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A esquerda revolucionária dos anos 60 e 70 nunca lutou pela democracia

Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
Para os jovens esquerdistas, a democracia era uma coisa burguesa, que só favorecia os ricos.
Eles não queriam que as classes 'oprimidas' progredissem materialmente porque poderiam se acomodar em vez de lutar pelo 'paraíso socialista'.

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=469785&ch=n
Ironia da história

Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

Vamos falar francamente: os jovens da esquerda revolucionária dos anos 60 e 70 nunca lutaram pela democracia. Não, pelo menos, por esta que temos hoje e que vem sendo aperfeiçoada desde 1985.

Todos que participaram dos partidos, movimentos, vanguardas e alas daquela época sabem perfeitamente que se lutava pela derrubada do capitalismo e pela implantação aqui de um regime tipo cubano.

E, se não quiserem ou não acreditarem em depoimentos pessoais, basta consultar os documentos produzidos por aqueles grupos.

Poderão, então, verificar, que a única grande divergência entre eles estava no processo. Para alguns, a revolução comunista viria pela guerrilha a partir do campo, no modelo cubano. Para outros, o capitalismo seria derrubado pela classe operária urbana que se formava no Brasil em consequência do próprio desenvolvimento capitalista.

Derrubar o regime dos militares brasileiros não era uma finalidade em si. Aliás, alguns grupos achavam que a instauração de uma “democracia burguesa” seria contraproducente, pois criaria uma ilusão nas classes oprimidas. Estas poderiam se conformar com a busca “apenas” de salários, benefícios, casa própria, carro etc., em vez de lutarem pelo socialismo.

Pois foi exatamente o que aconteceu. E, por uma dessas ironias da história, sob a condução e a liderança de Lula! Uma vez perguntaram a Lula, preso no Dops de São Paulo: você é comunista? E ele: sou torneiro-mecânico.

Uma frase que diz muito. De fato, o ex-presidente jamais pertenceu à esquerda revolucionária. Juntou-se com parte dela, deixou correr o discurso, mas seu comportamento dominante sempre foi o de líder sindical em busca de melhores condições para os trabalhadores da indústria.

Líder político nacional, ampliou seu objetivo para melhorar a vida de todas as camadas mais pobres, não com revolução, mas com crédito consignado, salário mínimo e bolsa família, bens de consumo e moradia, churrasco e viagens. Tudo pelas classes médias.

Mas por que estamos falando disso? Certamente, não é para uma cobrança tardia. É por causa do julgamento do mensalão, mais exatamente por causa das reações de José Dirceu, José Genoino e tantos outros membros do PT.

Os dois ex-dirigentes condenados deram notas escritas, cujo conteúdo tem dois pontos contraditórios.

De um lado, tentam passar uma ilusão, a de que lutavam pela democracia desde os anos 60.

De outro, desqualificam essa democracia ao dizer que a decisão do Supremo Tribunal Federal, poder central no regime democrático, foi um julgamento de exceção e de ódio ao PT, promovido por elites reacionárias que dominam a imprensa e a Justiça.

Eis o velho discurso: a democracia é burguesa, uma farsa que só favorece os ricos.

Ao mesmo tempo, dizem que a vida do povo, dos mais pobres, melhorou e muito sob o governo do PT. Ora, em qual ambiente o PT cresceu, o presidente Lula ganhou e governou? Nesta nossa democracia que, entre outras coisas, levou a este extraordinário momento: Lula e Dilma indicaram os juízes do STF que condenaram Genoino e Dirceu.

O movimento estudantil dos anos 60 e 70 foi uma tragédia. Foram para a política os melhores rapazes e moças. E a política, por causa da ditadura local e da guerra fria global, e mais a ideologia esquerdista então dominante na intelectualidade e na academia, levou à luta armada.

Tratava-se de um tremendo engano político. Como acreditar que uma guerrilha dentro da floresta amazônica poderia terminar com a tomada do poder em Brasília?

Estava claro que a nova classe operária, como os trabalhadores da indústria automobilística, com seu líder Lula, sequer pensava em Cuba, mas sonhava com o padrão de vida dos colegas de Detroit. E os sindicalistas, com posições no governo.

E assim, jovens idealistas e com o sentimento de dever, perderam a vida, foram massacrados em torturas, banidos pelo mundo, famílias arrasadas. É um milagre que tantos deles tenham conseguido recolocar de pé a vida e estejam aí prestando serviços ao país.

Mas não serve para nada tentar esconder essa história. Em vez de tentar mudar o passado, melhor seria uma revisão, uma crítica serena, favorecida pelo tempo passado. Mesmo porque, sem essa crítica, ocorrem as recaídas que, estas sim, podem perturbar o ambiente político.

Felizmente, a democracia, modelo clássico, de Ulysses, Tancredo, Montoro, venceu, não sem uma ajuda dos jovens dos anos 60 e 70.

Comentários

  • 2 Comentários sorted by Votes Date Added
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited outubro 2012 Vote Up0Vote Down
    Fernando_Silva disse: Estava claro que a nova classe operária, como os trabalhadores da indústria automobilística, com seu líder Lula, sequer pensava em Cuba, mas sonhava com o padrão de vida dos colegas de Detroit. E os sindicalistas, com posições no governo.

    Há dois erros neste parágrafo.
    Primeiro é que quando o sindicalismo metalúrgico do ABC estava no auge, nos anos 80, Detroit chafurdava na decadência econômica e não era modelo prá ninguém.

    Segundo que havia sim uma agitação ideológica socialista dentro das fábricas do ABC.
    Um tipo bastante particular, local e datado de motivação ideológica, nascido nas ferramentarias e manutenções onde operários especializados conquistaram o nível econômico de classe média - nível econômico de classe média mesmo, não este simulacro criado no governo Lula para inflar as estatísticas -, era comum, por exemplo, ferramenteiros com filhos estudando medicina. Pois esta nova aristocracia operária se ressentia de ter conquistado nível econômico mas ainda serem socialmente "peões", se sentiam inferiozados perante a classe média tradicional que trabalhava de terno e gravata, mas muita vezes ganhava menos que eles, que vestiam macacões sujos de graxa.

    Era frequente ouvir nas fábricas ferramenteiros, mecânicos e eletricistas repetindo um discurso que poderia se chamar de Marxismo de Cordel, um recitar de trechos desconexos de informação lidos aqui e ouvidos ali, coisa de gente que tinha progredido economicamente, mas não culturalmente e posava de intelectual perante seus colegas não especializados que ainda viviam as mazelas do proletariado.

    A triste ironia da incorreta comparação com Detroit é que ninguém naqueles anos 80 se preocupava com as evidências de que o rico e poderoso ABC Paulista em breve teria o mesmo destino de seu - muito maior - correpondente econômico americano e na década seguinte se veria mergulhado na decadência resultante da fuga de empresas e investimentos na região, tornada inviável pelo sindicalismo politicamente partidarizado pelo PT.

    Mais surpreendente ainda foi a volta por cima, na década 2000, com o ABC se consolidando como uma região de classe média - desta vez, classe média de verdade, com nível superior e tudo -, ainda não lá grande coisa culturalmente, mas pelo menos ferramenteiro semi-letrado já não se acha um catedrático. Aliás, nem lembro a última vez que ouvi um ferramenteiro dizer o que lá fosse, a categoria foi praticamente substituída pelas modernas máquinas operatrizes comandadas por computador.

    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
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