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Psicólogo americano Michael Shermer debate sobre razão e religião
Ele afirma que o homem usa as suas capacidades racionais para justificar crenças adquiridas desde cedo. Crítico das religiões, ele defende uma visão cética da vida, baseada na busca por evidências científicas
Defensor radical do pensamento científico, o psicólogo americano Michael Shermer estuda há três décadas os mecanismos neurológicos que fazem as pessoas acreditarem em coisas tão diferentes quanto Deus, milagres, fenômenos paranormais, ETs, astrologia, demônios ou anjos. A explicação é única: as crenças são adquiridas desde muito cedo, e o cérebro aprende a usar suas capacidades racionais para justificar tudo em que se crê. Shermer esteve no Brasil há algumas semanas, quando participou do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento e lançou seu livro mais recente, “Cérebro & crença” (Editora JSN).
Na obra, o autor usa a neurociência para desmistificar das religiões aos discos voadores. Odiado por conservadores e religiosos, ele costuma lembrar que o mundo tem mais de dez mil religiões, e cada uma acha que é a verdadeira profissão de fé. “A solução para melhorar a vida de gente pobre e miserável não é religião. É prosperidade econômica e social. Eles não precisam de Deus, eles precisam de comida e emprego”.
Uma das conclusões de “Cérebro & crença” é que o cérebro mente para as pessoas. É isso?
É isso, sim. A tese central do livro é que as crenças vêm primeiro, e as razões que construímos para justificá-las — sejam elas quais forem: Deus, teorias da conspiração, seres extraterrestres, forças paranormais — vêm depois. Nosso cérebro age como um advogado num julgamento: montando evidências a favor de seu cliente, que nesse caso são nossas crenças, e ignorando ou recusando todas as provas que não se encaixam ou derrubam essas crenças. Nossos cérebros se desenvolvem muito mais para serem advogados do que cientistas. Porque a ciência exige um esforço maior do que aquela propensão que temos de apenas querermos estar certos. Então há um leque de inclinações ou favoritismos que podem ou não ser verdadeiros, mas a maneira mais confiável de termos certeza de que estas convicções são a verdade é por meio da ciência.
Mas por que existem tantos cientistas que se dizem religiosos? Não é uma contradição?
Esses cientistas possuem compartimentos isolados de lógica nos seus cérebros. Eles possuem visões conflitantes, e todos nós as temos também. Somos hipócritas, incoerentes, nem sempre lógicos, e fazemos isso porque nosso cérebro é modular. Ele tem redes diferentes de neurônios que se desenvolvem para resolver problemas diferentes e particulares. Então é totalmente possível alimentar dois tipos de crenças que podem ser excludentes. As pessoas fazem isso, mesmo quando apontamos essa aparente contradição nelas. Até porque a gente só vê incoerência nas crenças dos outros, nunca nas nossas próprias. Existem cientistas que adotam explicações sobrenaturais para a vida, embora em seu trabalho como cientistas eles nunca admitam hipóteses sobrenaturais. Essa metodologia, inclusive, não é permitida na ciência.
No livro, você fala que, na vida, somos dependentes em acreditar em alguma coisa. Poderia explicar?
Há um mundo verdadeiro lá fora, mas nosso cérebro não possui, necessariamente, uma correspondência com esse mundo verdadeiro. As pessoas formam crenças que nos aproximam mais ou menos dessa realidade. Nosso entendimento da realidade depende das crenças que formamos sobre ela. No caso deste cartão (ele se refere ao cartão de apresentação do repórter), você não está realmente vendo um cartão. Você está vendo fótons de luz percebidos pela retina e enviados em formas de sinais para o córtex visual do seu cérebro, que por infinitas reações químicas nas redes neurológicas, fazem o cérebro identificá-lo como um retângulo de papel com letras e informações que você identifica como um cartão de apresentação. Então a realidade depende de nossas crenças sobre ela. Por isso mesmo, devemos ser extremamente cuidadosos a respeito de nossas crenças, porque é muito fácil distorcer a realidade.
E existem crenças que ameaçam o indivíduo?
A capacidade de aceitarmos e adotarmos uma crença depende do quanto ela é ameaçadora para nossas convicções anteriores e mais profundas. Pegue a teoria da evolução, por exemplo. Para a maioria das pessoas, nem é assim tão perturbadora. Mas para alguns cristãos fundamentalistas acreditar na teoria da evolução ameaça suas crenças mais profundas sobre o mundo. Então eles não podem aceitá-la e brigam com a teoria acenando com o criacionismo, ainda que as evidências científicas sejam totalmente a favor da evolução das espécies. Porque o fato é que eles acham que há muito a perder, em termos de convicções profundas, se eles decidirem acreditar na teoria da evolução.
É uma hierarquia de crenças, então. Pode-se dizer que o que está por trás do fato de uma pessoa não acreditar em aquecimento global, apesar de toda a evidência científica e meteorológica, é o mesmo fenômeno por trás de alguém que acredita na criação divina, apesar das evidências sobre a evolução das espécies?
É o mesmo processo, mas com motivações diferentes. No caso do aquecimento global, há uma crença de que se for verdade, então temos que mudar a maneira como fazemos negócios, o que alteraria radicalmente toda a economia planetária. O aquecimento é percebido como um ataque a ideologias políticas e econômicas estabelecidas, ao passo que, no caso da evolução das espécies, ela é percebida como uma ataque à religião. Quando uma evidência é percebida como um ataque a suas convicções mais profundas, há uma resistência em se acreditar nessa evidência.
Você acredita que o mundo consegue sobreviver sem as promessas da religião? Não seria perturbadora, para uma pessoa que vive uma vida sem perspectivas, a ideia de que não há paraíso, outra vida, outra chance?
Em primeiro lugar, a solução para melhorar a vida de gente pobre e miserável não é religião. É prosperidade econômica e social. Eles não precisam de Deus, eles precisam de comida e emprego. Eles não precisam de religião, eles precisam de um adequado sistema de saúde, água potável, eletricidade, saneamento, moradia. De certa forma, é um insulto governos que acham razoável dizer a suas populações pobres que eles têm liberdade para acreditar em religiões que prometem que numa outra vida tudo ficará bem. Eles precisam de ajuda agora, neste mundo, não em outra dimensão. Então, neste caso, a religião não está ajudando, está ampliando o dano às pessoas que não reivindicam direitos.
Então Karl Marx estava certo ao dizer que “a religião é o ópio do povo”?
A religião é usada, de certa forma, para pacificar populações que, de outra forma, estariam insatisfeitas e revoltadas com a forma relapsa com que os governos as tratam. É outro aspecto negativo da religião e sua incapacidade de ajudar realmente as pessoas.
Você defende uma abordagem cética da vida. É o mesmo que uma abordagem científica da vida?
É a mesma abordagem. Ceticismo e ciência é tudo de que precisamos: duvidar de soluções simplistas, questionar e chegar às conclusões com base em evidências, pesquisa, experimentos controlados, dados obtidos com a manipulação da razão e da lógica. Todo mundo deveria acreditar nisso. Razão, lógica, dados empíricos são todos bons instrumentos para se chegar aos fatos. É assim que levamos um robô a Marte, que construímos iPhones, aviões. É ciência, tecnologia e matemática.
Pessoas que acreditam em discos voadores e seres extraterrestres costumam basear suas crenças na ciência, já que é grande a possibilidade de existência de outro planeta com vida nas galáxias.
A maioria das pessoas sabe que a argumentação científica é uma forma poderosa de persuadir os outros. Apesar de tudo, não é muito convincente dizer que eu acredito em algo porque acredito. Espera-se que você tenha razões para acreditar. Daí os argumentos pseudo-científicos, aquela tentativa de parecer científico. Para quem acredita em ETs, eu digo: me mostrem o corpo. Ou a nave espacial. Não fotos borradas, vídeos toscos.
Podemos dizer que muitas religiões usam argumentos não espirituais para ampliar sua base de crentes?
Especialmente as novas igrejas e religiões oferecem algo mais, como missas e cultos que são mais carismáticos do que os de igrejas cristãs tradicionais, além de psicologia de auto-ajuda. Essas igrejas fortalecem a perspectiva dos indivíduos de que eles podem fazer algo para melhorar de vida agora e não esperar a recompensa após a morte. As pessoas ficam mais prósperas e percebem que podem ascender na escada econômica. O pastor evangélico vai lá e diz: acredite na sua fé, acredite que você vai conseguir isso ou aquilo. Jesus quer que você seja rico.
Você uma vez elogiou os países escandinavos, onde a maioria da população não é religiosa. Há uma ligação entre qualidade de vida e religião?
Existe uma clara ligação entre qualidade de vida e a popularidade das religiões, e eu não estou falando em tamanho da economia, porque os EUA são um país rico e religioso. Isso é mais fácil de medir em indicadores de saúde social, como taxas de aborto, de gravidez na adolescência, de suicídios, de doenças sexualmente transmissíveis, de homicídios, de crimes de um modo geral. Quanto mais religiosa uma nação, piores esses indicadores.
Há coisas que ainda não podem ser totalmente explicadas pela ciência?
Sim, o que houve antes do Big Bang, os buracos negros, detalhes do funcionamento do bóson de Higgs, mas para resolver isso não se usa oração ou religião. Só vamos descobrir mais desses assuntos com ciência.
E qual o futuro da ciência?
O futuro é brilhante para a ciência, e acredito num futuro iluminista sem preconceitos e sem condenações a priori. Mas precisamos ser céticos com respeito a tudo, inclusive dos céticos.
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