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O mal da ansiedade tecnológica

ansiedade-tecnologica-contraversao-flauta.jpg


Há algum tempo eu resolvi seguir uma vontade antiga: aprender música. Esse fato foi em muito influenciado por uma vontade de operar pequenas mudanças no meu ritmo de vida. A flauta transversal era um desejo antigo, e esse foi o instrumento escolhido. Contudo, em pouquíssimo tempo, essa escolha se revelaria ir além das suas próprias possibilidades musicais. Ela se tornaria a metáfora perfeita do centro da minha mudança: a diminuição de um estado permanente de ansiedade.

A simplicidade em si do instrumento já era um fator importantíssimo. Saxofonistas e clarinetistas procuram a boquilha e a palheta ideais a vida toda; guitarristas nem se diga. A miríade de equipamentos do setup perfeito é infinita. Já a flauta é totalmente lowtech. Três pedaços de tubo conectados é tudo o que você precisa para ser feliz.

Num mundo hightech, aonde o uso das novas tecnologias (e a consequente dependência delas) se faz cada vez mais obrigatório, esse foi meu jeito de começar a tentar escapar, na minha vida privada, um pouquinho que seja, na direção de uma vida mais simples, com menos ansiedade.

Todos já vimos, em livros e revistas, as imagens futurísticas que povoavam o imaginário dos escritores da nascente ‘ficção científica’ do início do século passado. Muito do imaginário daquela época é uma realidade hoje. Ainda não temos naves espaciais no meio da cidade, mas os meios de transporte são certamente mais rápidos e eficientes. No campo das telecomunicações, a distância entre as possibilidades das duas épocas é brutal. Os exemplos são inúmeros.

Infelizmente, sedução da ‘ficção científica que se torna realidade’ está mostrando um efeito colateral cada vez mais agudo: a nossa entrega às novas tecnologias acontece num ritmo cada vez mais frenético. Num mundo onde elas são criadas a todo instante, as pessoas se acostumam cada vez mais rapidamente a se tornar suas dependentes. E com essa dependência, vem a ansiedade.

Diante de um gadget novo, as pessoas se esquecem de como faziam sem ele com uma rapidez impressionante. É como se esse gadget apagasse da nossa memória que um outro modo de fazer a mesma coisa existiu um dia. O problema é que toda tecnologia, à medida em que se torna mais complexa, multiplica também a sua vulnerabilidade. A tecnologia lowtech do álbum de fotografias foi substituída pelos programas de fotos na rede. Mas se a conexão com a rede cair, cai também o seu álbum.

Ao contrário do que possa parecer, não sou contra a tecnologia em si. Muita coisa que temos disponível hoje é fantástica. A internet (que, inclusive, me permite compartilhar este texto com milhares de pessoas de forma quase que imediata), por exemplo, poderia ser considerada o paradigma das possibilidades trazidas pelos avanços modernos. O que eu sou contra é a ansiedade que ela gera.

Olhe para a sua vida hoje e a compare com a do seu bisavô. Você pode achar que mudou muita coisa; que as facilidades de hoje são inúmeras, os aparelhos disponíveis auxiliam nossa vida muito mais que antigamente etc etc. Faça a mesma reflexão mais uma vez, só que agora imagine que não existem mais telefones celulares, computadores de qualquer tipo, ipads, televisão (nem mesmo o próprio aparelho), rádio, ou qualquer outro aparelho eletrônico.

Para aqueles que estão agora falando “mas o fato é eu vivo num mundo em que essas coisas existem”, eu dou mais uma sugestão de reflexão: o apagão nacional ocorrido em 2009. Naquele dia 10 de Novembro de 2009 a sua vida se tornou, por algumas horas, igual à do seu bisavô. O problema é que nós não sabemos mais viver como nossos bisavós, e isso gera uma ansiedade tremenda em qualquer momento em que nos vemos numa situação como essa. Quantas pessoas ficaram desesperadas porque não podiam enviar um email, ou acessar seu Facebook?

Mas, afinal, por que fazemos assim hoje? Por acaso somos seres humanos diferentes? Ou será que o problema é que nós nos entregamos de maneira tão completa às ‘tecnologias’ da nossa época a ponto de nos esquecermos que somos independentes delas?

No instante do apagão eu estava tocando flauta, e continuei a fazê-lo independentemente da falta de energia no país. Aquele momento representou para mim um exemplo concreto da realização da minha escolha. Por algumas horas eu consegui manter o meu prazer isento e independente de qualquer ansiedade tecnológica.

http://contraversao.com/o-mal-da-ansiedade-tecnologica/
“Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor.”
― Winston Churchill

Comentários

  • 13 Comentários sorted by Votes Date Added
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    http://beneviani.blogspot.com.br/2013_12_15_archive.html
    Conversas iluminadas

    MARTHA MEDEIROS - Zero Hora - 15/12/2013

    Tem coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde. A luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder trabalhar. Então bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa, sem conseguir desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas ali nos queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos a conversar. Que jeito.

    Conversamos sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator voltar a Porto Alegre.

    Aí eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um talento que eu estava mesmo desprezando. Então foi minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, e então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.

    Será que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão luminosa.

    Quando por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o universo alheio.

    E tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia humana, que seja, então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por semana: não haveria de causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo, prometo não reclamar para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.
  • Eu tento cada dia ser menos dependente da Tecnologia e somente usar realmente quando preciso. Vejo que fico melhor assim até.
    “Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor.”
    ― Winston Churchill

  • Eu vou me espelhar na vida dos meus avos: Terei 10 filhos, vou passar boa parte do tempo em algum boteco falando da vida dos outros e ficar cuidando quem vai ou deixa de ir na igreja.

    Sabe, o pessoal babaca fica romantizando de mais a vida de antigamente.
    O ENCOSTO
    Onde houver fé, levarei a dúvida!
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    Nasci décadas antes da Internet e não tenho nenhuma saudade do passado. Sei como era difícil não ter onde procurar informações, como era desagradável entrar em fila de banco para tudo etc.

    Evito me tornar um viciado que usa 5 celulares ao mesmo tempo e nem percebe o que acontece ao redor, mas aproveito as facilidades que a tecnologia me traz.
  • Ah que saudades do passado... Precisar de um médico e ter que ir à cavalo por quilômetros e só chegando lá saber que a cidade estava inundada e a ponte havia caído, Sò ouvir musica quando tinha algum casamento num sitio próximo e vinham sanfoneiros, ficar em casa e aguardar as férias para poder pegar um ônibus de caravana para poder ir à praia, bater um bolo de aniversário manualmente por horas, conservar carne em banha de porco invés de na geladeira, tomar agua de torneira filtrada invés de mineral, usar espirais para espantar os insetos no lugar de repelentes eletrônicos, ... bons tempos. Hoje sou obrigado a pegar meu carro japonês, encher o tanque e andar mais de 400 km para ir à algumas praias escolhidas, ter mais de 1500 musicas em uma caixinha e ouvir no carro, casa, trabalho, no ônibus... Tirar minhas fotocopias em casa (que absurdo!), tirar mais de 500 fotos e velas instantaneamente na minha TVzinha de 40" invés de num projetor com qualidade inferior, baixar cifras de qualquer musica para o violão quando antes, bastaria comprar por uma fortuna uma única ou rezar que a revista especializada publicasse, ler o jornal de sua cidade natal estando a milhas de distância, saber o melhor preço de calçados e perfumes e compra-los sem sair de casa, quando antes bastaria ir na loja do Joaquim e levar o que tinha achando que estava bom. Bem, realmente tenho muitas saudades do passado...

  • Quando eu falo para minha esposa que em meados de 70 comprava-se óleo e cereais à granel nas mercearias, ela acha um absurdo...
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    edited dezembro 2013 Vote Up0Vote Down
    Johnny escreveu: »
    Quando eu falo para minha esposa que em meados de 70 comprava-se óleo e cereais à granel nas mercearias, ela acha um absurdo...
    Eu comprava biscoitos e doces a granel. O cara cortava uma lasca de goiabada, outra de queijo e embrulhava em papel.

    No Rio, isto ainda é possível nas Casas Pedro:

    http://www.casaspedro.com.br/2013/produtos.html

    Post edited by Fernando_Silva on
  • Opa...estou me mudando para Niki este ano. Quem sabe passou por lá.
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    edited janeiro 2014 Vote Up0Vote Down
    Johnny escreveu: »
    Opa...estou me mudando para Niki este ano. Quem sabe passou por lá.
    Só há lojas na cidade do Rio:
    http://www.casaspedro.com.br/2013/lojas.html

    Eu costumo comprar castanha de caju. Dá para escolher: torrada, sem torrar, com e sem sal.

    Nota: um parente do fundador criou uma cadeia de lojas chamada de "Casa Pedro" (no singular), mas não há um site.
    Post edited by Fernando_Silva on
  • Bom, as pessoas imigram de países e lugares com menos tecnologia para os com mais e continuam nesses lugares com mais tecnologia, isso mostra bem o que é melhor.
  • ENCOSTO escreveu: »
    Eu vou me espelhar na vida dos meus avos: Terei 10 filhos, vou passar boa parte do tempo em algum boteco falando da vida dos outros e ficar cuidando quem vai ou deixa de ir na igreja.

    Sabe, o pessoal babaca fica romantizando de mais a vida de antigamente.

    Agora você pode contrair 10 DSTs sem deixar descendência, passar boa parte da vida on feici falando da vida dos outros e ficar cuidando quem curtiu o quê.


    Já explicando por antecedência:
    Apesar do meu ranço contra a modernidade, é óbvio que na questão tecnológica evoluímos (talvez a única evolução que tivemos, além daquelas que vem junto com a evolução tecnológica). Com certeza há gente que não sabe usar com consciência as novas tecnologias, mas abusus non tollit usum. Não é porque tem gente que dirige bêbado que é melhor voltarmos pros cavalos. Poderíamos ter evoluído ainda mais, se uma mentalidade anti-progresso não tivesse sido instaurada. Um exemplo? O boicote que tentam promover contra toda e qualquer forma de energia que realmente funciona (hidrelétrica, usina nuclear, petróleo/gás), em favor de baboseiras que simplesmente não funcionam (solar, eólica). Há um lobby muito poderoso pela estagnação total, crescimento 0, e decréscimo populacional. Ironicamente, esses são os "progressistas"...
    "In any case, what westeners call civilization, the others would call barbarity, because it is precisely lacking in the essential, that is to say a principle of a higher order." - René Guénon
  • PercivalPercival Membro
    edited janeiro 2014 Vote Up0Vote Down
    Apatico escreveu: »

    Já explicando por antecedência:
    Apesar do meu ranço contra a modernidade, é óbvio que na questão tecnológica evoluímos (talvez a única evolução que tivemos, além daquelas que vem junto com a evolução tecnológica). Com certeza há gente que não sabe usar com consciência as novas tecnologias, mas abusus non tollit usum. Não é porque tem gente que dirige bêbado que é melhor voltarmos pros cavalos. Poderíamos ter evoluído ainda mais, se uma mentalidade anti-progresso não tivesse sido instaurada. Um exemplo? O boicote que tentam promover contra toda e qualquer forma de energia que realmente funciona (hidrelétrica, usina nuclear, petróleo/gás), em favor de baboseiras que simplesmente não funcionam (solar, eólica). Há um lobby muito poderoso pela estagnação total, crescimento 0, e decréscimo populacional. Ironicamente, esses são os "progressistas"...

    Mas é isso: aprender a equilibrar as coisas. Não é nem questão de romantizar pela minha parte: mas que eu me apegar a esse universo virtual de uma maneira muito profunda me fez mal tempos passados. Eu estava vivendo mais dentro do pc do que a realidade. Isso é prejudicial. Não condeno a tecnologia e sim a minha interação em demasia que me faz me isolar do mundo externo o que ajudou a agravar meu quadro depressivo.

    Claro que há coisas que não abro mão da internet como fonte de informações e notícias por exemplo.

    Post edited by Percival on
    “Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor.”
    ― Winston Churchill

  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    11 ruídos que seus filhos provavelmente nunca ouviram:

    http://mentalfloss.com/article/29230/11-sounds-your-kids-have-probably-never-heard

    Faltou o ruído do modem da Internet discada.
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