só os Macs: ele frisa que muitos estão voltados para a Open Web (que também é positiva para os usuários de Linux), eu percebo que muitos estão atentos às plataformas móveis, e assim por diante.
O próprio GNOME criado por Icaza hoje não vive seu momento de maior aceitação, e tenho dúvidas se voltará a vivê-lo, mas na minha opinião isso vem pouco ao caso para os usuários de Linux que lerão este artigo: eles nos dirão que vão usar o ambiente desktop que melhor lhes atender, pois há vários outros, embora o GNOME tenha anteriormente alcançado um grau de sucesso interessantíssimo.
Outro aspecto mencionado por Icaza é que na visão dele “o desktop open source” (que, descrito assim no singular, é para mim uma entidade bastante abstrata) foi menos atrativo para esta geração de desenvolvedores que migrou para outras plataformas, porque praticou muitas vezes o jogo da quebra da compatibilidade retroativa, ou seja, o surgimento de novas versões do sistema que mudam o jeito de fazer as coisas e tornam incompatíveis os códigos e habilidades previamente desenvolvidos pelos interessados. É um fenômeno que já vivi, e felizmente noto em determinados projetos open source grande esforço para evitar ou reduzir.
Já na web a situação é diferente: nos bastidores e debaixo do capô do motor o open source predomina, com nomes como Apache, Nginx, Python, PHP, Ruby on Rails, Hadoop, MongoDB e Xen continuando a fazer a alegria de desenvolvedores que se dirigem a um conjunto de usuários bem maior do que se estivessem voltados à fatia dos desktops open source.
O fenômeno inclusive fez aumentar a relevância dos movimentos a favor de uma web aberta, explicando movimentos como o de Stormy Peters, anteriormente diretora da GNOME Foundation e hoje militando a favor da web aberta, no âmbito da Mozilla (cujo foco em aplicativos para o desktop open source há muito vem perdendo o brilho).
Os voluntários emigraram?
Outra notícia recente e relacionada veio na forma deste e-mail dos organizadores da linux.conf.au, evento que ocorre desde a década de 1990 e há tempo é reconhecido como um dos mais relevantes entre os eventos comunitários voltados ao Linux no mundo.
O mergulho de Linus Torvalds na linux.conf.au
A linux.conf.au durante anos foi conhecida também por ser um dos poucos eventos frequentados regularmente pelo criador do Linux, e por ter sido o local da famosa derrubada de Linus Torvalds no tanque de água, com renda revertida para a caridade, em 2004.
Mas o e-mail acima conta algo diferente do histórico de envolvimento comunitário deste tradicional evento itinerante: não houve organizações candidatas a sediar a Linux.conf.au para 2014.
Os organizadores farão algo a respeito, claro, mas a ausência de candidatos a fazer algo na sua comunidade (mesmo que este algo seja desejado) é um elemento que tenho percebido em mais situações, e correlaciono com a observação do criador do GNOME.
A segunda lei da termodinâmica
A segunda Lei da Termodinâmica nos diz que todos os sistemas tendem à entropia, o que costumeiramente leva à conclusão que a complexidade dos sistemas em atividade aumenta a cada transformação que eles sofrem.
Somando os pontos mencionados acima, identifico que a tendência de expansão (o sucesso do GNOME, do Firefox, do OpenOffice, etc.) vivida na década anterior não foi acompanhada do crescimento da base desenvolvedora e executora que seria necessária para sua continuidade, e hoje a renovação natural dos quadros leva aos 2 tipos de situação mencionados: os voluntários originais já foram fazer outras coisas, e não há novos voluntários aptos ou interessados em continuar mantendo todas as mesmas coisas.
Outro ponto de contato entre os itens 1 e 2 emblemático (ao menos para mim) é o que vem acontecendo com um dos grandes eventos regulares nacionais do software livre, cujos mantenedores originais em boa parte emigraram (com todo o direito, claro) para outras pastagens mais verdejantes relacionadas às áreas de conhecimento que exercitavam no evento original, indo trabalhar com eventos internacionais voltados ao público consumidor de tecnologia em geral, com a política partidária, etc. O evento continua a existir, mas o número de participantes dele começou a declinar, e há até quem diga que o número de MacBooks na plateia começou a aumentar mais.
Minha análise: aquela grande onda de expansão do desktop open source já passou, e o momento que vivemos é bem diferente, expresso tanto pelas causas descritas acima (e outras, como a transformação por que passa o próprio conceito de desktop), como pelos seus efeitos: atritos, divisões, competição interna, duplicação de esforços, estagnação ou até mesmo declínio da relevância de alguns produtos anteriormente campeões de atenção no âmbito do desktop.
Há exceções, mas em várias delas percebo que o desktop não é a finalidade, e sim o meio de garantir a transição para o mercado em expansão que realmente as interessa: a web, as plataformas móveis ou a algaravia de outras expressões que muita gente agrupa por meio do título “pós-PC”.
Comentários
Descobriram que tinha contas a pagar e coisas que gostariam de adquirir?