Exercício de Futurologia - A Organização Universal

Acauan

Exercício de Futurologia - A Organização Universal
Publicado originalmente em 11 de janeiro de 2013, 14h45min

Por Acauan

Em dezembro próximo fará dez anos que publiquei o texto abaixo, um modesto exercício de análise e futurologia sobre a Organização Universal.

Exercícios do tipo pedem que após um tempo razoável suas previsões sejam confrontadas com a realidade dos fatos.

Os comentários sobre a estratégia corporativa da Universal permanecem atuais, sendo que nos dez anos decorridos desde aquele algumas diretrizes ganharam destaque:

1. Aumentar o market share na classe média.
Nos últimos dez anos a Universal mudou o perfil de suas sedes. Quando escrevi o texto a maioria de suas unidades estavam instaladas em velhos galpões mal e porcamente adaptados para se passar por igrejas e situados em áreas desvalorizadas das grandes cidades, onde os imóveis eram mais baratos.
Hoje os prédios que ostentam na fachada o slogan corporativo "Jesus Cristo é o Senhor" continuam mal e porcamente imitando igrejas - o padrão são paralelepípedos de concreto pré-moldado maquiados sem qualque noção de estilo com pilares e vitrais -, porém são construções novas posicionadas estrategicamente em áreas urbanas centrais, valorizadas e visíveis.
A tentativa de conquistar a classe média se evidencia também na oferta de produtos da Organização, priorizando a propaganda de eventos como as Correntes e Reuniões dos Empresários. O público alvo são pequenos comerciantes cujo potencial de crescimento pode criar uma clientela cativa de poder aquisitivo maior que o nicho de origem da Universal nas classes D e E.
Outra ação foi o aumento das exigências para franchising. O interessado em abrir um estabelecimento com a marca Universal deveria comprovar capacidade de arrecadação mínima de R$ 150.000,00 por mês.

2. Rumos da ofensiva política.
A Organização Universal comprou seu próprio partido político, o Partido Liberal que incluía nos seus quadros o então vice-presidente da república, hoje falecido. Sob esta sigla foram eleitos vários "bispos" da Organização Universal para cargos legislativos, formando uma bancada própria sob as ordens de Edir Macedo. O resultado não foi exatamente o planejado pelo proprietário da Universal. Vários de seus subordinados que adquiriram um mandato parlamentar viram as prerrogativas do cargo como uma carta de alforria e se lançaram em carreira solo. Os exemplos de Paulo de Velasco e do "bispo" Rodrigues são ilustrativos, cada qual à sua maneira.
Macedo continuou a patrocinar sua bancada privativa, mas desistiu de ter o seu próprio partido e o PL foi extinto.
Sem um partido prá chamar de seu, a Universal reforçou seu pacto com o Partido dos Trabalhadores e passou a servir de vassalo do partido governante entre a comunidade evangélica, arregimentando eleitores para Lula junto a um público tradicionalmente averso às políticas esquerdistas.
Macedo vem concentrando seus esforços políticos em quem concentra também a confiança, o senador Marcelo Crivella.

3. O Fator Valdemiro
Quando eu escrevi o texto original abaixo sobre o Futuro da Organização Universal, a Igreja Mundial do Poder de Deus de Valdemiro Santiago estava em seu quinto ano de existência e eu mal me lembro se me dava conta da existência dela na época. Nada então sugeria que aquela se tornaria a principal concorrente da Organização Universal, atacando com agressividade o nicho de mercado que Macedo passara a desdenhar - os pobres.
Enquanto Macedo investia na melhoria estrutural de suas sedes (estrutural, não estética) e priorizava a conquista da classe média, Valdemiro instalava suas filiais sob qualquer teto suportado pelas paredes, enquanto mantinha sua imagem na TV vinte e quatro horas por dia, oferecendo às massas um espetáculo primitivo resumível em uma infinita fila de alegações de milagres, gritarias e pedidos de dinheiro.
O estranho é que funcionou e a Universal passou a perder não apenas fiéis para o empreendimento do "Apóstolo" como também obreiros e pastores, profissionais muito bem treinados na arte de arrancar doações e cujo golpe Macedo sentiu.
Toda a estrutura corporativa da Universal, baseada em delegação de autoridade e cobrança de resultados se viu ameaçada por um grosseiro culto à personalidade, personalidade esta não das melhores, mas há um ditado popular que promete cem anos de perdão a quem ganha este tipo de disputa.

4. A definição Teológica
Há dez anos a Organização Universal não tinha definição teológica.
Continua não tendo.
No livro "A Libertação da Teologia", Macedo deixou claro seu desprezo pela idéia de comprometer-se com uma linha teológica, seja ela qual for. Na Universal é teológico o que Macedo diz que é e ponto.
No texto original cogitei a possibilidade de no futuro a Universal se afastar gradativamente do sincretismo e adotar posturas cristãs mais conservadoras. Era uma previsão de longo prazo, dando a Igreja Mórmon como referência, que se algum dia der sinais de se cumprir este dia será após a morte de Edir Macedo.
Nestes dez anos o sincretismo da Universal assumiu sua cara sem medo de ser feliz e muito menos de ser ridículo. Seus produtos cada vez mais se direcionam a um público que socialmente se denomina cristão evangélico mas cujo fundo da alma anseia por um terreiro de Umbanda. Um dos mais recentes desta família de serviços é o Sagrado Fechamento de Corpo, que dispensa comentários adicionais.
Mudanças no relacionamente com os Católicos Romanos. Como dinheiro não tem denominação religiosa, o discurso original frontalmente hostil ao catolicismo - vide episódio Santa 1 x 0 Didini - foram substituídos por abordagens conciliadoras, com convites sutis para que católicos participem das libertações e vitórias oferecidas pela Universal. A preço de tabela, claro

O futuro da Organização Universal
Publicado originalmente em 22/12/2003 15:50:37

por Acauan

A Organização Universal de Edir Macedo é um fenômeno peculiar, uma instituição construída sobre uma doutrina sincrética e sem fundamentação teológica que venceu a competitiva disputa por fiéis, travada no mesmo espaço em que uma miríade de seitas evangélicas concorre pelo mesmo objetivo.

As explicações para tal resultado são mais facilmente encontráveis nas teorias de marketing e de gestão empresarial do que nos livros da Bíblia.
Macedo enxergou um mercado carente de determinados serviços, criou uma organização focada em suprir estas carências, estabeleceu canais de comunicação que garantiam que sua organização se mantivesse antenada nas necessidades e expectativas de seus clientes e montou uma estrutura ágil e flexível para responder prontamente às variações destas necessidades e expectativas.

Não há portanto nenhuma surpresa no fato da Organização Universal ser um sucesso empresarial, a dúvida reside em qual é o seu futuro como instituição religiosa?

Não sei se alguém aqui (fora os casos óbvios) já entrou num estabelecimento da Universal. Para o observador da religião é um experimento comparativo muito interessante e elucidativo entrar num templo Católico Romano e numa sede da IURD.

A sensação ao visitar uma igreja católica é de anonimato. Qualquer um pode entrar, olhar, ficar um tempo e sair sem que sua presença chame a atenção de ninguém, com a possível exceção de alguma beata curiosa.

Ponha os pés em qualquer prédio da Universal e no exato momento em que adentrar aos domínios de Macedo sua presença será registrada, sua identidade será checada e sua condição de novo cliente em potencial reconhecida. Será questão de segundos ou no máximo minutos até um obreiro ou mesmo pastor vir falar com você.
Algo como entrar em uma loja de sapatos de um shopping. Se você disser que está só olhando tudo bem, mas sua presença não passará despercebida.

A Organização Universal também inovou ao definir seus objetivos de market share (participação de mercado). Enquanto a maioria das igrejas evangélicas disputa continuamente os clientes da concorrência direta – outras igrejas evangélicas - e indireta – católicos romanos e não religiosos -, a Universal foi a primeira a lançar uma estratégia agressiva e especializada para conquistar o gigantesco mercado brasileiro dos cultos sincréticos, afros e espíritas, apresentando-os como demoníacos por um lado e incorporando sem qualquer pudor sua linguagem, figurinos e rituais por outro.

Este vigor competitivo se deve principalmente a maior flexibilidade que a Organização Universal possui em relação às igrejas concorrentes.
Pastores e dirigentes de denominações neo-pentecostais travariam longas discussões sobre se a Bíblia autoriza ou não que a repreensão de demônios seja feita por homens vestidos de branco, imitando assim os mesmos pais-de-santo que combatem.
Na Universal faz-se uma reunião, decide-se que a partir da próxima sessão do descarrego todos os pastores e obreiros deverão trocar os ternos por roupas e sapatos brancos e cumpra-se. A cada decisão deste tipo a concorrência é deixada para trás com suas discussões teológicas, apologéticas, exegéticas e escatológicas que em nada ajudam o bom andamento do negócio.

O empreendimento Universal tem, portanto uma estrutura de business mais digna de ser analisada na revista Exame do que na Eclésia.

Voltamos então à dúvida colocada alguns parágrafos atrás, se e como a Universal pode consolidar-se como instituição religiosa, com teologia e doutrina definidas e consistentes.

Qualquer resposta à esta dúvida será, é claro, mera especulação, mas não há motivos para duvidar de que assim como soube explorar os mercados onde se propôs a atuar, a Universal tem plenas condições de adotar e consolidar uma teologia própria, afastando-se gradativamente do sincretismo e assumindo posições mais conservadoras e permanentes nas questões doutrinárias.

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), tem fundadores e origens muito mais distanciadas da tradição cristã do que Edir Macedo e seu empreendimento, o que não a impediu de firmar-se como poderosíssima força religiosa, praticamente dona da cidade de Salt Lake City e a mais influente instituição dentro do estado americano de Utah.

Os Mórmons são a prova de que origens questionáveis, fundadores suspeitos e doutrinas inconsistentes não impedem uma religião de se consolidar e se perpetuar.

A questão que resta é, seria esta a vocação da Universal?
A Organização montou em torno de seu núcleo um grupo de empresas, assumiu o controle do partido político ao qual pertence o vice-presidente da República e não esconde uma forte disposição de colocar um dos seus, possivelmente o senador pelo Rio de Janeiro, Marcelo Crivela, no escalão mais alto da república.

Se forem tão bem sucedidos neste propósito quanto foram no de conquistar fiéis e construir um império empresarial, a Universal será a primeira instituição brasileira a manter um projeto de poder com ramificações nos setores econômico, político e religioso da sociedade.

Ironicamente, se triunfar neste intento, talvez perca as características iniciais que a fizeram chegar aonde chegou, ação focada e flexibilidade, e quem sabe termine por se implodir e fragmentar-se em facções dissidentes após a morte de seu fundador e líder máximo.

Mas como eu disse, isto é apenas especulação.

Acauan

Prá quem quiser se aprofundar um pouco mais no assunto:

A POLÍTICA DA IGREJA UNIVERSAL E SEUS REFLEXOS NOS CAMPOS RELIGIOSO E POLÍTICO BRASILEIROS*, Ari Pedro Oro

Os “políticos de Cristo” – uma análise do comportamento político de protestantes históricos e pentecostais no Brasil, LEONILDO SILVEIRA CAMPOS

Nos Bastidores do Reino, a Vida Secreta da Igreja Universal, Mario Justino

Neotribalista

Acauan disse: Há dez anos a Organização Universal não tinha definição teológica.
Continua não tendo.

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Quanto tempo levou para os mórmons adotarem alguma definição teológica própria? Os fundadores já tinham morrido? A definição teológica mormon vale tanto para o mormonismo true (poligâmico) quanto o reformista (não sei exatamente qual título caberia aqui, não entendo nada de mórmons). No início, não era apenas um culto à personalidade de Joseph Smith Jr a la Mundial?

Acauan

Apatico disse: Quanto tempo levou para os mórmons adotarem alguma definição teológica própria? Os fundadores já tinham morrido? A definição teológica mormon vale tanto para o mormonismo true (poligâmico) quanto o reformista (não sei exatamente qual título caberia aqui, não entendo nada de mórmons). No início, não era apenas um culto à personalidade de Joseph Smith Jr a la Mundial?

Pior. Na origem, os Mórmons liderados por seu fundador Joseph Smith agiam como algo comparável a um grupo de gangstêrs que recorria à violência e intimidação para conquistar seus objetivos, coisa que, de modo geral, não consta do comportamento padrão da Universal e Mundial (há casos de ataques a cultos afro, mas em geral não vão além de baderna promovida por algum membro mais idiota.)

É difícil dizer em que proporções Joseph Smith era maluco ou picareta, mas o cara superava Valdemiro e Macedo juntos.

Neotribalista

Quando a prefeitura fecha algum barracão do Valdemiro porque não há condições mínimas de segurança para se ministrar cultos, Valdemiro ameaça reunir todo o seu povo e tocar o terror nas ruas de SP.

Não sei dizer se já cumpriu e se tem mesmo alguma intenção de confronto direto com as autoridades e a sociedade.

Acauan

Apatico disse: Quando a prefeitura fecha algum barracão do Valdemiro porque não há condições mínimas de segurança para se ministrar cultos, Valdemiro ameaça reunir todo o seu povo e tocar o terror nas ruas de SP. Não sei dizer se já cumpriu e se tem mesmo alguma intenção de confronto direto com as autoridades e a sociedade.

Valdemiro é grotesco, mas de bobo não tem nada.
Ele usa uma tática muito conhecida na política brasileira que é a de radicalizar em público e conciliar em particular.
O dono da Mundial sabe muito bem que conquista muito mais benesses políticas oferecendo votos do que ameaças.
Além disto, uma convocação do tipo pode ser um tiro que sai pela culatra. O tipo de povo que acorre aos galpões do Valdemiro é notoriamente apático a manifestações políticas e no geral morre de medo de confrontos com a polícia - a experiência nas periferias ensina.
Há o risco do Chefão convocar seu "milhão de fiéis" e aparecer meia dúzia de gatos pingados. Seria uma derrota que ele preferiria não arriscar.
Mesmo que o tal milhão de idiotas acorresse ao chamado de seu "Apóstolo", há sempre o risco da manifestação que se queria pacífica descambar para a baderna, o que se exibido na TV teria forte impacto negativo.
E o arqui-rival Macedo é dono de TV.