Já não se faz ‘passeata de direita’ como antigamente
Como não havia tanta gente assim, lá pelo meio da passeata de ontem deu para trocar mais um dedo de prosa com Maicon Freitas, 31 anos, o combativo líder da manifestação carioca.
“Você sabe o que foi o CCC?”, perguntei.
“Não tenho a menor ideia”, ele respondeu, e eu acreditei.
“Comando de Caça aos Comunistas”, esclareci, evocando o grupo paramilitar de extrema direita de certa fama nos anos 1960.
Técnico de segurança do trabalho, Maicon capitanea a UCC, União Contra a Corrupção – Brasil. A organização recém-nascida se autoproclama “neutra, nem de direita nem de esquerda”. Veta estandartes de partidos políticos nos protestos. “Eles querem queimar nossas bandeiras”, reclama Maicon, sem informar quando algum ataque dessa natureza teria ocorrido.
Indagado sobre a acusação de fascistas, assestada nas redes sociais contra grupos similares ao seu, ele retrucou: “Esse discurso não é válido agora, hoje só vai criar inimizade e intriga”. Maicon advoga “redução da carga tributária” e rejeita a contratação de médicos cubanos para socorrer miseráveis nos rincões onde os colegas brasileiros não se dispõem a atender: “A gente não precisa de médicos importados”.
Fustiga o Movimento Passe Livre, de esquerda: “A gente ficou triste porque eles disseram que não iriam chamar mais manifestações, porque a tarifa tinha baixado”. Nem precisava, porém Maicon confirmou, com o rosto pintado com listras verdes e amarelas: “Diria que, sim, sou oposição à presidente”.
‘Fora, Dilma’
Ao seu redor, os manifestantes exibiam a faixa “Fora, Dilma; fora, Cabral; é tudo igual” e o cartaz “Cadê a nossa dignidade, Dilma?”. Outro fazia referência à série “Game of Thrones”: “Dilma, winter is coming” (“Dilma, o inverno está chegando”).
Logo a multidão gritaria com fervor: “Ô, Dilma, vai se foder, o brasileiro não precisa de você!”. E “Ei, Dilma, vai tomar no cu!”. Àquela hora, ignoravam-se as propostas que a presidente lançava em Brasília.
Antes, às 17h15, Maicon Freitas anunciara, colado à igreja da Candelária: “Estamos esperando a massa chegar”. Pretendia percorrer o trajeto até a prefeitura, na Cidade Nova. Como a massa chegou num contingente modesto, fecharam a avenida Rio Branco, rumo à Cinelândia.
A Polícia Militar avaliou-a em 2.000 pessoas. A UCC, em 5.000 a 10 mil. Calculei-a, no momento de maior concentração, no máximo em 4.000. Antes da semana passada, seria expressivo. Comparando com os mais de 100 mil da segunda-feira retrasada e os estimados 300 mil da quinta, configurou um retrocesso.
O principal motivo foi o boicote promovido nas redes sociais. A convocação para o protesto na Candelária partiu de uma comunidade do Facebook denominada Nova Era Brasileira, que assim se resume: “Não somos um partido, não somos uma religião, somos movidos por ideia e reivindicação. Somos brasileiros! Vamos pra rua!”. “Nova Era Brasileira de cu é rola… Se liga, galera”, reagiu um tuiteiro. No Facebook, os organizadores foram denunciados como “fascistas” e “de direita”. Moveu-se uma campanha pelo forfait na passeata.
Não encontrei um só representante da Nova Era Brasileira, possivelmente ausente por receio de confronto. Quem coordenou o ato foi a União Contra a Corrupção. Eis uma novidade em relação a uma semana antes: ontem havia comando, com discursos e ordens.
Alguns jovens de comportamento temerário saíram do Facebook e arriscaram uma manifestação-contra-a-manifestação. Identificado como Lauro, estudante de filosofia na Universidade de Brasília, um deles berrava: “Fascista, cabo eleitoral do Bolsonaro!”. Quem não conseguisse ouvi-lo, poderia ler o cartaz que ele carregava: “A verdade é dura: a classe média apoiou a ditadura – Nacionalismo = Fascismo”, menção a direitistas que em São Paulo se qualificam como “nacionalistas”. Até a esquina em que acompanhei Lauro, ninguém lhe dera pelota ou um cascudo.
Outros quatro universitários, mais sóbrios ou menos ousados, empunharam cartazes. Um dos garotos se opunha ao veto a símbolos de partidos políticos: “Apartidarismo por mais democracia ≠ Antipartidarismo fascista”.
‘Lula mensaleiro’
Houve mais um obstáculo notório para a mobilização: a falta de uma reivindicação unitária como a revogação do aumento das passagens dos transportes públicos _sete dias antes, eu pagara R$ 3,50 no metrô; ontem, com o recuo do governador Sergio Cabral, desembolsei R$ 3,20.
No dia 17 de junho, o pessoal conclamava: “Vem, vem, vem pra rua vem, contra o aumento!”. Ontem, “Vem, vem, vem pra rua, vem…”, e concluía aí. A comoção com a PEC 37, que retira poderes investigatórios do Ministério Público, é ilusão difundida por quem não frequenta o asfalto. A bronca existe, mas não comove grandes torcidas.
Com os partidos de esquerda, sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais e a imensa geração do Facebook distantes, o “protesto da direita” teria menos constrangimentos para desfraldar sua agenda, mas não houve muitas semelhanças com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de março de 1964. Nem a faixa golpista das vivandeiras, flagrada noutro dia, “Intervenção militar já”. O mote comum com meio século atrás foi o combate à corrupção.
“Pula, sai do chão, quem não quer corrupção!”, bradaram. Bem como: “Ordem e Progresso, faxina no Congresso!”; “1, 2, 3, 4, 5, mil, ou para a roubalheira ou paramos o Brasil”; “Puta que pariu, vamos fazer uma limpeza no Brasil!”. Um protético desfilou fantasiado de Batman, de acordo com ele “um símbolo contra a corrupção”.
Gritos e cartazes apontavam para correligionários petistas da presidente: “Lula mensaleiro, kd o meu dinheiro?”; “Cadeia aos mensaleiros”. E para aliados da estirpe de Renan Calheiros, José Sarney e Edison Lobão. Tudo ao ritmo do mantra “Sem partido! Sem partido!”.
Se a União Contra a Corrupção é uma sigla de direita, como aparenta, já não se fazem passeatas de direita como no passado. Porque atacar Edison Lobão seria um sacrilégio para reacionários de escol. Mais do que um parceiro da ditadura instaurada em 1964, o ministro do governo da ex-guerrilheira Dilma Rousseff foi muito próximo do aparato repressivo mais sangrento.
De direita ou não, a manifestação não teria como barrar bandeiras de caráter social, típicas da tradição da esquerda. Elas não faltaram: “Diga não à privatização dos hospitais públicos”; “Não nos machuque, nós não temos hospitais”; “Brasil, vamo’acordar, o professor vale mais que o Neymar”.
Também não é de direita se esgoelar por “Revolução! Revolução!”, que no contexto pode ser qualquer coisa. Nem tratar o regime de 1964 a 85 como um mal: “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura!”. Ou erguer o abre-alas “Não ao voto obrigatório”. E espalhar diatribes contra o pastor Feliciano. No fim do cortejo, um homem acenava com um pôster da capa da revista “Carta Capital”: “Parem de subestimar o povo – Ninguém controla a rua”. Ainda que os organizadores preferissem outras publicações, eles não tinham controle sobre quem atendeu ao apelo para protestar.
‘Nas trevas da confusão’
Na antevéspera do golpe de Estado contra o governo constitucional do presidente João Goulart, a marcha de direita em São Paulo arrastou centenas de milhares de opositores. Passeatas como a de ontem não derrubam nem síndico de prédio, embora possam enfraquecer candidatos, como Dilma, nas eleições do ano que vem. Antes, liam-se inscrições tipo “Comunismo, não; democracia, sim”. Agora, só as viúvas mais chorosas da Guerra Fria alertam contra o “perigo vermelho”.
Assim como se disseminou uma compreensível alergia às atuais agremiações políticas, arengas fascistoides clássicas teriam dificuldade para se criar. Em artigo recém-publicado no site da minúscula Frente Integralista Brasileira, um dirigente do grupo direitista escreve: “Os protestos evoluíram do oportunismo, das utopias irracionais marxistas e das infantis reclamações por passes livres para a adesão em massa de milhões de pessoas indignadas com o governo em todo o Brasil”.
A “reclamação infantil” desencadeou manifestações de envergadura histórica. Os neointegralistas e sua pregação do ódio seriam capazes de estimular quantos gatos pingados a tomarem as ruas?
Na década de 1930, os nazifascistas tupiniquins distribuíam um panfleto propagandeando seu líder: “Nas trevas da confusão, a luz de uma esperança. Para presidente da República, Plínio Salgado”.
Hoje, todos os principais candidatos ao Planalto em 2014, mais ou menos chamuscados pelas mobilizações em curso, foram opositores da ditadura inaugurada com a queda de Jango.
Na Cinelândia, li em um serviço noticioso da internet a informação de que os líderes do movimento haviam tentado impor (sem sucesso) aos manifestantes uma saudação neonazista, com os braços estendidos, e a palavra de ordem “dias de luta, dias de glória”.
Não vi. Talvez não tenham sido os líderes, que eu observei quase todo o tempo _não percebi skinheads neonazis por lá. E “Dias de luta, dias de glória” é título e verso de uma música da banda Charlie Brown Jr.
De fato, já não se faz “passeata de direita” como antigamente.
P.S.: dispensando verbetes enciclopédicos sobre “esquerda” e “direita”, assinalo: quem diz que esses conceitos não fazem mais sentido já fez sua escolha, tão legítima quanto a outra _é de direita.
Fonte:
http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2013/06/25/ja-nao-se-faz-passeata-de-direita-como-antigamente
Comentários
Como se não bastassem, deram agora pra inventar uma teoria da conspiração retardada de que tudo isso teria sido financiado pelos partidos "de direita": http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/militante-de-extrema-direita-se-diz-arrependido-e-denuncia-esquema-de-manipulacao-das-passeatas-1-12179
Como a Cameron citou, comentei o episódio.
Era previsível, só não esperava que a cara-de-pau da Corja fosse tanta e olhe que eu espero muita, mas muita cara-de-pau da parte deles.
Teve gente que no dia anterior à rejeição das Bandeiras Vermelhas era um defensor e propagandista incondicional das manifestações e algoz virtual de qualquer um que delas falasse um "a" contra. No dia seguinte, sem uma notinha que fosse para explicar a transição, passou a classificar os eventos que até ontem aplaudia como fascista e os manifestantes como idiotas manipulados pela Globo.
Como disse antes, tá certo que deve ter doído onde enfiaram as bandeiras, mas mesmo assim...
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
XD
Eu quero a Verdade .
A realidade é um conjunto de possibilidades que se concretizou dentro de um universo infinito de possibilidades.
Pqp ! Eu já fui de esquerda !
Click aqui :
http://31.media.tumblr.com/tumblr_m4pmpbh3H11qlvp0oo1_250.gif
http://oglobo.globo.com/pais/surpreendido-pelos-protestos-lula-convoca-jovens-para-ir-as-ruas-8826721
Eu quero a Verdade .
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Me assusto quando sou profético.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Agora, se você sugerir que os planos comunistas não morreram com o fim da União Soviética, aí você é paranóico e conspiracionista.
Mais um dos "grandes feitos" da ditadura, que desmantelou todas as organizações de direita que não eles mesmos, pra poderem se colocar no poder.
Ipea diz que protestos não estão sendo feitos pelos mais pobres
Classe média feia...
O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcelo Neri, apresentou nesta quinta-feira dados sobre a redução da desigualdade e aumento da renda e afirmou que os protestos no país não estão sendo realizados pelos mais pobres, que foram os mais beneficiados por essas mudanças.
"Pessoas que estão no lado belga da 'Belíndia' talvez tenham razões para não estarem satisfeitas", afirmou em entrevista coletiva no Rio. A expressão 'Belíndia', criada pelo economista Edmar Bacha, buscar definir as desigualdades do Brasil, que mistura a riqueza da Bélgica e a miséria da Índia.
Questionado se são os mais ricos que estão nas ruas, respondeu: "Não diria os mais ricos, mas certamente não [são] os mais pobres."
Neri disse que a renda dos 10% mais pobres no país cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos, e que a redução da desigualdade no Brasil reduziu de maneira "muito forte" nos últimos 12 anos.
"Talvez as pessoas que estejam mais no topo da distribuição, e que tiveram menores crescimentos de renda, olhem para o lado e falem: olha, quero ter crescimento mais alto."
O presidente do Ipea também afirmou que as manifestações no país surgiram de uma forma diferente da que ocorrem em outros lugares do mundo, no que chamou de "uma receita brasileira".
"Normalmente protesto surge como aconteceu em Wall Street [referindo-se ao Occuppy Wall Street], que foi contra a desigualdade e o desemprego. O fato é que a desigualdade no Brasil está caindo e a economia encontra-se próxima ao pleno emprego. Então o protesto é de natureza diferente."
Neri afirmou também que os brasileiros têm o maior índice de felicidade futura (projeção do que espera em cinco anos), segundo um levantamento feito em 160 países. Para ele, uma alta expectativa em relação ao futuro pode trazer frustração.
Sobre o mercado de trabalho, afirmou que há sinais de gargalo. Segundo ele, o aumento da renda atualmente tem ocorrido muito mais pelo aumento dos salários do que por causa da elevação da ocupação, o que ocorreria se houvesse mais pessoas entrando no mercado de trabalho.
"Isso pode ser um sinal de pleno emprego, que é um problema, mas é menos preocupante do que o desemprego."
Sobre as manifestações que têm ocorrido nos protestos contrárias a realização dos grandes eventos, como a Copa do Mundo, afirmou que os custos já tivemos e que é preciso honrar os compromissos assumidos. "Lá atrás os protestos teriam algum sentido."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1302373-ipea-diz-que-protestos-nao-estao-sendo-feitos-pelos-mais-pobres.shtml
2- Não foi antes de ontem que duas comunidades
favelase uniram pra protestar na frente da casa do governador Cabral? Eles são ricos por acaso?3- A população tem direito de protestar sobre o que
éacha errado. Corrupção, políticos governando em causa própria, imoralidade política não tem nada a ver com alta expectativa do futuro, tem a ver com direitos básicos. Mas claro que um cara assim não sabe o que é isso, deve adorar a monarquia política que está aí sugando o povo.Então por que não vemos os "mais pobres" em manifestações de rua apoiando o governo, como se via na Venezuela?
E não existe manifestação mais classe média do que passeata do PSTU, com aqueles molequinhos de universidade, sempre dos cursos de ciências sociais...
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
http://correiodobrasil.com.br/noticias/politica/lula-assume-papel-decisivo-na-organizacao-das-manifestacoes-em-todo-o-pais/622889/
Onde houver fé, levarei a dúvida!