De onde vem o dinheiro que financia o Estado Islâmico?
Mariano Aguirre (*)
Especial para o serviço em espanhol da BBC
26 agosto 2014
Estado Islâmico | Crédito: AP
Para especialista, Estado Islâmico é "um projeto de Estado com armas sofisticadas, uma ideologia totalitária e financiamento abundante"
"Isso vai além do que vimos antes", disse há poucos dias o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel, referindo-se ao Estado Islâmico (EI), anteriormente conhecido como Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Isis, na sigla em inglês).
Segundo Hagel, o EI não seria um grupo terrorista, mas um projeto de Estado com armas sofisticadas, uma ideologia totalitária e recursos abundantes obtidos por meio de financiamento externo, o que permitiria ao grupo continuar sua ofensiva e lançar as bases de seu califado.
Até alguns meses atrás, o Isis era apenas um dos vários grupos armados sunitas radicais que se opunham ao regime de Bashar al-Assad na Síria. A organização havia ganhado notoriedade por ser uma dissidência da Al-Qaeda, a qual acusou de não ser suficientemente radical.
Mais recentemente, o Isis tornou-se EI e agora é a manifestação mais violenta da insurgência sunita que tenta impor uma versão ultraconservadora do Islã, contra o que considera uma expansão do xiismo liderado pelo Irã, com forte influência no Iraque, na região.
O cerco e a expulsão das minorias cristãs yazidis do Iraque e a decapitação do jornalista americano James Foley são os últimos exemplos da crueldade com que o EI atua.
Mas, diferentemente de outros grupos de insurgentes, o EI chama atenção por seu poderio econômico.
Fontes energéticas
EI | Crédito: AFP
Estado Islâmico tem uma grande capacidade econômica
Uma das razões origens do dinheiro que financia o grupo está na principal matéria-prima do Iraque: o petróleo.
O país é o segundo maior produtor do óleo no mundo, depois da Arábia Saudita.
Há alguns meses, o EI controla uma parte importante da indústria do petróleo iraquiano no norte do país. Mossul, uma das cidades dominadas pelo grupo, produz cerca de 2 milhões de barris de petróleo por dia.
O EI também controla a planta de gás de Shaar e Baiji, cidade onde se localiza a maior refinaria de petróleo do país.
A partir desta área, os insurgentes cortaram o fornecimento de petróleo para a Turquia enquanto tentam avançar sobre as fontes de energia abundantes do Curdistão iraquiano.
O EI não destrói as fontes energéticas que conquista militarmente. O objetivo é usar os lucros para construir o tão propalado Estado islâmico ou califado.
A estratégia é semelhante à de outros grupos armados que estabeleceram nas últimas décadas redes econômicas ilícitas para seu financiamento, compra de armas e enriquecimento de suas lideranças.
Na Libéria e em Serra Leoa, por exemplo, proliferaram na década de 90 grupos insurgentes que competiam entre si pela exploração e pelo tráfico de diamantes.
No Afeganistão, por outro lado, o cultivo da papoula é a principal fonte de renda para o Talebã e outros setores políticos. Já na Colômbia há diversos vínculos entre grupos insurgentes, paramilitares, políticos e traficantes de drogas.
No caso do Estado islâmico, o grupo ganhou experiência na Síria antes de cruzar a fronteira e se estabelecer no Iraque.
"Uma das razões pelas quais o EI tem sido capaz de crescer tão fortemente é que pode importar recursos e ativistas da Síria", diz Patrick Cockburn, em seu livro The Jihadis Return: ISIS and the New Sunni Uprising ("O Retorno dos Jihadistas: Isis e o Novo Levante Sunita", em tradução livre do inglês).
No Iraque, o EI ganhou rapidamente terreno junto à comunidade sunita após a invasão dos Estados Unidos ao Iraque em 2003.
Com a queda de Saddam Hussein, os sunitas foram marginalizados e reprimidos por governos xiitas que se revezaram no poder, especialmente o do premiê Nouri al-Maliki.
Ao mesmo tempo, comandantes militares de Saddam Hussein e funcionários do Partido Baath, expulsos de seus cargos após a invasão, se aliaram ao EI.
Usar os dividendos das fontes energéticas para financiar atividades e impor regimes autoritários não é uma exclusividade do grupo.
EI | Crédito: AP
Usar os dividendos das fontes energéticas para financiar atividades e impor regimes autoritários não é uma exclusividade do EI
Peter Custers, autor do livro Questioning Globalized Militarism ("Questionando o Militarismo Globalizado", em tradução livre do inglês), indica que muitos governos da região usam a renda proveniente do petróleo para comprar armamento pesado e armas dos Estados Unidos e Europa e poder, assim, reprimir seus povos.
Os circuitos e as ligações
Theodore Karasik, do Institute for Near East and Gulf Military Analysis (INEGMA) e Robin Mills, autor do livro The Myth of the Oil Crisis ("O Mito da Crise do Petróleo", em tradução livre do inglês), calculam que o EI ganhe U$ 1 milhão (R$ 2,3 milhões) por dia somente com a exploração do petróleo iraquiano.
Os especialistas argumentam que o valor poderia chegar, no entanto, a US$ 100 milhões (R$ 230 milhões) se somadas as rendas provenientes do comércio da matéria-prima no Iraque e na Síria.
Com visão de mercado, o EI vende o barril a US$ 30 no mercado negro – enquanto o preço internacional supera os US$ 100 – por meio de intermediários na Turquia e na Síria.
Mas o petróleo não é a única fonte de renda para EI.
No caso da Síria, um estudo do Centro de Análise do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR na sigla em Inglês) indica que o EI e outros grupos armados estão instalando um sistema de impostos em áreas conquistadas ao mesmo tempo em que promovem atividades ilegais como roubo de reservas de dinheiro de bancos locais, contrabando de carros e armas, sequestros e bloqueios de estradas.
"Uma economia de guerra está tomando conta da Síria, em particular nas zonas controladas pela oposição, criando novas redes e atividades econômicas que alimentam a violência", diz o estudo.
A pesquisa afirma que o EI também apreendeu grandes quantidades de armas do Exército iraquiano e grupos armados sírios contra os quais luta.
Na Síria, o grupo chegou, inclusive, a desmantelar fábricas inteiras e vender as estruturas na Turquia.
Segundo Jihad Yazigi, autor do relatório para o ECFR, lideranças de grupos armados também estariam interessadas em prolongar o conflito para continuar a receber remessas internacionais de países aliados.
Essa 'economia de guerra', diz ele, cria incentivos para diferentes indivíduos e atores que não teriam interesse no fim do conflito.
Segundo os especialistas, esses novos agentes econômicos, que controlam fontes de energia, contrabando, roubo e venda de armas, sequestros e impostos especiais a minorias religiosas, operariam sem conexão com autoridades do governo.
Peshmerga | Crédito: AFP
Ocidente vem financiando os peshmerga - braço armado do governo curdo - para combater o EI no Iraque
Mas alguns outros mantêm laços com o poder institucionalizado, aponta o relatório do Conselho Europeu de Relações Exteriores. O resultado é uma desintegração do Estado a partir de sua base econômica.
Estados fracos e sectarismo
O apoio da Arábia Saudita e dos países do Golfo aos sunitas para combater xiitas e seus aliados está na raiz do sucesso econômico do EI e de outros grupos jihadistas, afirma o jornalista Patrick Cockburn e outros analistas.
Segundo eles, esses países já teriam canalizado centenas de milhões de dólares para insurgentes sunitas na Síria.
Como ocorreu no Afeganistão com o apoio que os insurgentes recebiam dos países ocidentais nos anos 80, o EI tem crescido através de uma combinação de fraqueza do Estado, do sectarismo por parte do Estado, e do apoio econômico e militar externo para a insurgência.
Para o regime do presidente sírio Bashar Assad, essa fragmentação da economia levará à perda de receita de que ele precisa para prestar serviços básicos e manter o apoio popular nas áreas que controla, pagar o Exército e começar a reconstruir a Síria.
No Iraque, o novo primeiro-ministro, Haidar Abadi, tem menos território e recursos energéticos para lançar uma política mais inclusiva.
Especialistas em terrorismo questionam se o EI pode instaurar um Estado e consolidar uma estrutura econômica.
Para Yezid Sayigh, do Carnegie Middle East Center, o EI só é forte onde tem apoio, o qual poderia diminuir dado à brutalidade das ações do grupo. A resistência dos curdos iraquianos e o que restou do Estado iraquiano, que é apoiado pelos Estados Unidos, pode freá-lo, mas não fazê-lo desaparecer.
Além disso, criar e manter uma economia estatal é complicado. Em muitos casos, a infraestrutura de exploração de petróleo e gás é antiga e necessita de uma renovação tecnológica difícil de ser obtida.
O Estado Islâmico e seu modelo de economia política, bem como o papel de atores externos, têm tornado a região ainda mais complicada.
(*) Mariano Aguirre é diretor do instituto Norwegian Peacebuidling Resource Centre (NOREF) www.peacebuilding.no
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140825_financiamento_estado_islamico_lgb
Comentários
Com o atentado ocorrido na França em janeiro de 2015, a mídia ocidental tem dado um show de hipocrisia, alimentado pela alienação de boa parte da população.
Todo mundo acha que o fundamentalismo islâmico deve ser combatido, mas quase ninguém quer saber o que ele é, sua origem, natureza, nem qual a maneira mais eficiente de combate-lo. Logo após os discursos aparentemente progressistas e libertadores dos líderes políticos, a palavra de ordem resume-se a vingar-se de um inimigo que não sabem quem é nem se pode ver. Nada mais irracional que isso.
A plutocracia financiadora de guerras já estão ansiosos por novos contratos bilionários em armamentos, munição, coletes, tanques, aviões, binóculos, etc, a serem estabelecidos com os governos em sua guerra “contra” o terror.
Mas pensemos: as milícias fundamentalistas que há três anos destroem parte da Síria conseguiram vencer inúmeras batalhas contra o exército oficial local. Ora, mas para isto ser possível é necessário pelo menos duas coisas: arma e comida. Como eles conseguem?
Vamos fazer uma pequena pesquisa. E, embora as informações sejam mais ricas em veículos alternativos de comunicação(sem fins lucrativos), usarei apenas veículos tradicionais da mídia, de modo que o ceticismo conservador seja minimizado.
Segundo reportagem da BBC, "O apoio da Arábia Saudita e dos países do Golfo aos sunitas para combater xiitas e seus aliados está na raiz do sucesso econômico do EI [Estado Islâmico] e de outros grupos jihadistas " [...] “esses países já teriam canalizado centenas de milhões de dólares para insurgentes sunitas na Síria." [1]
Como se sabe, a Arábia Saudita é o maior aliado árabe dos Estados Unidos. Segundo o professor Virgílio, da Universidade de Brasília, a Arábia Saudita é uma das principais compradoras de equipamentos militares dos Estadois Unidos no mundo [2]. Hoje, conforme confirma reportagem da UOL [3], é lá que a CIA assessora abertamente parte das milícias que estão em guerra civil em território sírio e iraquiano. A reportagem também confirma que antes da formação do Estado Islâmico, este recrutamento ocorria dentro do território sírio, tendo como objetivo combater o governo local. Citando uma reportagem da New York Times do dia 25/03/2013, o Jornal MT Agora confirma: [4]. Em reportagem do dia 12/09/13 uma reportagem do Portal Terra relata [5]:
"CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) começou a entregar armas aos rebeldes oposicionistas na Síria, encerrando meses de atraso da ajuda prometida pela administração Obama, de acordo com fontes americanas e sírias do jornal The Washington Post. As remessas começaram a chegar ao país árabe nas últimas duas semanas, junto com veículos e outros equipamentos enviados pelo Departamento de Estado – um fluxo de material que marca um aumento do papel americano na guerra civil Síria."
Mais grave que isto, os chamados ‘rebeldes’ sírios não são civis locais, mas sim estrangeiros recrutados e pagos para atuação como mercenários de guerra. Conforme reportagem do Correio do Brasil, um jornal libanês denunciou a contratação, pela Arábia Saudita, da empresa norte-americana chamada Black Water, recrutando estrangeiros para atuarem militarmente na Síria. Segundo a Agencia de Reportagem e Jornalismo Investigativo (apublica.org), é comum o setor privado dos EUA recrutarem e fornecerem mercenários de guerra a conflitos em várias partes do mundo, sendo seus anúncios de “oportunidades de emprego” (na guerra) divulgados abertamente [6].
Cabe perguntar qual seria a justificativa para o apoio a “rebeldes” contra o governo sírio. Em 2003, em uma declaração oficial em conjunto com lideranças sauditas, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, afirma: “Os Estados Unidos consideram que cada país constrói instituições que refletem sua história, sua cultura e as tradições de sua sociedade, e não pretende impor seu próprio estilo de governo ao governo e ao povo da Arábia Saudita”, elogiando em seguidas as “eleições” daquele país. Em matéria da Folha de São Paulo [7], Bresser-Pereira afirma que a ditadura fundamentalista da Arábia Saudita, aliada dos EUA, o desrespeito aos direitos humanos é incomparavelmente maior do que no Irã ou já Síria. Imagens do youtube mostram decapitações em massa, explícitas, promovidas pelo governo oficial. [8]
E quanto á Síria? Segundo o professor Danny Zahreddine, da PUC de Minas Gerais, a Síria tem um Estado laico, marcado pelas presenças de minorias étnicas e religiosas. [9]. Diante das manifestações de 2011 no país, embora as tenham reprimido com violência num primeiro momento, o presidente Bashar Al-Assad admitiu publicamente e reiterada vezes a concessão de reformas em seu regime político, sendo que diversas reportagens de 2011 podem confirmar isto [10] [11]. Ressalta-se, inclusive, a derrubada de um decreto autoritário que vigorava há 48 anos no país [12]. Conforme reportagem do G1 [13], o presidente havia declarado, em resposta às manifestações, que seu governo já estava preparando reformas políticas, porém, já apontava para a eminencia das gangues armadas atuando em seu país (o que veio mais a, lamentavelmente, se confirmar).
Como desfecho desta ofensiva, hoje contabilizam-se cerca de 200 mil mortos e 3 milhões de refugiados [14], dentre as quais crianças e mulheres islamitas e cristãos, executados das formas mais bárbaras possíveis, desde enterradas vivas até mesmo a crucificação. [15].
Resumindo a História
Para combater o perigo do fundamentalismo islâmico os governos ocidentais aliam-se a um uma ditadura fundamentalista islâmica (Arábia Saudita) e financiam mercenários para lutarem contra um governo laico e republicano (Síria). Ora, isso não faz o menor sentido. Sendo assim, só se pode aceitar tal explicação por pura fé cega.
Assim, de um lado, estão fundamentalistas islâmicos. De outros estão os fundamentalistas ocidentais. A diferença é que os primeiros são pobres, analfabetos, a maioria ex-presidiários, com acesso super restrito à informação, enquanto os segundos sabem ler, tem total liberdade e acesso irrestrito a livros, jornais, pesquisas, conhecem a filosofia secular e o método científico. Ambos, porém, são iguais em uma coisa: recusam-se a raciocinar por si mesmos, acreditando cegamente nas informações que lhe são passadas por seus ‘sacerdotes’.
FONTES:
[1] http://www.bbc.co.uk/…/140825_financiamento_estado_islamico…
[2] http://www.correiocidadania.com.br/index.php…
[3] http://noticias.uol.com.br/…/arabia-saudita-recebera-treina…
[4] http://www.mtagora.com.br/…/nyt-afirma-que-cia-aju…/47651920
[5] http://noticias.terra.com.br/…/cia-comeca-a-entregar-armas-…-
jornal,3873709cda011410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
[6] http://correiodobrasil.com.br/…/eua-infiltram-merce…/671661/
[7] http://apublica.org/…/setor-privado-dos-eua-fornece-mercen…/
[8] http://www1.folha.uol.com.br/…/1331977-a-mao-pesada-da-arab…
[9] https://www.google.com.br/…
[10] http://seer.ufrgs.br/ConjunturaAustral/article/view/43387
[11] http://ultimosegundo.ig.com.br/…/em+mei…/n1238189160408.html
[12] http://noticias.uol.com.br/…/conflitos-na-siria-interromper…
[13] http://noticias.uol.com.br/…/siria-derruba-estado-de-emerge…-
aumenta-no-pais.htm
[14] http://g1.globo.com/…/presidente-da-siria-promete-reformas-…
[15] http://noticias.uol.com.br/…/onu-cifra-em-191369-numero-de-…
[16] http://veja.abril.com.br/…/cristaos-fogem-de-mosul-para-nao…
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Abraços .
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Também armaram os guerrilheiros afegãos que lutavam contra a URSS.
Também na França, Alemanha etc.
Já há até uma "polícia da shariah" na Alemanha que proíbe tudo: beber, jogos de azar, ouvir música etc.
http://www.bild.de/regional/ruhrgebiet/salafismus/scharia-polizei-37540336.bild.html
http://newobserveronline.com/the-extermination-of-the-white-race-marseille-in-france-will-be-first-majority-muslim-city-in-europe/
Assustador .
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