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IBLIS

IBLIS
por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 4/5/2004 14:52:17

"Criamo-vos e vos demos configuração, então dissemos aos anjos: Prostrais-vos ante Adão! E todos se prostraram, menos Iblis, que se recusou a ser dos prostrados. Perguntou-lhe (Deus): Que foi que te impediu de prostrar-te, embora to tivéssemos ordenado? Respondeu: Sou superior a ele; a mim criaste do fogo, e a ele do barro."

7ª SURATA, AL A’RAF, Os Cimos, versos 11 e 12

"Tenho muitos nomes."

Lúcifer


Iblis é o correspondente na teologia islâmica ao Lúcifer da teologia cristã.

É difícil escolher entre a afirmação de que se tratam de duas versões do mesmo personagem ou de dois personagens distintos, dado que as semelhanças entre ambos são óbvias e as distinções sutis, porém decisivas.

Uma característica diferencial importante é que Lúcifer foi formatado dentro da teologia cristã fundindo-se num mesmo personagem a serpente do Éden, o Satanás hebraico do Livro de Jó e o Demônio tentador dos Evangelhos.
A forma final do anjo rebelde, Primeiro entre os Caídos, foi definida mais pelo poema épico religioso Paradise Lost, de John Milton, do que pela Bíblia.

Já Iblis, seu alter ego árabe, tem sua origem e natureza explicita e diretamente descritas no Corão, de modo repetitivo em várias suratas, no melhor estilo da Recitação de Mohamed.
Isto torna Iblis teologicamente mais autêntico do que Lúcifer, mesmo sendo ambos variantes da tradição judaica sobre o tema.

Iblis e Lúcifer têm em comum o fato de representarem o mal, de se dedicarem a afastar o homem de Deus e o título de Satã ou Al Shaitan, O Adversário, em hebraico e árabe respectivamente.

Mas enquanto o Portador da Luz é tido e reconhecido como um anjo, Iblis é um Jinn, um gênio, uma entidade que o Islã herdou da mitologia árabe tornando-o o que Samir El-Hayek, tradutor do Alcorão para o português, define como sendo um espírito ou uma força invisível ou oculta.

Os Jinns, dos quais Iblis é o mais proeminente, não possuem os poderes sobrenaturais de Lúcifer e seus demônios. Eles têm a capacidade de influenciar os homens, mas só aqueles que espontaneamente escolherem segui-los, dando a entender que os Jinns só podem conduzir ao mal quem é predisposto a ele, ao contrário de Satanás/ Lúcifer, que tem por objetivo corromper todas as almas, como prova a tentação feita ao próprio Jesus de Nazaré, melhor exemplo de que na teologia cristã, ao contrário da islâmica, ninguém está livre do assédio do demônio.

Um outro diferencial interessantíssimo entre Iblis e Lúcifer é que ambos se dedicam à queda do homem como uma vingança contra Deus, mas ao contrário de Lúcifer, que toma esta missão para si à revelia da vontade divina, Iblis o faz com a autorização expressa de Deus, como lemos na Sura 15:
Criamos o homem de argila, de barro modelável. Antes dele, havíamos criado os gênios de fogo puríssimo. Recorda-te de quando o teu Senhor disse aos anjos: Criarei um ser humano de argila, de barro modelável. E ao tê-lo terminado e alentado com o Meu Espírito, prostrai-vos ante ele. Todos os anjos se prostraram unanimemente, Menos Iblis, que se negou a ser um dos prostrados.
Então, (Deus) disse: Ó Iblis, que foi que te impediu de seres um dos prostrados?
Respondeu: É inadmissível que me prostre ante um ser que criaste de argila, de barro modelável.
Disse-lhe Deus: Vai-te daqui (do Paraíso), porque és maldito! E a maldição pesará sobre ti até o Dia do Juízo.
Disse: Ó Senhor meu, tolera-me até ao dia em que forem ressuscitados!
Disse-lhe: Serás, pois, dos tolerados, Até ao dia do término prefixado.
Disse: Ó Senhor meu, por me teres colocado no erro, juro que os alucinarei na terra e os colocarei, a todos, no erro; Salvo, dentre eles, os Teus servos sinceros.
Disse-lhes: Eis aqui a senda rela, que conduzirá a Mim! Tu não terá autoridade alguma sobre os Meus servos, a não ser sobre aqueles que te seguirem, dentre os seduzíveis. O inferno será o destino de todos eles.

15ª SURATA, AL HIJR, verso 26 – 43


"Os motivos pelos quais Deus teria autorizado Iblis a espalhar o mal entre os homens parece ser uma incógnita mesmo entre os teólogos muçulmanos, já que o site da Sociedade Beneficiente Muçulmana do Rio de Janeiro registra o seguinte comentário sobre o assunto:
Sabemos, por certo, que a batalha entre Adão (o homem) e Iblis (Satã) é muito antiga.
A guerra entre os dois foi declarada por Satã por causa do mal inerente a ele, de sua vaidade, inveja e ressentimento em relação ao homem. Ele teve a Divina permissão para realizar esta batalha por alguma razão que só Allah conhece."

Fonte: Às Sombras do Alcorão, SBMRJ


Mas não há dúvidas quanto à característica mais marcante tanto de Iblis quanto de Lúcifer ser comum aos dois: orgulho inabalável.
Mesmo cara a cara com o poder infinito de Deus, ciente das consequências de seu ato, Iblis recusa-se a se prostar diante de quem não reconhece como seu superior, tal como Lúcifer proclama preferir reinar no Inferno do que servir no Céu.

Orgulho parece ser o primeiro pecado para as duas grandes religiões monoteístas, o que é compreensível dado que uma proclama que a exaltação do homem provém de sua humilhação enquanto a outra denomina todos os seus fiéis como submissos.

Os que negam a Iblis e a Lúcifer qualquer virtude, deveriam enxergar neles pelo menos bravura, bravura alimentada pelos motivos errados talvez, mas que nem por isto deixa de sê-la.

Dito isto e para encerrar de um modo ameno, a diferença mais reconfortante para o observador da religião entre Lúcifer com seus demônios e Iblis com seus Jinns é que estes, segundo os muçulmanos, não tem o poder de incorporar humanos e portanto não existe exorcismo no Islã, poupando a todos nós do constrangimento de assistir espetáculos conduzidos sob o bordão “Sai Jinn em nome de Mohamed”.
O que a gente vê por aí já é mais do que suficiente.
Acauan dos Tupis
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!

Comentários

  • 4 Comentários sorted by Votes Date Added
  • CameronCameron Membro
    edited agosto 2014 Vote Up0Vote Down
    Os que negam a Iblis e a Lúcifer qualquer virtude, deveriam enxergar neles pelo menos bravura, bravura alimentada pelos motivos errados talvez, mas que nem por isto deixa de sê-la.
    Personagens por personagens Lúcifer e sua versão islâmica são bem mais interessantes que a divindade oni-um-monte-de-coisas.

    Dito isto e para encerrar de um modo ameno, a diferença mais reconfortante para o observador da religião entre Lúcifer com seus demônios e Iblis com seus Jinns é que estes, segundo os muçulmanos, não tem o poder de incorporar humanos e portanto não existe exorcismo no Islã, poupando a todos nós do constrangimento de assistir espetáculos conduzidos sob o bordão “Sai Jinn em nome de Mohamed”.
    Preferia um milhão de vezes isso do que o terrorismo.
    Post edited by Cameron on
    Come with me if you wanna live.
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    Em "A revolta dos anjos", Anatole France imagina os anjos caídos, vivendo em nosso tempo e misturados a nós sem percebermos, organizando uma nova rebelião.

    Em cima da hora, Lúcifer percebe que, se vencer, tomará o lugar de Deus e reproduzirá toda a sua prepotência e injustiça, enquanto que Deus será o novo senhor do Inferno, lutando para derrubar a tirania do novo "Deus".

    Daí ele desiste e deixa que as coisas continuem como estão.
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    Cameron disse: Personagens por personagens Lúcifer e sua versão islâmica são bem mais interessantes que a divindade oni-um-monte-de-coisas.

    Geralmente são.
    É como na literatura e no cinema, nos quais frequentemente o vilão é mais interessante que o herói.

    O Lúcifer de Lost Paradise, de Milton, tem uma profundidade shakespeariana, enquanto Deus é um coadjuvante sem graça.
    Do mesmo modo, o melhor livro de A Divina Comédia é o Inferno. O Purgatório é muito poético, mas não tem as doses de humor e ironia dos círculos infernais. E o Céu é uma chatice.


    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
  • Fernando_SilvaFernando_Silva Administrador, Moderador
    edited agosto 2014 Vote Up0Vote Down
    Acauan disse: É como na literatura e no cinema, nos quais frequentemente o vilão é mais interessante que o herói.

    O Lúcifer de Lost Paradise, de Milton, tem uma profundidade shakespeariana, enquanto Deus é um coadjuvante sem graça.
    Do mesmo modo, o melhor livro de A Divina Comédia é o Inferno. O Purgatório é muito poético, mas não tem as doses de humor e ironia dos círculos infernais. E o Céu é uma chatice.
    Em "A revolta dos anjos", os missionários cristãos são chamados de "apóstolos da tristeza" em comparação aos sacerdotes da antiga religião grego-romana.

    Lembrei da piada que postaram no Facebook: Deus sentado no trono com Jesus a seu lado, cercados pela multidão dos eleitos. Legenda: "1228855744559054697 dias adorando a Deus..."
    Post edited by Fernando_Silva on
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