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João Goulart NÃO FOI assassinado. E não foi um bom presidente

Jango tinha problemas cardíacos. Teve pelo menos um ataque quando era presidente.
Jango e o realismo fantástico

MARCO ANTONIO VILLA - FOLHA DE SP - 14/01/14

O Brasil é um país fantástico. Mais ainda, é um país do realismo fantástico, onde ficção se mistura com história e produz releituras ao sabor dos acontecimentos. A última tem como tema a morte do ex-presidente João Goulart, o Jango, na Argentina.

A Câmara dos Deputados fez uma investigação, ouviu dezenas de testemunhas e elaborou um longo relatório. Concluiu que não havia indícios de assassinato. Em entrevista a Geneton Moraes Neto, publicada no livro “Dossiê Brasil: as histórias por trás da História recente do país”, a senhora Maria Tereza Goulart descartou qualquer suspeita de assassinato do seu marido: “Eu estava ao lado de Jango o tempo todo, nos últimos dias. Jango morreu do coração. Tinha feito um regime violento e mal controlado. Chegou a perder 17 quilos em dois meses. E estava fumando muito. O médico já tinha dito que ele não poderia fumar.”

Jango era um cardiopata. E de longa data. No México, a 10 de abril de 1962, em visita oficial, assistindo a uma exibição do balé folclórico mexicano, no Teatro Belas Artes, o presidente teve um ataque cardíaco. Ficou desfalecido por um minuto. Atendido por médicos mexicanos, ficou impossibilitado de continuar a cumprir a agenda presidencial, sendo substituído por San Tiago Dantas. No retorno ao Brasil, o grande assunto era o estado de saúde de Jango e a possibilidade de que renunciasse à Presidência. Afinal, era o segundo ataque cardíaco em apenas oito meses. Dois meses depois, quando da recepção em palácio da seleção brasileira que partiria para a Copa do Mundo no Chile, Pelé manifestou preocupação com a saúde do presidente: “Presidente, como vão estas coronárias?” E Jango respondeu: “Estão boas, mas não tanto quanto as suas.”

Às vésperas do célebre comício da Central (13 de março de 1964), seu estado de saúde inspirava cuidados. Foi advertido que poderia ter sérias complicações com o coração. Jango desdenhou e manteve seu ritmo costumeiro de vida sedentária, alimentação inadequada, excesso no consumo de bebidas e vivendo em permanente estresse. No exílio uruguaio, também devido aos problemas com o coração, foi atendido pelo dr. Zerbini. Na França, onde esteve várias vezes, foi cuidar do coração e chegou a tentar uma consulta com o dr. Christian Barnard, na África do Sul, médico que dirigiu a equipe que fez o primeiro transplante de coração.

A transformação de Jango em um perigoso adversário do regime militar — tanto que o seu assassinato teria sido planejado pela Operação Condor — não passa de uma farsa. No exílio uruguaio, especialmente nos anos 1970, não tinha qualquer atuação política.

Tudo não passa de mais uma tentativa de mitificação, da hagiografia política sempre tão presente no Brasil. O figurino de democrata, reformista e comprometido com os deserdados foi novamente retirado do empoeirado armário. Agora pelos seus antigos adversários, os petistas. Mero oportunismo. É que a secretária dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, pretende ser candidata ao Senado pelo Rio Grande do Sul. E, como boa petista, não se importa de reescrever a história ao seu bel-prazer.

O cinquentenário dos acontecimentos de março/abril de 1964 é uma boa oportunidade para rever o governo Jango. O início dos anos 1960 esteve marcado pela agudização das mais variadas contradições. O esgotamento do ciclo econômico que alcançou seu auge na presidência JK era evidente. A grande migração tinha criado uma sociedade urbana e novas demandas que os governos não sabiam como atender. A tensão gerada pela Guerra Fria azedava qualquer conflito, por mais comezinho que fosse.

É nesta conjuntura que Jango tentou governar. E foi um desastre. Raciocinava sempre imaginando algum tipo de ação que significasse o abandono da política, do convencimento do adversário. Era tributário de uma tradição golpista, típica da política brasileira da época.

Nunca fez questão de esconder seu absoluto desinteresse pelas questões mais complexas da administração pública, distantes da politicagem do dia a dia. Celso Furtado, nas suas memórias (“A fantasia desorganizada”), relatou que entregou o Plano Trienal — que buscava planejar a economia nos anos 1963-1965 — ao presidente depois de exaustivas semanas de trabalho. Jango mal passou os olhos pela primeira página. Em entrevista à revista “Playboy”, em abril de 1999, Furtado foi direto: Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”.

No polo ideológico oposto, o embaixador Roberto Campos, também nas suas memórias (“A lanterna na popa”), contou que escreveu um documento de 30 páginas relatando os contenciosos do Brasil com os Estados Unidos, em 1962, quando da visita do presidente a Washington. San Tiago Dantas, ministro das Relações Exteriores, pediu ao embaixador que reduzisse ao máximo a extensão do texto, pois com aquele volume de páginas o presidente não leria. Obediente, o embaixador sintetizou os problemas em cinco páginas, que foram consideradas excessivas. Diminuiu para três páginas. Mesmo assim, segundo Campos, Jango não leu o documento.

As reformas de base, palavra de ordem repetida à exaustão naqueles tempos, nunca foram apresentadas no seu conjunto. A definição — ainda que vaga — apareceu somente na mensagem presidencial encaminhada ao Congresso Nacional quando do início do ano legislativo, a 15 de março de 1964. E lembrar que foram apresentadas como soluções de curto prazo — mesmo sendo mudanças estruturais — durante três anos...

Deixou um país dividido, uma economia em estado caótico e com as instituições desmoralizadas. E abriu caminho para duas décadas de arbítrio
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/jango-e-o-realismo-fantastico-um-texto-de-marco-antonio-villa/

Comentários

  • 2 Comentários sorted by Votes Date Added
  • edited janeiro 2014 Vote Up0Vote Down
    Nessa parte do texto em que diz que Jango "abandonou a política que significa convencer o adversário" eu não concordo, esse cara que escreveu esse texto está confundindo política com publicidade, no máximo é preciso ter alguns aliados e convencer esses aliados e convencer alguns recentes adversários a passar para o seu lado, mas é preciso sempre ter alguns adversários ainda que continuam adversários e em se tratando dos adversários no momento em que são adversários a política é a continuação da guerra com outro nome, é intriga trambiqueira que só é atenuada um pouco na democracia liberal ou social-liberal e nos políticos parlamentares, mas fica só um pouco atenuada, pois se não, não seria política mas sim seria publicidade e direito.
    Post edited by LaraAlvaerengaSip on
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited janeiro 2014 Vote Up0Vote Down
    Jango e sua burrice e teimosia foram os grandes responsáveis pelo Golpe de 64.

    Os militares estavam nos cascos há anos, mas isto prova que não havia uma decisão sobre a viabilidade de um golpe e que entendiam os riscos de chutar o pau da barraca das instituições que juraram defender.

    Bastaria a Jango explorar esta indecisão e ganhar tempo, o que poderia muito bem ter sido feito com alguns retrocessos e medidas conciliatórias. Enquanto os generais analisassem os novos cenários no ritmo lento que vinham vindo, chegaria a época das eleições presidenciais e uma ação ao estilo de 64 seria impensável.

    E o que fez Jango?
    Retrocedeu e conciliou?
    O idiota foi bancar o gaúcho macho e resolveu peitar os militares... Alguém consegue imaginar decisão mais estúpida para um governante àquela altura sem nenhum apoio popular organizado, com manifestações de massa contra seu governo, com boa parte do Congresso conspirando abertamente sua queda e boa parte da Esquerda lambendo os beiços ante a possibilidade do tão esperado Advento Revolucionário.

    A anta do Jango fez o tal Discurso da Central do Brasil e apoiou militares em motim.

    Qualquer um que saiba o mínimo sobre a lógica dos militares brasileiros durante a Guerra Fria entende que mesmo o mais relutante dos generais entenderia aquilo como a gota d'água.

    Deu no que deu.
    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
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