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Ironia da história
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Vamos falar francamente: os jovens da esquerda revolucionária dos anos 60 e 70 nunca lutaram pela democracia. Não, pelo menos, por esta que temos hoje e que vem sendo aperfeiçoada desde 1985.
Todos que participaram dos partidos, movimentos, vanguardas e alas daquela época sabem perfeitamente que se lutava pela derrubada do capitalismo e pela implantação aqui de um regime tipo cubano.
E, se não quiserem ou não acreditarem em depoimentos pessoais, basta consultar os documentos produzidos por aqueles grupos.
Poderão, então, verificar, que a única grande divergência entre eles estava no processo. Para alguns, a revolução comunista viria pela guerrilha a partir do campo, no modelo cubano. Para outros, o capitalismo seria derrubado pela classe operária urbana que se formava no Brasil em consequência do próprio desenvolvimento capitalista.
Derrubar o regime dos militares brasileiros não era uma finalidade em si. Aliás, alguns grupos achavam que a instauração de uma “democracia burguesa” seria contraproducente, pois criaria uma ilusão nas classes oprimidas. Estas poderiam se conformar com a busca “apenas” de salários, benefícios, casa própria, carro etc., em vez de lutarem pelo socialismo.
Pois foi exatamente o que aconteceu. E, por uma dessas ironias da história, sob a condução e a liderança de Lula! Uma vez perguntaram a Lula, preso no Dops de São Paulo: você é comunista? E ele: sou torneiro-mecânico.
Uma frase que diz muito. De fato, o ex-presidente jamais pertenceu à esquerda revolucionária. Juntou-se com parte dela, deixou correr o discurso, mas seu comportamento dominante sempre foi o de líder sindical em busca de melhores condições para os trabalhadores da indústria.
Líder político nacional, ampliou seu objetivo para melhorar a vida de todas as camadas mais pobres, não com revolução, mas com crédito consignado, salário mínimo e bolsa família, bens de consumo e moradia, churrasco e viagens. Tudo pelas classes médias.
Mas por que estamos falando disso? Certamente, não é para uma cobrança tardia. É por causa do julgamento do mensalão, mais exatamente por causa das reações de José Dirceu, José Genoino e tantos outros membros do PT.
Os dois ex-dirigentes condenados deram notas escritas, cujo conteúdo tem dois pontos contraditórios.
De um lado, tentam passar uma ilusão, a de que lutavam pela democracia desde os anos 60.
De outro, desqualificam essa democracia ao dizer que a decisão do Supremo Tribunal Federal, poder central no regime democrático, foi um julgamento de exceção e de ódio ao PT, promovido por elites reacionárias que dominam a imprensa e a Justiça.
Eis o velho discurso: a democracia é burguesa, uma farsa que só favorece os ricos.
Ao mesmo tempo, dizem que a vida do povo, dos mais pobres, melhorou e muito sob o governo do PT. Ora, em qual ambiente o PT cresceu, o presidente Lula ganhou e governou? Nesta nossa democracia que, entre outras coisas, levou a este extraordinário momento: Lula e Dilma indicaram os juízes do STF que condenaram Genoino e Dirceu.
O movimento estudantil dos anos 60 e 70 foi uma tragédia. Foram para a política os melhores rapazes e moças. E a política, por causa da ditadura local e da guerra fria global, e mais a ideologia esquerdista então dominante na intelectualidade e na academia, levou à luta armada.
Tratava-se de um tremendo engano político. Como acreditar que uma guerrilha dentro da floresta amazônica poderia terminar com a tomada do poder em Brasília?
Estava claro que a nova classe operária, como os trabalhadores da indústria automobilística, com seu líder Lula, sequer pensava em Cuba, mas sonhava com o padrão de vida dos colegas de Detroit. E os sindicalistas, com posições no governo.
E assim, jovens idealistas e com o sentimento de dever, perderam a vida, foram massacrados em torturas, banidos pelo mundo, famílias arrasadas. É um milagre que tantos deles tenham conseguido recolocar de pé a vida e estejam aí prestando serviços ao país.
Mas não serve para nada tentar esconder essa história. Em vez de tentar mudar o passado, melhor seria uma revisão, uma crítica serena, favorecida pelo tempo passado. Mesmo porque, sem essa crítica, ocorrem as recaídas que, estas sim, podem perturbar o ambiente político.
Felizmente, a democracia, modelo clássico, de Ulysses, Tancredo, Montoro, venceu, não sem uma ajuda dos jovens dos anos 60 e 70.
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Comentários
Há dois erros neste parágrafo.
Primeiro é que quando o sindicalismo metalúrgico do ABC estava no auge, nos anos 80, Detroit chafurdava na decadência econômica e não era modelo prá ninguém.
Segundo que havia sim uma agitação ideológica socialista dentro das fábricas do ABC.
Um tipo bastante particular, local e datado de motivação ideológica, nascido nas ferramentarias e manutenções onde operários especializados conquistaram o nível econômico de classe média - nível econômico de classe média mesmo, não este simulacro criado no governo Lula para inflar as estatísticas -, era comum, por exemplo, ferramenteiros com filhos estudando medicina. Pois esta nova aristocracia operária se ressentia de ter conquistado nível econômico mas ainda serem socialmente "peões", se sentiam inferiozados perante a classe média tradicional que trabalhava de terno e gravata, mas muita vezes ganhava menos que eles, que vestiam macacões sujos de graxa.
Era frequente ouvir nas fábricas ferramenteiros, mecânicos e eletricistas repetindo um discurso que poderia se chamar de Marxismo de Cordel, um recitar de trechos desconexos de informação lidos aqui e ouvidos ali, coisa de gente que tinha progredido economicamente, mas não culturalmente e posava de intelectual perante seus colegas não especializados que ainda viviam as mazelas do proletariado.
A triste ironia da incorreta comparação com Detroit é que ninguém naqueles anos 80 se preocupava com as evidências de que o rico e poderoso ABC Paulista em breve teria o mesmo destino de seu - muito maior - correpondente econômico americano e na década seguinte se veria mergulhado na decadência resultante da fuga de empresas e investimentos na região, tornada inviável pelo sindicalismo politicamente partidarizado pelo PT.
Mais surpreendente ainda foi a volta por cima, na década 2000, com o ABC se consolidando como uma região de classe média - desta vez, classe média de verdade, com nível superior e tudo -, ainda não lá grande coisa culturalmente, mas pelo menos ferramenteiro semi-letrado já não se acha um catedrático. Aliás, nem lembro a última vez que ouvi um ferramenteiro dizer o que lá fosse, a categoria foi praticamente substituída pelas modernas máquinas operatrizes comandadas por computador.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!