O físico americano busca uma equação que explique o comportamento das galáxias e o das menores partículas conhecidas
TIAGO MALI
19/09/2014 18h26 - Atualizado em 19/09/2014 20h44
Kindle
inShare
O físico americano Brian Greene trabalha há três décadas para fazer o que Albert Einstein não conseguiu. Ele é o mais conhecido de um grupo de teóricos que tentam formatar uma única equação que possa prever, ao mesmo tempo, o comportamento das galáxias e o das menores partículas que conhecemos. A teoria que desenvolvem, chamada de Teoria das Cordas, tem gerado cálculos cada vez mais complexos, elogiados pela elegância matemática. O problema é que, depois de tanto tempo, ninguém conseguiu confirmar com experimentos o que a matemática sugere — cobrança que tem assombrado os envolvidos.
Em visita ao Brasil para palestras no evento Fronteiras do Pensamento, o professor da Universidade de Columbia recebeu ÉPOCA em seu hotel em São Paulo, onde falou sobre seu trabalho atual, que envolve a possibilidade de existirem múltiplos universos, e das dificuldades de confirmação da Teoria das Cordas. Pessimista, ele não vê uma verificação experimental de sua teoria num futuro próximo e diz que, se tivesse que apostar, apostaria que não viverá para vê-la. Nesta entrevista, o autor do best-seller O universo elegante falou ainda sobre o descompasso entre teoria e prática e sobre a possibilidade de que nunca consigamos entender as leis fundamentais do universo.
ÉPOCA – O senhor diz que é fundamental entender o que veio antes do “bang” do Big bang. O que sabemos disso?
Brian Greene – Há duas respostas. A primeira é que não existe “antes”. Assim como você não pode continuar a caminhar mais para o Norte quando atinge o polo Norte, talvez o tempo também comece a contar apenas no Big Bang. Outras ideias, no entanto, sugerem que há um antes. Uma das teorias, a inflação eterna, afirma haver um multiverso, múltiplos universos espalhados em um cosmos muito maior. De alguma forma, esse processo estaria acontecendo para sempre com o nosso universo sendo apenas uma de múltiplas expansões de energia.
ÉPOCA – Os múltiplos universos parecem estar sendo mais bem aceitos pelos físicos. Por quê?
Greene – A hipótese ainda é muito controversa. Alguns apontam como a direção certa, mas outros acham que ela é completamente nonsense e que nem sequer pode ser chamada de ciência. Minha opinião é que a matemática naturalmente sugere o multiverso como uma possibilidade e que, por isso, devemos manter a busca por ele. Mas, sem evidência, continua sendo uma ideia.
ÉPOCA – Essa ideia não vem da dificuldade que vocês têm de explicar o comportamento de partículas e forças? Não seria uma forma escapar dizendo que tudo é aleatório?
Greene – A verdade é que não sabemos por que o universo tem as características exatas que ele tem. E, sim, isso é uma motivação. Se existe um multiverso, resolve-se o problema de por que o elétron tem certas propriedades e comportamentos. A resposta será que não existem princípios fundamentais por trás disso, porque em outros universos ele se comportaria de maneira diferente. Se tivéssemos uma explicação para as massas das partículas, a intensidade das forças no mundo, todos os detalhes que conseguimos medir hoje e que não entendemos, teríamos menos motivos para considerar o multiverso. Admitir múltiplos universos significa admitir que nosso mundo é apenas uma de múltiplas possibilidades, com múltiplas forças diferentes e configurações. Muitas pessoas acham esse tipo de argumentação que estou fazendo, francamente, repugnante, anticientífica. Mesmo assim, pode ser que seja essa a verdade.
ÉPOCA – No livro A realidade oculta, o senhor detalha algumas das possibilidades de que existam múltiplos universos. Quais poderiam ser confirmadas por experimentos?
Greene – O multiverso da teoria das cordas [que pressupõe dimensões além das 3 que conseguimos enxergar], é interessante porque o [acelerador de partículas] LHC, na fronteira da Suíça com a França, pode gerar evidências disso. Quando as partículas colidem fortemente, um pouco dos restos dessas colisões pode ser ejetado da nossa dimensão. Se isso acontecer, poderíamos medir que existe menos energia aqui, indicando que a partícula acabou caindo em um outro universo. É uma possibilidade excitante.
ÉPOCA – E a hipótese da inflação eterna?
Greene – Talvez seja a mais testável. Imaginando que nosso universo seja uma bolha de sabão, ele pode ser atingido por outras bolhas de sabão cósmicas. Se houver essa colisão, a matemática mostra que deverá haver rastros na radiação cósmica de fundo de microondas [tipo de radiação que permeia todo o universo].
ÉPOCA – O senhor escreve também sobre a possibilidade de vivermos num universo holográfico. Como é isso?
Greene – Nesta hipótese, o mundo que conhecemos aqui, de cadeiras, mesas e coisas tridimensionais seria equivalente a um universo que vive numa superfície de duas dimensões que nos rodeia no limite do cosmos. É como se fôssemos sombras, não teríamos existências independentes. O que é notável é que todo esse mundo tridimensional pode ser perfeitamente descrito usando dados numa superfície bidimensional. Estamos aprendendo que há tanta redundância na informação do mundo real que a descrição em duas dimensões seria mais nítida e mais econômica do que a que a realidade que presenciamos. Então, a versão bidimensional seria a versão primária e nós seríamos a segunda versão, uma projeção holográfica.
ÉPOCA – Seria impossível confirmar isso, não?
Greene – Verificação experimental para qualquer uma dessas ideais é um grande desafio. Mas o interessante sobre a ideia holográfica é que as técnicas por trás dela têm sido aplicadas para tentar entender dados experimentais. Por exemplo, no Colisor Relativístico de Íons Pesados [grande acelerador de partículas em Nova York]. As técnicas conseguem descrever os dados com precisão. Isso nos dá então alguma confiança que os conceitos usados estão na direção certa.
ÉPOCA – Uma hipótese ainda mais estranha que o senhor coloca é vivermos numa Matrix, como no filme. Como seria possível saber disso?
Greene – Como você viu no filme, não foi fácil para o Neo ou o Morpheus entender o que estava acontecendo (risos). Claramente, se simulações de computador continuarem a melhorar você pode imaginar isso acontecendo. Veja o quão longe fomos em poucas décadas. Em 500 anos, em mil anos, quando o poder computacional for além de qualquer coisa que possamos imaginar, acho que será possível, sim, criar um mundo artificial no qual seus habitantes não entenderiam que vivem num computador. Pelo menos em princípio, essa proposição curiosa, senão assustadora, existe.
ÉPOCA – A ideia de um universo infinito é mais aceita pelos físicos. Mas isso implicaria automaticamente em outros planetas idênticos ao nosso?
Greene – Se você fizer uma pesquisa com físicos, muitos vão achar que o espaço é infinito, mas ainda não sabemos ao certo. Porém muitos não se debruçam sobre o fato de que um universo infinito leva a concluir que teríamos cópias de nós mesmos na vastidão desse infinito. Quando confrontados com isso, alguns recuam, outros já me disseram que ficam depressivos ao pensar que eles perderiam a sua individualidade. Outros, como eu, acham isso estonteante. Mesmo assim, é muito difícil de provar que o universo seja infinito. Nossas observações sempre estarão limitadas a certa distância.
ÉPOCA – Poderíamos provar o oposto?
Greene – Se você procurar cópias múltiplas da mesma galáxia, isso poderia significar que é a mesma luz que está circulando em um universo finito, com a forma de donut, e entrando no seu telescópio múltiplas vezes. Tem gente tentando fazer essas observações, mas ainda não acharam nada muito convincente.
ÉPOCA – Há três décadas físicos trabalham intensamente na teoria das cordas e até agora não temos verificação experimental. Não é hora de mudar de rumo?
Greene – Qualquer teoria que tente unir gravidade e mecânica quântica [que explica o movimento das partículas muito pequenas] está no mesmo barco: é muito difícil de testar porque a fusão das duas só pode ser observada em energias muito altas ou distâncias muito pequenas, muito além do alcance de qualquer máquina que possamos construir hoje. Dito isto, há alguns sinais que podemos achar no LHC. Se ele encontrar partículas supersimétricas [novo tipo de partícula sugerido pela teoria] ou um buraco negro microscópico, isso seria uma evidência circunstancial forte. Há também cálculos que mostram que a teoria das cordas resultaria em variações muito particulares de temperaturas no cosmos, em um padrão bem peculiar. São todas possibilidades. Mas ninguém tem uma bola de cristal para dizer quando e se isso irá acontecer.
ÉPOCA – Muitos esperavam que a supersimetria já tivesse sido encontrada pelo LHC. Se o aparelho não achar essas partículas, o senhor desiste da hipótese?
Greene – Não. Não seria científico desistir da supersimetria. Eu interpretaria o resultado dizendo que, até a escala de energia que aquela máquina pode atingir, a supersimetria não se manifesta. Uma máquina mais poderosa poderia provar que as partículas estão em outro lugar.
ÉPOCA – Seria bem caro construir um acelerador mais potente
Greene – Há rumores de que o governo chinês poderia ter um papel importante em construir essa máquina. Concordo que há obstáculos práticos para continuar essa exploração, mas só porque você não pode olhar sob o carpete não significa que não tenha nada ali.
ÉPOCA – Mas há limites para o que podemos observar. Não podemos enxergar nada além da distância que a luz percorreu depois do Big Bang, por exemplo. Esses limites não impedem uma teoria que unifique tudo?
Greene – Esse é um problema real. Talvez os dados que podemos ter acesso sejam insuficientes para determinar a descrição do que é o Universo. É, de fato, uma restrição. Frente a isso, há duas reações: desistir ou fazer o melhor que você pode para contornar o problema. A segunda estratégia tem nos levado muito longe. Nos anos 1920, a mecânica quântica foi usada para descrever o movimento das partículas. Agora, todos esses aparelhos aqui [aponta para o smartphone] só existem por conta da mecânica quântica aplicada. Não é só que entendemos mais, podemos usar isso para melhorar o mundo. Vou continuar seguindo essa estratégia até bater em algum muro. Ainda não batemos num muro.
ÉPOCA – Mas e se o mundo simplesmente não puder ser reduzido a uma única teoria? Não faria sentido ter duas teorias diferentes?
Greene – Alguns acham que sim. Há um artigo de um grande físico, Freeman Dyson, onde ele argumenta que poderíamos usar a relatividade geral para coisas grandes, física quântica para as coisas pequenas e tudo bem, é bom o suficiente. O problema com essa perspectiva, é que há situações em que as duas coisas estão juntas, como no momento do Big Bang ou no centro de um buraco negro. E, se as duas teorias não trabalharem juntas, essas situações estarão além da nossa capacidade de compreensão. Seria o mesmo que dizermos que não precisamos entender certos aspectos do universo.
ÉPOCA – Com a dificuldade de fazer testes práticos, parece que a física se apoia cada vez mais em axiomas que matematicamente fazem sentido para seguir. Mas a matemática é uma construção humana, e pode levar a múltiplos lugares não necessariamente corretos, não?
Greene – Talvez a matemática seja uma construção humana. Neste caso, eu me pergunto se... [ pausa de 5 segundos] as ideias que estamos tendo são mais um produto da nossa neurofisiologia do que o reflexo da realidade exterior. É uma possibilidade. É possível que no futuro encontremos alienígenas, mostremos a matemática, e eles nos digam: "no começo tentamos isso também, mas é limitado, está aqui o jeito correto". Mas pode ser que a matemática seja, na verdade, a linguagem da natureza. Ela pode estar entrelaçada com a realidade externa. Alguns chegaram ao ponto de dizer que a matemática é a realidade e que todas as coisas no mundo físico são apenas encarnações das ideias matemáticas fundamentais.
ÉPOCA – Isso soa platônico. Sem confirmações, os físicos não podem estar entrando num mundo das ideias?
Greene – Certamente. Pode ser que, nos próximos 50 ou 100 anos, as coisas evoluam assim. É possível que, se não construirmos nenhuma máquina nova, se não conseguimos fazer observações astronômicas mais poderosas, a física teórica pode se tornar um empreendimento completamente matemático, sem conexões diretas com o que podemos observar. Seria uma situação infeliz porque a física foi feita para ser uma ciência focada na realidade exterior. Mas talvez haja um período no qual a tecnologia ficará muito atrás das questões propostas pela teoria e que depois ela consiga alcançá-la. A questão fundamental é: vamos ter testes reais para essas ideias? Ou as ideias estão simplesmente fora de alcance da tecnologia?
ÉPOCA – O senhor acha que viverá para ver testes confirmando ou refutando essa hipótese?
Greene – Eu gosto de pensar que sim, mas, se eu fosse apostar, apostaria que não. Há uma primeira esperança sobre os testes do LHC. Mas o LHC encontrar ou não a partícula da supersimetria não prova nem desprova nada. Infelizmente, a teoria tem essa flexibilidade que permite acomodar qualquer um dos resultados.
ÉPOCA – Não te incomoda? Unificar as teorias é o que você tem tentado há décadas.
Greene – Sim, sim, me incomoda. Eu preferiria saber. Por outro lado, gosto de pensar que isso é parte de uma jornada que está acontecendo há milhares de anos, tentando aprofundar nosso entendimento da realidade. Se nossa geração contribuir com alguma coisa para essa jornada, mesmo que não na direção certa, ainda assim estamos fazendo algo importante.
ÉPOCA – No que o senhor está trabalhando agora?
Greene – Estou fazendo vários cálculos relacionados ao multiverso. O que acontece quando os universos colidem e quão estáveis seriam esses outros universos. Na educação, estou trabalhando no World Science U, uma plataforma para ensinar física que vai além do que temos nas classes, para ensinar de uma maneira mais poderosa. É um jeito de aproximar a ciência da arte, explicando, mas não de um jeito tradicional. Será uma forma que se guia pelo dramático e o poder do audivisual para comunicar coisas de um jeito não intelectual.
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/09/fisica-pode-estar-perdendo-bconexao-com-realidadeb.html