De acordo com especialistas, a racionalidade é apenas uma serva de nossa compulsão para triunfar na arena de debatesDurante séculos, pensadores presumiram que a capacidade unicamente
humana de raciocinar existisse para permitir que alcançássemos além da
mera percepção. A racionalidade permitiu ao pensador solitário trilhar
um caminho de iluminação filosófica, moral e científica. Mas, agora,
alguns pesquisadores vêm sugerindo que a razão evoluiu para um propósito
completamente diferente: vencer discussões.
“O pensamento lógico não tem essa função de nos ajudar a ter melhores
opiniões ou tomar melhores decisões. Ele é um fenômeno puramente social.
Evoluiu para nos ajudar a convencer os outros e para tomarmos cuidado
quando tentarem nos convencer”, disse Hugo Mercier, doutor em ciências
cognitivas e autor do artigo publicado em parceria com o cientista
social Dan Sperber. A verdade e a precisão foram consideradas
irrelevantes.
De acordo com este parâmetro, a racionalidade não é nada mais ou menos
que um servo de nossa compulsão de triunfar na arena de debates. Segundo
esta visão, a parcialidade, a falta de lógica e outras supostas falhas
que poluem o canal da razão são, na verdade, adaptações sociais que
permitem a determinado grupo persuadir (e derrotar) o outro.
Independentemente do quanto ela se distancie da verdade, a convicção
funciona.
A teoriaA idéia, rotulada como teoria argumentativa do raciocínio, é uma
invenção de cientistas franceses do ramo da cognição social e já causou
discussões incensadas entre filósofos, cientistas políticos, educadores e
psicólogos – para alguns deles, a mesma oferece uma percepção profunda
da forma como pensamos e nos comportamos. O periódico Journal of
Behavioral and Brain Sciences dedicou sua edição de abril a debates
sobre a teoria, com participantes desafiando tudo e todos – desde a
definição de razão até as origens da comunicação verbal.
Na verdade, Sperber, membro do instituto de pesquisa Jean-Nicod, de
Paris, primeiramente desenvolveu a versão da teoria, em 2000, para
explicar por que a evolução não fez com que as diversas e variadas
falhas do raciocínio não ficassem para trás. Ao analisar um grande
conjunto de pesquisas psicológicas, a intenção de Sperber era descobrir
por que insistimos em selecionar evidências que sustentam nossos pontos
de vista, ignorando o resto, e o que nos leva a manter firmemente uma
opinião em face de evidências totalmente contrárias.
Outros estudiosos já haviam argumentado que tanto o pensamento lógico
como a irracionalidade são produtos da evolução. Mas eles costumam supor
que o raciocínio tem como propósito ajudar o indivíduo a chegar à
verdade, enquanto que a irracionalidade não passa de uma imperfeição
ocorrida ao longo do processo, uma espécie de miopia mental.
Sempre parciaisO aspecto revolucionário da teoria argumentativa é que ela presume que,
já que o pensamento lógico tem um propósito diferente – de derrotar um
grupo oponente – o raciocínio falho é uma adaptação em si, útil para
reforçar a habilidade de debate.
Mercier, da Universidade da Pensilvânia, afirma que tentativas de livrar
o ser humano da parcialidade falharam, pois o raciocínio faz exatamente
o que ele deve fazer: ajudar-nos a vencer uma discussão.
“Estamos tentando melhorar algo que já funciona perfeitamente bem. É
como se tivéssemos decidido que as mãos foram feitas para caminhar e que
todo mundo tem de aprender isso”.
RepercussãoMercier e Sperber são vistos com ceticismo e admiração. Darcia Narvaez,
professora de psicologia da Universidade de Notre Dame e colaboradora do
debate publicado no periódico, diz que tal teoria “se encaixa no
pensamento dominante da psicologia evolucionária atual, de que tudo o
que fazemos é motivado por egoísmo e desejo de manipulação dos outros, o
que, em minha opinião, é uma loucura”.
Para Narvaez, o raciocínio é algo que se desenvolve a partir da
experiência; é um subconjunto do que realmente sabemos. E ela explica
que grande parte do que sabemos não pode ser expresso através de
palavras, ressaltando que a linguagem evoluiu relativamente tarde no
desenvolvimento humano.
“A forma como usamos a mente para navegar no mundo geral e no mundo
social envolve diversas coisas implícitas, não explicáveis”, ela diz.
Para Jonathan Haidt, professor de psicologia da Universidade de
Virginia, o trabalho de Sperber e Mercier é “importante, pois aponta
para algumas maneiras com as quais os limites do raciocínio podem ser
superados ao juntar as pessoas no caminho certo, especialmente para
desafiar a tendência de parcialidade de confirmação”. Ele complementa
que esta “idéia poderosa” poderia ter implicações importantes no mundo
real.
Na práticaComo observaram alguns colaboradores do periódico, a teoria
aparentemente prediz constantes entraves. Para Sperber e Mercier, porém,
à medida que fomos melhorando na produção e seleção de argumentos,
houve também uma evolução em nossa habilidade de avaliação.
“Pelo menos em alguns contextos sociais, isto resulta em uma espécie de
luta de braço em direção a uma maior sofisticação na produção e
avaliação de argumentos”, escrevem eles. “Quando estamos motivados a
argumentar de maneira lógica, nós nos saímos melhor ao aceitar somente
argumentos firmes, o que costuma ser em vantagem própria”. Grupos são
melhores do que indivíduos em alcançar melhores resultados, pois estão
expostos aos melhores argumentos.
Mercier está entusiasmado com as possíveis aplicações da teoria. Ele
sugere, por exemplo, que as crianças possivelmente terão maior
facilidade em aprender tópicos abstratos de matemática e física se
colocadas em grupo para raciocinar juntas sobre a solução de um
problema.
Ele também vem trabalhando na utilização da teoria na política. Em seu
novo trabalho, em parceria com Helene Landemore, professora de ciências
políticas da Yale, ele propõe que as técnicas de argumentação e
avaliação utilizadas por um grupo fazem dos debates democráticos a
melhor forma de governo por razões evolucionarias, independentemente do
raciocínio moral ou filosófico.
Como, então, podem os acadêmicos explicar os intermináveis impasses no
Congresso americano? “Parece que isso não funciona nos Estados Unidos”,
Mercier admitiu. Ele e Landemore sugerem que a argumentação lógica
funciona melhor em ambientes menores e cooperativos do que no
competitivo sistema acusatório americano, no qual partidários buscam
muito mais vantagens políticas do que alcançar um consenso.
Tradução: Claudia Batista Arantes
Fonte:
http://delas.ig.com.br/comportamento/homem+aprendeu+a+argumentar+so+para+vencer+brigas/n1597040070264.html
Comentários
Quando eu era pequena ( uns 4 anos) falei uma verdade inocente, apaahei e fui chamada de fofoqueira. Depois que cresci,comecei a ouvir que eu era muito...franca.
Conecei a mentir e omitir. Hoje em dia, o patrulhamento é tão grande, que se eu expressar minhas preferências posso ser presa.
Por outro lado, temos que sobreviver, temos que manter boas relações com o próximo, portanto acabamos, conscientemente ou não, apelando para algumas mentiras, pequenas ou grandes ou apenas piedosas. Ou meias verdades. Ou omissão da verdade.
Senão acontece como neste tópico sobre o cara que passou 40 dias falando só a verdade:
http://religiaoeveneno.com.br/index.php?p=/discussion/22/sinceridade-pode-ofender-alemao-passa-40-dias-falando-apenas-a-verdade#Item_1
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