Resenha de Glen Bowman.
A religião foi a fundação do mundo antigo, do mundo medieval e, por um bom tempo, do mundo moderno. Ao insistir na separação entre religião e estado, os fundadores dos Estados Unidos estavam contradizendo virtualmente todo o precedente histórico. Tradicionalmente, religião e sociedade são tão interconectadas quanto listras de açúcar em um talo de cana. Um texto histórico que negligencia este fato ou o trata de forma superficial deveria ser enviado à reciclagem. Thomas Woods, autor do livro “Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental”, quase certamente deve concordar, na medida em que declara que a “falta geral de conhecimento” da história da igreja entre os estudantes (3) e os “incessantes contos de credibilidade variada” sobre a “Idade das Trevas” comuns nas aulas de história no ensino médio (1). Embora ele ofereça pouca evidência além da anedótica sobre isso, eu sou obrigado a concordar. Também não posso discordar quando ele diz que os estudantes deveriam aprender sobre a influência do Cristianismo na Civilização Ocidental (eu acrescentaria Civilização do Mundo Ocidental).
Dito isto, eu não posso recomendar este livro, seja para uma audiência leiga, seja para uma especializada. Embora fácil de ler e, em alguns pontos, mais que adequado, ele tem simplesmente muitos problemas — tanto no conteúdo quanto na metodologia. No fim, você se pergunta: trata-se de história ou hagiografia (NT: biografia de santos)? A tese do autor pode ser encontrada tanto na primeira página quanto na capa: a Igreja Católica “construiu a civilização ocidental” (1). É aparente mesmo para o observador mais casual que a igreja moldou a cultura Ocidental por meio da arte, música e arquitetura. Mas Woods está dizendo muito mais que isso. Ele está dizendo que, em sua visão, a igreja é responsável por “uma das maiores contribuições intelectuais — inigualável — para o mundo” — a universidade (47). Foi o catolicismo que “possibilitou” a Ciência e não é coincidência que a moderna Ciência “se desenvolveu imensamente no meio Católico” (67). Além disso, a igreja católica deu “origem” à “distintiva idéia ocidental” de lei internacional (135) bem como à idéia de direitos naturais (202). A moralidade ocidental foi “moldada decisivamente pela igreja católica” (203). Também, pensadores católicos foram os “fundadores” da moderna economia de livre mercado (153). Em sua maior parte, o livro de Woods é fácil de ler e muito do que ele diz não é alvo de controvérsia. De muitas maneiras, a igreja preencheu o vácuo que se formou com o colapso do Império Romano do Ocidente. Como a força dominante na Europa em termos políticos, culturais, sociais e, obviamente, religiosos por muitos séculos, a Igreja com certeza moldou muito da civilização no ocidente. Não é necessário ser católico para compreender que Woods – parte historiador, parte apologista – muitas vezes diz a verdade.
Contudo, há um erro fatal em seu argumento e não está no que ele diz, mas no que omite.
O clássico atemporal de 1939 “The Fine Art of Propaganda” descreve várias técnicas usadas em manipulação. Uma delas é o “card-stacking”[1]. É o equivalente retórico do fisiculturista que veste camisas apertadas para exibir seus músculos dos braços e tórax ao mesmo tempo em que usa calças largas para esconder suas pernas não treinadas. Empilhadores de cartões superestimam a significância da evidência que suporta o seu argumento enquanto minimizam ou mesmo negligenciam a evidência que o enfraquece. Em uma biografia (ou autobiografia), as partes mais gloriosas vão para o pedestal enquanto o que não orgulha é escondido. Não sei se Woods joga cartas, mas ele definitivamente sabe como empilhá-las. Devido ao espaço, apenas forneço alguns exemplos. Woods aponta que a “tarefa crucial” dos monges era a “preservação da Bíblia”, uma observação correta, é claro (42). Contudo, ele falha em notar o papel significativo da Igreja Católica Romana em desencorajar que os crentes católicos a lessem. Woods nem mesmo menciona Desiderius Erasmus, o que é revelador, uma vez que o “Príncipe dos Humanistas” tinha uma das maiores mentes de toda a história Católica e usou seu domínio de linguagens antigas para produzir uma versão grega do Novo Testamento que os protestantes usaram como base para as suas traduções. A oposição da igreja a este esforço sem dúvida ajudou na manutenção da ignorância de muitos europeus; como nota David Cressy, em regiões protestantes (onde a Bíblia era muito mais fácil de obter) o número de pessoas que sabiam ler aumentou rapidamente após a Reforma.
Mesmo se fosse dado a Woods uma segunda chance, isso não adiantaria muito, uma vez que ele repete seus erros em praticamente todos os capítulos. Ele destaca como alguns católicos espanhóis discutem a teoria econômica de livre mercado bem antes de Adam Smith, embora não mostre que houve muito pouco “livre mercado” durante o longo período em que a igreja se opôs à especulação, empréstimo de dinheiro com juros e ganho de lucros. Não apenas isso, mas logo depois da descoberta de Colombo, o Papa Alexander VI decretou uma bula que efetivamente dividiu as Américas em esferas de influência, dando início a um período de séculos não de capitalismo de mercado mas sim de Mercantilismo, uma filosofia que se opunha ao livre comércio. Além disso, embora seja verdade que Bartolome de Las Casas e outros padres tenham se oposto ativamente à escravidão e aos maus tratos de nativos americanos (145-146), é perigoso pensar que isso prova que a igreja Católica consistentemente tenha apoiado os direitos humanos. Ela não o fez. Alguns papas defenderam a escravidão de muçulmanos e de outras pessoas, um fato que Woods convenientemente omite.
Para ser justo, Woods não evita inteiramente as inconsistências e fraquezas da igreja. Ele oferece uma limitação de responsabilidade: “nenhum católico sério deveria sustentar que as pessoas da igreja estiveram certas em todas as decisões que tomaram” (2). É difícil ficar impressionado com esta admissão, como se já não fosse óbvio que não há pessoas perfeitas. Desapontado vai ficar o leitor que estiver procurando por uma visão equilibrada da contribuição total da Igreja para a civilização. O historiador Eamon Duffy (eu tive a oportunidade de conhecê-lo quando estava na graduação, um grande sábio) escreveu uma história do papado chamada “Saints and Sinners” (NT: Santos e Pecadores). Woods, ao contrário, apenas discute os santos, como se, ao ignorar o resto (aqueles que maltrataram os judeus, suportaram o fascismo e violaram os ideais de fé cristã e decência humana), eles deixassem de existir.
Woods também empilha cartas ao dar pouca atenção ao verdadeiro construtor da Civilização Ocidental: a antiguidade clássica. Enquanto ele não ignora por completo o impacto de Aristóteles e outros brilhantes pensadores, tais como os Estóicos, frequentemente ele os elogia por mera educação. Considere a óbvia generalização oferecida de forma relutante “A igreja emprestou do mundo antigo, com certeza” (219). Ao dizer isso, Woods pode pensar que ele deu a atenção adequada à antiguidade clássica, mas não é o caso. Muito do que a igreja “construiu” foi sobre o que restou da civilização greco-romana e ela nem sequer foi a primeira a tirar a poeira dos escombros (muçulmanos na Espanha eram em muitos aspectos mais civilizados que os cristãos). Os teólogos, filósofos e monges que moldaram a vida intelectual das eras medieval e moderna estiveram mais envolvidos com “melhorias” (home improvements) que “construção” (building) da civilização ocidental.
Um dos exemplos mais intrigantes de empilhamento de cartas ocorre no capítulo cinco, quando Woods tenta descrever Galileu como o culpado e a Igreja Católica como a vítima frequentemente criticada. O problema de Galileu é que ele “insistiu em uma verdade literal” da teoria de Copérnico (71) sem “nada que se aproximasse de evidência adequada” (70). Woods não é o primeiro a dizer isso. Sua defesa é melhor que a de muitos, mas logo se mostra falha.
Sem dúvida, é injusto atribuir tanta culpa à Igreja Católica Romana. Certamente, Galileu tem sua parte da culpa. Algumas vezes teimoso, outras difícil (sem surpresas — ele era um acadêmico), ele poderia ter lidado melhor com a situação. De acordo com Woods, Galileu “ignorou a instrução para tratar o modelo de Copérnico como mera hipótese em lugar de uma verdade estabelecida”. Embora isso seja verdade, Woods apresenta apenas uma parte do quadro (73).
Com certeza o papa Urbano VIII apoiou a acusação de heresia, mas não é possível saber porque exatamente, hoje em dia. Alguns dizem que foram motivos puramente políticos. Urbano foi um político duro em uma época em que isso era muito valorizado e, de acordo com a maioria das fontes, ele estava mais interessado em obter poder que buscar a verdade (ou proteger quem a buscava). De acordo com uma teoria, Urbano ficou áspero desde que alguns líderes na Igreja discordaram do suporte que ele deu para forças protestantes durante a Guerra dos Trinta Anos. Para aqueles que viram o conflito apenas como um confronto entre protestantes e católicos, as alegações de Urbano não faziam sentido. Galileu era um amigo dos Médici na Itália e eles eram inimigos de Urbano. Assim, Galileu estava entre os dois e, portanto, era culpado por associação. Uma teoria melhor é que o papa se sentiu traído por seu velho amigo Galileu que o “insultou” em seu “Dialogue Concerning the Two Chief World Systems”, publicado em 1632.
O fato é que ninguém sabe com certeza o que os dois realmente pensavam. A acusação oficial estabelece que Galileu se comprometeu ao defender “várias proposições contrárias à verdade e à autoridade da Escritura Sagrada” e, entre esses, estavam incluídas “a afirmação que o Sol está no centro“ e a “afirmação que a Terra não está no centro”. Foram estas as razões reais? Quem sabe? Quanto à acusação de que Galileu apoiava tais hipóteses sem evidência adequada, poucos líderes da Igreja compreendiam Matemática e Física o suficiente para determinar isso, de qualquer modo. A maioria deles eram filósofos ou teólogos – homens brilhantes, mas não qualificados para julgar os argumentos de Galileu.
Woods defende que o fiasco de Galileu não prova que a Igreja era contrária à Ciência. Muitos cientistas da época aparentemente não concordariam com Woods, uma vez que depois disso, muitos deles não se sentiram inclinados a publicar em países predominantemente católicos. No futuro, foram as nações de maioria protestante, tais como a Inglaterra, que se tornaram as líderes européias em ciência, tecnologia e, mais tarde, indústria, em parte porque os cientistas sentiam-se muito mais confortáveis em conduzir suas pesquisas naqueles países.
Um dos desenvolvimentos mais importantes da revolução científica foi a adoção crescente do método científico. Historiadores também são treinados em metodologia, mas uma diferença está na documentação. Espera-se que eles empreguem as chamadas fontes primárias [NT: documentos escritos na época dos eventos por alguém com conhecimento pessoal direto de tais eventos]. Eles também precisam usar outras fontes, tais como artigos e monografias de história publicadas anteriormente, mas elas são de menor importância. Esta é a razão pelas quais são chamadas “secundárias”. Como um PhD em História. Woods conhece as técnicas corretas de pesquisa histórica. Por alguma razão, neste livro, o seu domínio destas técnicas não é particularmente evidente.
Woods destaca que dada a ignorância atual em relação à história “é frustrante ser um historiador medieval da Europa” (3). Esta é uma das poucas vezes que Woods faz um apelo sério para uma moderna re-avaliação da Idade Média. Woods cita Norman Cantor (14) mas o nome de Cantor não aparece na bibliografia, de forma que não há como saber de onde ele vem (um dos muitos exemplos de descuido – não há também nenhuma nota de rodapé a respeito). O uso que Woods faz de fontes secundárias desatualizadas é particularmente embaraçoso quando ele afirma que o lógico Pedro da Espanha mais tarde se tornou o papa João XXI (57). Hoje, nós não sabemos mais com certeza se ele realmente se tornou papa, algo que um historiador familiar com trabalhos mais recentes da academia deveria saber.
Há outros problemas de metodologia. Considerando que este livro enfatiza a história medieval, o autor deveria ter usado fontes primárias da era medieval. É difícil encontrar alguma coisa assim neste livro. Que tal manuscritos em latim e outros materiais da idade média, fontes chaves para qualquer estudante sério do período? Ao menos um — mas, de fato, não há nada.
Uma maneira usada por estudantes não graduados (e até alguns graduados) para aumentar o tamanho dos seus trabalhos é copiar parágrafos de material de fontes secundárias que podem ser facilmente parafraseados e colados. Esta é uma técnica popular entre meus alunos, a segunda mais comum em minha opinião, depois da estratégia de aumentar a fonte ou a margem do texto. Eu fiquei surpreso de ver tantos exemplos desta estratégia neste livro (alguns fragmentos têm quase o tamanho de uma página inteira!). Isto não é necessariamente evidência de uma pesquisa descuidada, mas certamente parece pouco profissional.
Embora Woods não afirme que procura promover auto-respeito entre Católicos, ele deixa muitas pistas verbais, a começar pelo primeiro parágrafo, de que este é um dos seus objetivos. Ele afirma, sem evidência, que “pouca coisa está além dos limites do que ridicularizar e parodiar a igreja” e vê de forma favorável a afirmação de que o anti-catolicismo “é um dos preconceitos aceitáveis restantes na América” (1), uma conclusão com a qual judeus, homossexuais, obesos e muçulmanos, para citar alguns, podem não concordar. Como pai de uma criança com uma forma severa de autismo, eu já vi exemplos de discriminação em escolas, negócios e mesmo na igreja, o que me faz pensar que a afirmação defendida por Woods é extremamente ingênua. Woods também ataca protestantes em alguns pontos, uma conduta não muito adequada para alguem que professa uma fé. Em geral, a falta de isenção histórica em várias partes do texto lembra os panfletos de Jack Chick [NT: Jack Chick é um fundamentalista cristão evangélico que defende idéias como a que a Terra tem 6000 anos e que o homossexualismo é pecado]. Se Woods fosse honesto na introdução e avisasse aos leitores que o que eles vão ler não é história, mas ideologia, então poderíamos ignorar sua panfletagem entendendo-a como marketing.
Seria um erro, contudo, imaginar que Woods quer chatear seus leitores. Sem dúvida a sua audiência é o católico paranóico que realmente acredita que sua fé não é respeitada. Woods conhece bem sua audiência e compreende a importância de apelar aos valores dela. Uma das razões que levaram Regnery a ser uma grande publicadora é que ela entende o seu mercado e dá ao seu público o que ele quer ler. Da mesma forma, Woods descreve a igreja de uma forma que tem grande apelo junto a leitores mais conservadores. Isto é uma ótima estratégia de marketing, com certeza, mas é o certo do ponto de vista acadêmico?
Ao focar em ciência, economia de livre mercado, educação e outros interesses do século vinte, Woods infelizmente pinta a igreja de uma forma que ela não é: uma instituição primariamente secular. A igreja ao longo dos séculos teve duas funções principais: adorar a Deus e santificar almas individuais. Para alcançar estes objetivos espirituais, não terrenos, enquanto sob constante ameaça de fora e de dentro (heresia, Islã, feudalismo, novos monarcas), a igreja foi forçada a fazer o moralmente repugnante jogo da política pelo poder e se envolver em atos de violência e tortura. Há muitos exemplos famosos (e infames) deste tipo de liderança papal: Gelasius I, Urbano II e suas cruzadas, Inocêncio III e os papas da renascença que mais pareciam membros da Família Soprano (NT: uma série de TV sobre uma família de mafiosos). E quem pode esquecer de Torquemada?
Alguns dos críticos de religião gostam de apontar para estes exemplos de liderança maquiavélica como se a igreja estivesse ou pudesse estar interessada apenas em poder. Mas este não é seu interesse principal. Nem ciência, nem filosofia, nem arte, nem educação ou qualquer forma de tortura contra suspeitos de heresia, nem guerras contra inféis. Estas foram apenas ferramentas – algumas justificáveis, outras não – para alcançar seu grande objetivo: o reino de Deus.
O fato de Woods achar necessário destacar as conquistas seculares da Igreja para ter apelo junto a leitores modernos sugere que talvez nós ESTEJAMOS vivendo em um mundo sem Deus (o título da conclusão de Woods). Aqueles que estudam a Cristandade de direita são sempre surpreendidos pelo materialismo, pelo desejo por poder, pelo apelo, em termos Paulinos, não aos frutos do Espírito, mas aos frutos da carne. Na verdade, algumas das pessoas vistas publicamente como os “certinhos religiosos” parecem estar perseguindo seus próprios desejos egoístas (me-atitudes) em lugar dos ensinamentos de Jesus (beatitudes). Voltando a Santo Agostinho, só nos resta imaginar onde eles realmente vivem: na Cidade de Deus ou na Cidade dos Homens?
Se esta resenha fosse escrita para uma publicação acadêmica, e não para um blog sobre assuntos contemporâneos (NT: esta resenha foi escrita para o blog
http://www.isthatlegal.org/), eu não tentaria fazer isso, mas uma boa ilustração do meu ponto é a infeliz controvérsia de Terry Schiavo no verão de 2005 (NT: norte-americana que esteve no centro de uma discussão sobre o direito de morrer, após seu marido decidir desligar os aparelhos que a mantinham viva e contra a vontade dos pais da moça. O caso foi para a Justiça que acabou negando os pedido dos pais em face do diagnóstico dado pelos médicos). Anos de teste revelaram a verdade terrível: dano irreversível no cérebro. Uma tragédia, sem dúvida. Mas para quem acredita que Deus está no controle, é apenas uma infelicidade temporária, um prelúdio para a glória eterna. Mas em lugar de deixá-la seguir ao paraíso, onde ela deveria receber, de acordo com a Bíblia, um corpo novo, muitos crentes fizeram de tudo para lhe negar isto e mantê-la na Terra, deitada sem esperança em um leito de hospital, ostentada pela televisão. A persistência deles em face de toda evidência médica em contrário só faz sentido se acreditarmos que este é o único mundo que existe, que a morte representa um fim absoluto. Um triste contraste com a bravura de tantos mártires ao longo da história do Cristianismo que seguiram para as suas mortes de crueldade absolutamente indescritível, excitados por poderem finalmente ver a face de Deus e ir para o único mundo que realmente importava.
Mesmo que Woods não afirme isso diretamente, é muito claro o que este livro é: uma história “católico-centrada”. Minha reação a esta forma de lidar com o passado é ambígua. Embora a abordagem de “ensino de filosofia por meio de exemplos” possa parecer tão ultrapassada quanto o saguão da faculdade onde apenas professores homens sentavam, fumando seus cachimbos e tomando goles de vinho seco, eu acho que há mérito em ter os jovens estudando sobre o passado em parte para inspirá-los a serem mais direcionados, pessoas mais centradas.
Estudar a história africana intensivamente pode certamente encorajar africanos ou estudantes afro-americanos a restaurar a África para a glória que já teve no passado. Se alguém quer uma lição objetiva sobre porque é importante se opor ao preconceito, esta lição pode ser achada na longa história do antissemitismo. Da mesma forma, a história da Cristandade de Woods, embora desnecessariamente parcial, pode inspirar tanto católicos quanto protestantes — sim, protestantes, já que a história anterior à reforma que ele descreve aplica-se igualmente aos protestantes, pois é a sua história também. A igreja católica romana honra o seu próprio passado quando canoniza alguns notáveis crentes como santos. Se este processo ajuda os católicos a serem mais fortes em sua fé, que o façam. Eu irei sempre apoiar por completo o engrandecimento de todos os meus irmãos e irmãs católicos.
Apesar disso, a promoção do orgulho próprio não pode ser o objetivo principal da escrita e do ensino da História. Acima de tudo, espera-se que historiadores valorizem ao máximo os princípios científicos. Eles devem procurar vigilantemente a sempre tão elusiva verdade e, na maior parte das vezes, deveriam deixar os textos motivacionais para Tony Robbins e Dr. Phil. Historiadores são por vezes contadores de estórias, mas eles nunca deveriam contar apenas um lado da história. Infelizmente, é exatamente isto que Woods faz aqui.
Isto não significa que historiadores possam tornar-se objetivos meramente por força de vontade, desligando seus sistemas de valores como se eles fossem luzes de natal. Se alguém está interessado em produzir bom material acadêmico, e não propaganda, então deve procurar os conselhos e orientações dos pares (é notável que nenhum dos revisores na contra-capa do livro seja um historiador) que irão avidamente nos dizer se estamos distorcendo o passado. Aqueles mais interessados em promover uma agenda, e aqueles que tratam com desdém os padrões tradicionais do se fazer história, vão certamente evitar isso.
No fim das contas, supõe-se que estamos escrevendo sobre História, não Hagiografia.
Glen Bowman (Ph.D., University of Minnesota) é professor associado de História e coordenador do World Civilizations na Universidade Estadual de Elizabeth City, Elizabeth City, NC. Ele publicou artigos sobre o Santo Thomas More, teóricos políticos católicos Elizabetanos, John Donne, pensamento utópico, propaganda da Reforma e outros aspectos da igreja e do estado. Ele escreveu e editou “World History Reader” e está concluindo “Selling the English Reformation”, um estudo da carreira do propagandista protestante John Ponet.
Link original:
http://www.isthatlegal.org/archives/2006/01/feelgood_histor.html
[1] “Card-stacking” numa tradução literal seria cartões empilhados. É uma forma de argumentação onde toda a evidência (verdadeira ou falsa) é simbolicamente empilhada, em ordem, de modo que sejam lidas uma a uma, em seqüência, fazendo com que no final, a única conclusão possível seja aquela que o propagandista quer ver aceita. É freqüente nesta técnica a comparação das idéias do propagandista com as idéias dos opositores, porém é feito de tal maneira que o ponto de vista do primeiro parece ser sempre a idéia correta. (N. T.)
Comentários
Que valor intrínseco ao cristianismo teria levado ao progresso do ocidente?
Que parte da mensagem de Jesus teria possibilitado a criação dos impérios baseados em nações europeias que dominaram parte do mundo nos últimos 500 anos?
Jesus nunca pregou a favor da prosperidade material ou do poder político. Nunca defendeu o progresso das ciências. E Paulo, ao chamar de loucura a sabedoria deste mundo, não ajudou em nada. O cristianismo primitivo não tinha templos luxuosos ou uma hierarquia poderosa que interferia nos governos, pelo contrário, a pobreza e o desprendimento dos bens materiais eram uma virtude.
Os crentes (principalmente os católicos) vivem repetindo que foi graças à Igreja Católica que a cultura greco-romana foi preservada durante a Idade Média. Sim e não.
Sim, durante a Idade Média, a cultura se refugiou nos mosteiros enquanto o resto da Europa e até as cortes mergulhavam na ignorância e no analfabetismo.
Não, apenas apenas uma parte da cultura foi preservada, apenas a parte que interessava à Igreja. A cultura e a ciência grega se perderam, já que, depois de uma certa época, ninguém mais sabia grego, e só retornaram à Europa graças aos árabes, que as preservaram e expandiram. Alguém já parou para pensar por que os algarismos arábicos têm esse nome? Ou por que grande parte das estrelas mais conhecidas têm nomes derivados do árabe?
Mas por que a Igreja preservou parte da cultura? Em cumprimento a algum mandamento divino? Absolutamente não.
Acontece que o latim era a língua do cristianismo e da Igreja, assim como o árabe é a língua do islamismo. A liturgia era toda em latim, a Bíblia era em latim, os livros religiosos eram em latim, os documentos emitidos pela Igreja eram (e ainda são) em latim. Portanto, era necessário que o conhecimento do latim escrito e falado sobrevivesse. Isto, e não o amor pela cultura e ciência, preservou o latim e a parte do conhecimento antigo que lhes interessava.
Sim, claro, foi também graças à Igreja, em grande parte, que a cultura voltou aos poucos a se espalhar pela Europa por meio das escolas religiosas, onde as crianças da nobreza estudavam e, mais tarde, das universidades.
Entretanto, o mesmo fenômeno, de certa forma, aconteceu no mundo árabe, dando origem a escolas que preservaram a cultura do mundo antigo e a desenvolveram ainda mais, levando-a depois de volta à Europa através de Portugal e Espanha, e devido às influências recebidas durante as cruzadas.
Só que muitas dessas escolas foram criadas a partir do ano 778 pelo imperador Carlos Magno, que desejava restaurar a grandeza do império romano e precisava de administradores capacitados, e não por iniciativa da Igreja, que apenas foi encarregada da tarefa (embora ela tenha criado suas próprias escolas para preparar seus clérigos, analfabetos em sua maior parte nessa época, para argumentar com hereges e pagãos).
E, também é claro, o progresso continuou fora dos mosteiros, independente da religião. As pessoas, cientistas ou não, continuaram descobrindo jeitos melhores e mais eficientes de se fazerem as coisas. Na Europa e no resto do mundo.
Não esquecendo que esse progresso poderia ter sido mais rápido se os cientistas não tivessem que obter aprovação eclesiástica antes de divulgar suas teorias ou que tivessem que verificar antes se elas não contrariavam a "verdade" das Escrituras (criar problemas com a Igreja era perigoso e fazia mal à saúde...).
Sim, o ocidente tornou-se poderoso nos últimos 500 anos, mas a questão é, repito: qual foi a influência da doutrina cristã neste processo? O que há nas palavras de Jesus que tenha levado a isto e que não encontramos no islamismo ou nas religiões da China, do Japão ou da Índia? O que há no cristianismo que vai garantir que esse poderio continue indefinidamente?
O domínio egípcio durou uns 3 mil anos e se acabou. O império romano durou uns 700 anos e também se acabou. Por que essa coisa indefinida denominada "ocidente" vai continuar no poder eternamente? Os impérios coloniais já desapareceram e o poder econômico já não é tão grande. Muitas nações cristãs nunca foram nem ricas nem poderosas e outras o foram, mas depois entraram em decadência.
O ocidente é hoje o que é devido a ser cristão ou devido a um conjunto de fatores entre os quais a religião é apenas um detalhe? E por que levou 1500 anos para que isto acontecesse?
http://www.antigo.religiaoeveneno.com.br/viewtopic.php?f=1&t=19529
Como não há jeito sutil de dizer isto vou direto ao ponto: Sou fã de carteirinha do Thomas Woods.
Numa comparação que alguns tomarão como herética, acho que Woods faz pela divulgação da ciência historiográfica o que Carl Sagan fez pela Astronomia.
Woods é imparcial?
De jeito nenhum.
Sagan era?
Nem a pau.
Um exemplo é quando Carl Sagan expôs sua versão do assassinato de Hipatia de Alexandria, culpando sem deixar margem à dúvida o bispo da cidade, Cirilo.
Há uma controvérsia histórica sobre quem foi o real mandante do assassinato. Sagan sequer vislumbrou isto, mas sua versão se tornou canônica entre seu público cativo (eu acreditei piamente nela por décadas, até que fui buscar outras fontes).
Pode-se dizer que Sagan não era Historiador e portanto não tinha as mesmas obrigações que Woods de ser imparcial quanto ao fatos, mas ocorre que tanto Sagan quanto Woods se apresentam no papel de cientistas e poucos defenderam mais a imparcialidade como virtude típica da Ciência do que Sagan.
Quanto ao Glen Bowman, sei lá qual é a dele.
Qualquer colegial que leia "Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental" descobre logo nas primeiras páginas que aquele é um manifesto de defesa da Igreja Católica Romana das versões que a culpam de ser uma força obscurantista, inimiga da razão e da ciência, por conta da qual o Ocidente amargou mil anos de estagnação cultural.
Woods assume claramente o papel de advogado de defesa da Igreja, não esconde isto em nenhum momento, inclusive quando fala de sua conversão ao Catolicismo (era protestante).
Bowman julga pelos métodos das bancas avaliadoras acadêmicas uma obra de divulgação cujo propósito explícito é apresentar ao público acostumado com versões anticatólicas da História o outro lado dos fatos. E exige que Woods mostre o outro lado do outro lado, o que não faz nenhum sentido neste tipo de publicação.
Praticamente toda crítica de Bowman se concentra na parcialidade de Thomas Woods, o que seria válido se - por conta desta parcialidade - fossem identificadas falsidades históricas no livro, o que a resenha não mostra. Quando muito coloca em dúvida uma informação secundária que em nada influencia a conclusão geral sobre o texto criticado:
Como "hoje nós não sabemos mais" é diferente de "a informação é falsa", o único erro histórico apontado por Bowman na resenha não é tão grave assim.
No mais, o próprio Bowman parece concordar que no geral as informações de Woods são corretas e reconhece que Woods admite explicitamente erros da Igreja.
Em outro trecho temos uma tentativa de desmerecimento generalizado das fontes usadas por Woods:
Eu poderia dizer que criticar o autor por não citar manuscritos em latim quando fala da Idade Média para público leigo em História é como criticar Stephen Hawking por não exibir as equações diferenciais que explicam seu pensamento em O Universo numa Casca de Noz.
Mas o fato é que as fontes utilizadas por Woods são de qualidade superior à da grande maioria das obras de divulgação histórica, basta checar as notas finais.
E sinceramente dá prá desconfiar quando Bowman diz:
Fica a dúvida se o problema para Bowman na obra de Woods é a ideologia ou QUAL ideologia.
Pela resenha tenho cá comigo minhas dúvidas da isenção ideológica do próprio Bowman, voltando à velha questão de até onde imparcialidade é possível, mesmo naqueles que a cobram.
Vejamos alguns comentários:
Oras, bolas... Woods foi muito explícito - mais impossível - ao se referir a "preconceito aceitável".
Desde quando na America moderna os preconceitos contra as minorias citadas por Bowman são aceitáveis?
Por acaso "ridicularizar e parodiar a igreja" é condenado pelas instituições, meios de comunicação e organizações militantes com a mesma ênfase com que se condena a discriminação de judeus, homossexuais, obesos e muçulmanos?
Se Bowman quer evidências, que use o google e há de encontrá-las em profusão.
Outro exemplo:
Ow. ow, ow... Quem tá evidenciando sua ideologia agora?
Quer dizer que todo público de Thomas Woods é constituído de "Católicos Paranóicos"?
Veja bem, ele não disse apenas católicos ou católicos devotos, disse "católicos paranóicos".
Para quem cobra o compromisso do historiador com as evidências, o que evidencia que apenas Católicos Paranóicos lêem ou apreciam a obra de Woods?
Thomas Woods é um best seller. Podemos concluir que seus milhões de leitores são católicos paranóicos ou concluir que Bownam é preconceituoso com quem lê livros que ele não gostou.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
http://www.antigo.religiaoeveneno.com.br/viewtopic.php?f=1&t=19529
Em resposta, o Acauan cita uma série de vídeos no Youtube onde o próprio Thomas Woods apresenta o assunto do livro.