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Adeus ao Pequeno Shakepeare.

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Não pude conter uma lágrima de meu rosto:
O mundo se despede de um mestre subestimado, que encantou a América Latina com a doce inocência de sua imensa galeria de personagens

Os detratores podem dizer que não aguentam mais as infindáveis reprises das séries mexicanas Chaves e Chapolin na tela do SBT, em todos os horários possíveis. O motivo? A própria emissora de Silvio Santos não tem qualquer vergonha em admitir – a obra ainda rende pontos consideráveis de audiência, que por vezes algumas produções com padrão global de qualidade suam para tentar conseguir. Os mais velhos – como eu – continuam assistindo. Sempre. Por mais que já conheçam os episódios de trás pra frente. E uma nova geração de fãs vai se formando, transformando o menino pobre e de bom coração e o herói atrapalhado e sem muita noção em objetos de culto.

Só mesmo a morte de Roberto Goméz Bolaños, confirmada nesta sexta-feira (28), aos 85 anos, para cessar tamanho ímpeto pelas ofertas da Black Friday e toda a paixão gerada pelo trailer do novo Star Wars. Rapidamente, as redes sociais foram tomadas por mensagens de pesar e frases de efeito que Chaves e sua turma repetiam à exaustão. Aquela história de que “quando morre alguém, todo mundo nas redes sociais vira fã”? Aqui, de fato, não faz sentido. A partida de Bolaños mexeu de verdade com as pessoas. Dava pra sacar nitidamente o quanto elas estavam abaladas.

A Rede Globo, pasmem, noticiou a morte de Bolaños em seu principal noticiário, o Jornal Nacional, rendendo-se à importância do fato. Na internet, um fato histórico: a página da emissora no Facebook compartilhou a homenagem que a fan page do SBT fez para o ídolo. Prova de carinho e, principalmente, respeito. Respeito que, estranhamente, alguns críticos parecem solenemente ignorar.

Para entender a importância que teve toda a criação de Bolaños, basta começar pela compreensão de onde vem o seu apelido: Chespirito. O diretor de cinema mexicano Agustín P. Delgado foi quem lhe deu a alcunha que o perseguiria a vida inteira. Chespirito é uma forma carinhosa de dizer que ele é um pequeno Shakespeare, por causa do seu tamanho (Shakespearito, que passado para o espanhol virou Chespirito).

Chespirito chegou a concluir uma faculdade de Engenharia, mas graças a Odin nunca exerceu a profissão. Tentou ainda lutar boxe, mas fracassou. Acabou se interessando pelas artes. E se tornou escritor, publicitário, ator de cinema, TV e teatro, diretor, compositor e letrista de música popular. Foi na década de 50 que o baixinho começou a aparecer no cenário artístico mexicano. Era programa para o rádio, roteiro para cinema e programas para televisão, tudo ao mesmo tempo. E na TV foi que ele mais se destacou: entre 1960 e 1965, dois programas estavam pau a pau pela disputa dos dois primeiros lugares de audiência da televisão mexicana: Estudio de Pedro Vargas e Cómicos y Canciones. Os dois eram de autoria do señor Bolaños. Chespirito estava tão em alta que até o prestigiado comediante Mario Moreno, o Cantinflas, tinha aprovado uns roteiros para um programa que ele estrelaria, escrito por Bolaños. A ideia não vingou por conta de um problema com o patrocinador.

Gravado de 1972 até 1995, Chaves teve mais de mil episódios registrados, segundo informações do próprio Edgar Vívar, colega de elenco que interpretava o Senhor Barriga e o Nhonho, em sua primeira passagem promocional pelo Brasil – quando tive a chance de entrevistá-lo pessoalmente. Portanto, dá pra entender que nós não chegamos a ver nem metade disso – boa parte dos episódios que o SBT reprisa incansavelmente desde a sua estreia por aqui, em 1984, são da década de 1970. Atualmente, a série é exibida em mais de 40 países. “E não só naqueles que falam espanhol”, revelou o ator ao contar que as aventuras do garoto órfão já foram dubladas para japonês, chinês, italiano, russo…

Segundo o ator, eram três câmeras trabalhando ao mesmo tempo e o diretor e protagonista, apesar de carinhoso e gentil, sempre foi muito perfeccionista. “Se alguma tomada não ficava boa, fazíamos quantas vezes fosse necessário. E eram doses e mais doses de pintura, água, farinha e por aí vai…”. Apesar da tradição televisiva mexicana, nenhum membro do elenco usava ponto eletrônico. “Valia a espontaneidade. Mas ninguém improvisava nas gravações, apenas nos ensaios. Porque era lá que Roberto decidia o que entrava ou não no produto final”.

Mas qual é o segredo de tamanha longevidade? Afinal, a produção simples e de baixo orçamento continua atraindo diversas gerações de crianças e adolescentes mesmo num mundo dominado pela tecnologia dos videogames e da computação gráfica. “Acima da tecnologia estão os valores”, arriscou Vivar em nosso papo. “A situação e os personagens são a coluna vertebral de qualquer produção. Não importam a cenografia pomposa ou a tecnologia que gerou personagens por computador. Se não houverem personagens cativantes, as pessoas não vão se interessar”.

Vivar está certíssimo. O Bolaños criador e roteirista acertava na simplicidade. No humor pastelão, de fácil compreensão, torta na cara, tropeções. Gags que, em sua inocência, transbordavam genialidade. Sem precisar apelar, Bolaños conseguia fazer uma crítica social acertadíssima, ao mostrar a realidade de uma vila de gente pobre, humilde, que sofria com a falta de dinheiro para pensar no que comer no dia seguinte. O garoto de rua inocente e sofrido, que no jogar bola com o moleque rico e mimado no meio da rua, se nivelava, se igualava, eram um igual.

Uma realidade muito presente não apenas no nosso país, mas também em toda a América Latina. Justamente onde sua criação máxima, meu querido Bolaños, mais conquistou admiradores apaixonados. Não é pouco dizer que ele se tornou um fenômeno de cultura pop. Se Vivar tiver condições emocionais para estar na Comic Con Experience, vai ser de longe a figura mais procurada. Jason Momoa, coitado, não vai entender nada do que está acontecendo.

O fato é que, pra mim, morreu um ídolo. E use a palavra “ídolo” com o peso que achar conveniente. Senti, verdadeiramente, como se tivesse perdido alguém da família. Alguém que eu ainda cultivava o sonho, quase infantil, de poder conhecer pessoalmente um dia. Alguém escreveu a frase esta noite e vou reproduzi-la aqui: morreu hoje um dos maiores comediantes do Brasil. E ele era mexicano.

O barril está vazio. A vila ficou em silêncio. Porque aquele eterno garoto do 8, aquela casa que ninguém nunca soube ao certo se existia mesmo, se calou.

Não consigo dizer nada além de “obrigado”. Obrigado, Bolaños, por ter me garantido tantas lembranças de uma infância mais feliz. Fui uma criança muito, mas muito realizada e, em grande parte, você foi um dos responsáveis. Meu coração está apertado, minha alma pesada, meus olhos marejados. Mas, no fundo, sorrio por dentro. Ao imaginar que você e o Seu Madruga estão lá, sentadinhos numa nuvem a leste de Tangamandápio, um ao lado do outro, dividindo um sanduíche de presunto e um copo de suco de tamarindo.

É inocente. Mas é assim que tem que ser. Porque é assim que ele merece.

E agora, quem poderá nos defender? A gente ainda vai tentar descobrir, nosso pequeno Shakespeare.



http://judao.com.br/o-adeus-ao-pequeno-shakespeare-mexicano/#.VHsZnGeB2M8
“Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor.”
― Winston Churchill

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