Dinheiro coletivo e fortuna individual
Por Lúcio Flávio Pinto
No auge da sua valorização, as empresas do grupo X, de Eike Batista, valiam 101 bilhões de reais. Hoje, valem R$ 14,7 bilhões. Que conglomerado empresarial no mundo resiste a uma perda de valor de quase 85% em três anos?
Nesse período, quase R$ 90 bilhões viraram pó, fumaça, cinza, pó, vento. Ainda assim, continua inflacionado artificialmente o valor real da corporação daquele que, no ápice desse crescimento, era o homem mais rico do Brasil e oitavo bilionário do mundo, com pretensões a ser o primeiro em mais dois anos.
É espantoso como esse “caso” não atrai o interesse em profundidade que merece, permanecendo na superficialidade do dito show-biz. É um retrato do Brasil dos nossos dias. Eike é o maior– mas não o único – dos aventureiros de mercado. Cheios de inteligência e argúcia, impetuosidade e falta de escrúpulos, voracidade sem qualquer freio ético ou moral, informações privilegiadas e elos secretos com quem pode produzi-las.
Por seus próprios meios, esses barões não teriam ido tão longe se, no início da sua caminhada, não tivessem participado, em posição vantajosa, do programa de desestatização. A venda de ativos do governo à distância de um efetivo controle da sociedade foi uma realização nociva do governo Fernando Henrique Cardoso.
FHC a herdou da administração Collor, que apenas abriu o caminho, com a desenvoltura que então poucos puderam perceber. Sob o tucanato, a venda do patrimônio público foi ampliada, multiplicada e levada ao extremo da irresponsabilidade, conforme admitido por um dos seus protagonistas.
O efeito multiplicador exponencial, porém, funcionaria a partir de 2003, com Lula e seus agentes aloprados (mas tão vivos, inteligentes e inescrupulosos quanto seus parceiros de negócios do outro lado do balcão estatal). Todas as amarras do controle externo foram liberadas graças aos programas de transferência de renda e de inclusão social.
Esses programas foram iniciados sob o império de FHC, mas mantidos em nível discreto pela idiossincrasia tucana pelo povo, cujo cheiro não recomendava a essas aves de bela plumagem maior aproximação.
Lula é povo e seus cônsules petistas dispunham (e ainda dispõem, já que permanecem com Dilma no poder) de ferramentas para seduzir, convencer e amortecer a grande clientela nacional. Um tanto de programas com um naco de recursos foi o bastante para engordar paquidermicamente a classe média made by PT, desde que seus integrantes se acomodem na faixa de rendimentos de até dois salários mínimos. Nada além de 700 dólares, o que, nos Estados Unidos e outros países de renda próxima, jamais poderia ser traduzido por classe média.
Para os ricos, as tetas cada vez mais gordas e úberes do Banco Nacional do Desenvolvimento e Social. Nunca, na sua história, parafraseando Lula, agora com plena propriedade, o banco fez tantos milionários e bilionários. Não é a toa que seu ativo supera o do Banco Mundial, algo simplesmente inimaginável pouco tempo atrás.
Como a receita própria do BNDES e suas fontes de recursos tradicionais não lhe permitem dar conta de tanta demanda, o tesouro nacional afrouxou os controles e sangrou as burras do erário para fomentar o incremento desejado.
A contabilidade foi devidamente maquilada para esconder as manobras com os números, embora, como seria de se esperar, não escaparam ao olhar clínico dos auditores (que provocaram a elevação do custo do dinheiro que o BNDES for buscar no mercado internacional).
Nem Juscelino Kubitscheck, em seus arroubos de meio século de desenvolvimento em cinco anos de mandato como presidente da república, nem Roberto Campos, o ideólogo do modelo anterior, de pronto-socorro estatal para famintos ESC (Empresários Sem-Capital), sequer sonharam com tanto nos seus maiores momentos de delírio.
Dos R$ 14,7 bilhões que subsistem como matéria sonante no capital das empresas de Eike Batista, R$ 10 bilhões são do BNDES, com a participação coadjuvante da Caixa com 10% desse valor. O quadro é alarmante. Num país sério, dotado de Banco Central para valer, teria resultado em liquidação extrajudicial ou, fora do âmbito jurisdicional específico, seria um caso de polícia, como reage o banco de fomento?
O BNDES, que parecia menos preocupado com o destino do dinheiro que jogou nas letras do bilionário virtual do que em continuar a pintar o cenário de cor de rosa das multinacionais brasileiras, não conseguiu mais manter as aparências.
O Estado de S. Paulo, na sua edição do dia 22 do mês passado, anunciou que o BNDES decidiu abandonar a política de criação das tais multinacionais brasileiras. O presidente do banco, Luciano Coutinho, admitiu, em entrevista exclusiva ao jornal, que o número de setores com potencial de desenvolver líderes globais é “limitado” e que essa agenda foi concluída. Insistiu em que essa política tinha “méritos” e chegou “até onde podia ir”, porque o número de setores em que o Brasil tem potencial para projetar empresas líderes é “limitado”.
Os segmentos com maior potencial eram a petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia, suco de laranja e cimento. “Não enxergo outros com o mesmo potencial”, frisou.
O favorecimento a empresas dessas áreas (as “campeãs nacionais”, na classificação da imprensa) começou há seis anos, no governo Lula, quando Coutinho já ocupava o cargo de presidente do BNDES. Com empréstimos em condições generosas e compras de participação, o banco injetou quase R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e Marfrig, na Lácteos Brasil, na Oi e na Fibria.
Ao fazer um levantamento, o jornal constatou que algumas dessas empresas estão em situação financeira delicada, como a Lácteos que pediu recuperação judicial, e o Marfrig. Elas serão reanimadas no pronto socorro estatal ou baixarão à sepultura em breve, se tiverem que passar a caminhar com as próprias pernas?
De olho no próprio bolso, o contribuinte brasileiro devia prestar mais atenção a essa novela. É muito mais apimentada do que as da televisão. Com um acréscimo próprio: o da interatividade negativa para o tesouro nacional.
http://br.noticias.yahoo.com/blogs/cartas-amazonia/dinheiro-coletivo-e-fortuna-individual-131513450.html
Comentários
Se o Lula soubesse disso teria feito alguma coisa.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
Vivo dizendo isso aqui.
Mas não desta forma.
Claro que posso Cameron. Peço que me mostrem quando que em uma única vez da história do Brasil, não se jogou no lixo ou outra coisa o dinheiro público. A classe trabalhadora (desde operários até médicos) sustenta dois tipos de clã. O dos poderosos e dos à margem da lei.
Por que eu tenho que me aposentar com 65 anos de idade e um politico com 8 anos de mandato e com plano de saúde ILIMITADO?
Responda o seguinte, você acredita que médicos entram na política para mudar alguma coisa ou para aumentar sua renda? Os de nível menor acho que nem preciso perguntar...
Agora, se alguém aqui conseguir provar que reclamando em foruns de internet e com o voto isso tudo irá mudar, me avise e me passe o endereço para eu mandar um psiquiatra.
Esse ponto, com o dinheiro dos outros eu nunca me preocupei, mas dinheiro público não é "dinheiro dos outros" é dinheiro nosso, mas se essa mentalidade do povo brasileiro nunca mudar, nada mudará.
Abuso estatal sempre existiu e não parece que irá acabar tão cedo se é que acabará algum dia, mas outros países mostram que é possível reduzir esse abuso a níveis mais baixos mas isso jamais ocorrerá se as pessoas forem resignadas ou, o que é muito pior, satisfeitas com os abusos, dando ao governo que bate todos os recordes de corrupção altos índices de aprovação popular.