Dilma declara guerra contra o estado laico
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Há uns anos vi uma cena educativa, quando fui buscar meu enteado na escolinha. Havia perto da entrada da escola um despachozinho de São Cosme e Damião, com balas e pequenos brinquedos. E um pai evangélico, que estava chegando, foi possuido de fúria cênica, chutando violentamente o despacho aos gritos de “é macumba”.
Não havia o menor traço educativo na atitude dele, mesmo que ele me tenha explicado depois que “estava preocupado com a possibilidade das crianças serem atraídas pelo despacho”. Mas o que ele impôs naquele momento foi um clima exaltado de terror, culpa e punição – e quem ficou preocupado fui eu, pensando no que é que é que as crianças iam (des)entender de tal surto.
É essa disputa do real em que está envolvido o neopentecostalismo. Diante do caos do mundo, não se trata de preparar, tranquilizar e instruir as pessoas, mas de impor mais medo. É jogar gasolina no fogo. O cruel é que, como no caso da repressão policial e militar, trata-se de fazer um jogo duplo e oportunista, de exaltar simbolicamente o que se diz combater.
Não é à toa que idéias militaristas de disciplina, ordem e combate estão envolvidas na religião, com termos recorrentes como “exército de cristo”. Porque as religiões monoteístas ensinam que há FORA de cada pessoa um foco infalível e inquestionável de moral, e que é melhor “temê-lo” e “obedecê-lo”, já que ele está fora, e não dentro. E a seus representantes, claro.
Cria ódio na cadeia hierárquica haver gente (a maioria, na verdade) que não é tomada por esse temor e por essa obediência – e seguir questionando e tentando entender, com seus próprios meios, em seu próprio nível de percepção e intuição, quais são as implicações éticas em estar vivo e no mundo.
É da possibilidade de enfrentar com coragem moral essa charada central da condição humana que os nós, os “infiéis” não queremos ser roubados. Porque no fundo essa é a única dignidade possível diante do caos: enfrentá-lo e não ser devorado por ele. E não a negação simétrica e improdutiva dele, com a imposição de uma ordem artificial e medíocre, dirigida sabe-se lá por quem.
Quando Dilma, em visita à Assembléia de Deus, na última sexta-feira, em São Paulo, declara que “o estado brasileiro é um estado laico mas, citando o salmo de Davi, queria dizer que feliz é a nação cujo senhor é deus”, ela está errada três vezes. Primeiro, por trair seus eleitores e o povo brasileiro todo, atribuindo a um certo deus (o “deus” cristão de Davi) uma prerrogativa sobre todas as concepções, inclusive a atéia, e a de religiões não-teístas como o budismo.
Segundo, por abdicar, como presidente, do poder. A “senhora” executiva eleita é ela; e os três poderes reconhecidos na constituição do estado laico não incluem os poderes invisíveis – exatamente porque não há como contemplá-los sem cometer injustiças. E terceiro, está ela também jogando gasolina na fogueira dessa onda de arrogância teísta.
O texto O Brasil É Macumbeiro abordava o assunto, mas a “guerra santa” dos crentes continua sempre recrudescendo. Os ataques a terreiros (obviamente as religiões de matriz africana são o principal alvo) e mesmo a igrejas católicas se multiplicam, destruindo até patrimônio artístico, como uma santa de 1857 em Sacramento, Minas Gerais, ou outras imagens sacras do século 18, em Umari (Ceará).
O bispo da Igreja Universal do Reino de Deus que destruiu uma imagem de Nossa Sanhora em seu programa Despertar da Fé na tv Record, em 1995, deu o sinal inicial dessa guerra. O tom do Cid Moreira no vídeo abaixo mostra como a provocação funcionou. E o exemplo do bispo é cada vez mais seguido. Até traficantes convertidos ao neopentecostalismo são recrutados para as agressões, como se vê aqui. Assustador, mas é há muitos anos um fato usual nas periferias do Rio de Janeiro.
Evidentemente a fala de Dilma (assim como sua visita ao Templo de Salomão, na semana retrasada) é um artifício eleitoreiro. Mas não só. É compromisso mesmo, e submissão à chantagem neopentecostal. O deputado federal evangélico e líder do PMDB Eduardo Cunha também discursou nesta visita à Assembléia de Deus. Cunha é da base do governo, mas sempre apronta contra o Planalto.
E tirou sua casquinha da presença presidencial. Comemorou a revogação da portaria do Ministério da Saúde que regulamentava o aborto por estupro, risco à vida e anencefalia no SUS, por pressão evangélica, ferindo os direito legais femininos, e exaltou a perseguição religiosa aos gays. Dilma, que discursou depois, teve que ficar calada e se omitir em relação à fala do deputado.
Comentários
Olá Encosto!
Excelente o texto. Como o autor falou, os infieis devem manifestar seu ceticismo diante do caos, para concientizar outros sobre os perigos do uso politico da religiao.
Como eleitor do PT, fiquei muito triste ao ver Dilma participando dos cultos na igreja Univer$al e na A$$embléia. Só que um político tem que refletir os anseios do povo. Se o povo anseia por fé, o político tem que demonstrar fé. Infelizmente, o sistema eleitoral funciona assim. Se Dilma deixa de participar desses cultos, ela perde o voto evangélico que pode decidir a eleicao.
Cabe a nós, defensores do laicismo, protestarmos contra esta situacao. Para que nenhum candidato tenha mais que pedir as bencoes dos pastores para ser eleito.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
- E aparentemente não mudou em nada.
Abraços,
De vez em quando apareço aqui para ver como anda o forum. Só que nao posso participar muito devido a dores que sinto no pescoço se ficar muito tempo em frente ao computador. Quando tenho algo muito importante a dizer, dai eu posto.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
― Winston Churchill
A elegância do Claudio é comovente.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
― Winston Churchill