ÉPOCA – Em seu livro Um Estado, dois Estados, o senhor analisa as propostas para o conflito na Palestina e discute os dois modelos mais aceitos: um único Estado binacional, com judeus e palestinos, e a divisão em dois Estados. Qual é a mais viável?
Benny Morris – Um Estado binacional é impossível. Pode parecer uma ideia maravilhosa em cafés na Europa, mas é ingênua. Basta olhar para a história. Palestinos e judeus vivendo juntos se matariam. Durante um tempo, os israelenses dominarão os palestinos. Em determinado momento, como a população palestina cresce mais que a israelense, a situação se inverteria, e os árabes acabariam jogando os judeus ao mar, como sempre quiseram.
ÉPOCA – Então, a saída é a divisão em dois Estados?
Morris – Não existe solução. A solução de dois Estados é a mais razoável, mas os palestinos também não estão dispostos a aceitá-la. As propostas apresentadas desde 1967 são baseadas num Estado judaico em cerca de 80% do território do antigo Mandato Britânico da Palestina e num Estado palestino em cerca de 20%. Os palestinos não querem isso, não querem nem a metade disso, eles querem tudo, todo o território. Eles querem Lod, eles querem Jaffa. Do ponto de vista deles, o Estado Palestino deve cobrir todo o Estado de Israel.
ÉPOCA – Os palestinos são culpados por todos os insucessos das negociações de paz? Políticas ostensivas de Israel, como a construção de assentamentos, não atrapalham a paz?
Morris – Sem dúvida. Mas, se você analisar a história, verá que os palestinos são responsáveis por 75% do insucesso dos acordos – os outros 25% podem ficar na conta dos israelenses. Os palestinos desde sempre rejeitam qualquer proposta de paz. Rejeitaram o plano de partilha da Comissão Peel em 1937, quando poderiam ter criado dois Estados e evitado o problema dos refugiados. Rejeitaram o plano da ONU de 1947, ao decidir lutar contra os judeus. Rejeitaram o plano Roger (acordo elaborado pelo secretário de Estado americano William P. Rogers, depois da Guerra dos Seis Dias), em 1972. Oslo foi um ponto fora da curva, um momento em que (Yasser) Arafat parecia querer a paz. Mas eles rejeitaram os acordos de 1996, os acordos de Camp David e o Mapa para a Paz de Bush. Os palestinos não estão preparados para a paz.
ÉPOCA – O senhor crê que a negociação de paz entre israelenses e palestinos, retomada agora com mediação dos EUA, ruirá?
Morris – Não existe chance para a paz agora. Não veremos um acordo de paz nesta geração. Sou muito pessimista em relação a isso, porque já me desiludi incontáveis vezes. Sou velho, mas meus filhos não verão a paz. Nem mesmo conseguirão viver em Israel, que sempre será ameaçada por terrorismo. Sei que a moralidade política mudou, e hoje é impossível aceitar uma ocupação como a de Israel, que já dura desde 1967. Israel está pressionado e ficará cada vez mais pressionado pela comunidade internacional, mas não há saída para esse beco.
ÉPOCA – No começo de sua carreira, o senhor ficou internacionalmente conhecido como um dos principais “novos historiadores” israelenses, que trabalhavam com documentos, não apenas memórias. O senhor fez várias revelações sobre o lado sombrio do sionismo e da independência de Israel, em 1948, com denúncias de massacres, estupros e assassinatos de palestinos. O que o fez mudar de ideia?
Morris – Não mudei de ideia sobre minhas pesquisas e sobre minha visão histórica. Elas permanecem as mesmas, para o bem ou para o mal. Meus livros mostraram as crueldades cometidas por Israel no processo de independência. Por causa delas fui massacrado pela academia de Israel – não consegui emprego em universidades israelenses. Mas minha visão política mudou. A mudança aconteceu a partir dos anos 2000, quando dois eventos me deixaram profundamente pessimista sobre a paz: a rejeição de Arafat à proposta de dois Estados de Barak (Ehud Barak, primeiro-ministro de Israel na ocasião) e Bill Clinton e o começo da Segunda Intifada. Ali, percebi que o coração dos palestinos jamais aceitaria um acordo.
"Liberdade e democracia
não têm o mesmo valor no
islã que têm no Ocidente"
ÉPOCA – O senhor não acredita que os anos em que viveu em Jerusalém, durante a Segunda Intifada, alimentaram seu desapontamento?
Morris – Talvez. Vi judeus mutilados por explosões em ônibus e restaurantes, e isso mexeu comigo. Isso foi uma das coisas que me fizeram ver quanto os palestinos odeiam os israelenses e não conseguem conceber um processo de paz conosco.
ÉPOCA – Foi nesse momento que o senhor passou a achar que o sofrimento histórico de um povo, no caso os judeus, justifica o sofrimento de outro povo, os palestinos?
Morris – Entendo o sofrimento dos palestinos. Escrevi nove livros sobre isso. Escrevi tanto que desisti, não vou mais escrever sobre o conflito, suas raízes e seu futuro. Um Estado, dois Estados, que lancei em 2012, foi meu último livro sobre isso.
ÉPOCA – Não haveria outra forma de ter criado um Estado israelense sem tirar os palestinos de sua terra?
Morris – Haveria: os palestinos poderiam ter aceitado a proposta de 1937. Mas rejeitaram. Um Estado judaico não teria surgido num território com 700 mil palestinos, a população palestina na época. Foi necessário arrancá-los. Não havia escolha. Sempre senti simpatia pelo povo palestino, pelo drama dos refugiados. Mas, se o desejo de estabelecer um Estado judaico no Oriente Médio é legítimo, não haveria outra maneira. Claro que houve abusos, expulsões, uma limpeza étnica parcial. Mas não foi sistemático, tanto que Israel foi criado englobando 160 mil árabes.
ÉPOCA – Várias vezes o senhor disse que o conflito entre israelenses e palestinos é um choque de civilizações. Essa teoria não é um pouco ultrapassada e preconceituosa?
Morris – Não. É exatamente disso que se trata. A maioria dos muçulmanos tem ojeriza da cultura ocidental e daquilo que o Ocidente representa para o islamismo. Israel nada mais é que um pedaço do Ocidente encravado no meio do Oriente Médio. Essa é uma divisão que os muçulmanos não aceitam. Eles acreditam permanecer numa Cruzada e que o Ocidente quer dominá-los. Além disso, há um profundo problema no islã. É um mundo cujos valores são diferentes, em que a liberdade e a democracia não têm o mesmo valor que têm no Ocidente. Suas regras são diferentes, por isso os judeus estão ameaçados, porque são minoria.
ÉPOCA – Essa visão não é um pouco generalista? A Primavera Árabe não provou que existem árabes e muçulmanos interessados em liberdade, justiça e democracia?
Morris – Sim. Mas também provou ser muito difícil conseguir implementar tais valores. Em 2011, quando a revolução tomou conta do mundo árabe e derrubou regimes e ditadores como Hosni Mubarak, no Egito, e Ben Ali, na Tunísia, acreditou-se que seria possível conquistar essa libertação. Hoje vemos que não é tão fácil. Exceção feita à Tunísia, onde um partido de raízes religiosas soube se transformar em algo quase secular, não há exemplos de frutos democráticos da Primavera. É normal. As revoluções europeias de 1848 não deram frutos logo em seus primeiros anos. A Francesa teve picos de violência. Revoluções são processos longos e demorados, então é cedo para dizer qual será o futuro da Primavera Árabe. No momento, é possível dizer que a Primavera Árabe só piorou as coisas. Ela deu voz às ruas, mas essas ruas estavam repletas de fundamentalistas islâmicos, como o Egito provou. São pessoas que odeiam a democracia, que veem na liberdade e na democracia expressões do Ocidente.
ÉPOCA – A Primavera Árabe então é uma ameaça a Israel?
Morris – Não dá para saber. Se a Primavera Árabe for um levante islamista, será um problema grave para Israel. Se não for possível controlar os fundamentalistas islâmicos, o país será alvo de atentados e ataques. Se o confronto entre xiitas e sunitas se intensificar e se espalhar pela região, também haverá respingos em Israel. O Egito era o maior problema. Depois de anos de um acordo de paz com Mubarak, a ascensão da Irmandade Muçulmana criou tensões com Israel, mas agora isso se estabilizou. Israel hoje tem dois problemas na região, e eles não têm a ver com a Primavera Árabe. Um é o conflito com os palestinos. Outro é o projeto nuclear do Irã. Os iranianos querem a bomba, porque querem ameaçar Israel. Ahmadinejad era honesto sobre o que pensava dos judeus. (O presidente iraniano Hassan) Rouhani não é sincero sobre esse assunto.