O retrato da crise
Símbolo da indústria automobilística do País, a região do ABC, em São Paulo, é o espelho dos equívocos da política econômica do governo Dilma, que resultaram em demissões em massa e cortes de investimentos
Luisa Purchio (luisapurchio@istoe.com.br)
A região do ABC, bloco da Grande São Paulo formado por sete municípios (os principais são Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul) teve um papel vital no desenvolvimento econômico do Brasil. Desde que a Volkswagen se instalou em São Bernardo, no final da década de 50, muitas outras empresas foram atraídas para o lugar, inclusive montadoras concorrentes da própria Volks. Com o passar dos anos, o ABC se tornou um dos principais polos automobilísticos das Américas, produzindo milhões de carros e gerando riqueza para o País. De uns tempos para cá, o vigor local foi substituído pelo desânimo. Na segunda-feira 4, a Volks anunciou que 8 mil trabalhadores da fábrica de São Bernardo entrarão em férias coletivas. No mesmo dia e na mesma cidade, a General Motors decidiu conceder licença, por tempo indeterminado, a 420 empregados. Os problemas se repetem em diversas outras empresas e só se diferenciam nas medidas adotadas: algumas preferiram demitir, outras optaram pelo afastamento dos funcionários. Nos últimos 12 meses, o setor metalmecânico (que compreende metalúrgicas, montadoras , fabricantes de autopeças e componentes eletrônicos) do ABC cortou 37 mil postos de trabalho, o pior resultado em muitos anos. Símbolo máximo da indústria automobilística nacional, o ABC é agora o retrato acabado da crise brasileira.
TUDO PARADO
Estoque cheio de veículos no pátio da Volks em São Bernardo (acima) e mobilização
de funcionários da empresa contra a crise: pior cenário em muitos anos
Na terça-feira 5, Jaime Ardila, presidente da General Motors para a América do Sul, deu uma declaração que dimensiona o problema. Segundo Ardila, a crise atual é pior do que a de 2008, quando o mercado internacional sofreu um recuo sem precedente. “Hoje está mais difícil arrumar a situação”, afirmou. O cenário é temeroso. Nos primeiros quatro meses do ano, o número de licenciamentos de veículos caiu cerca de 20% na comparação com o mesmo período do ano passado – é a pior margem em 8 anos. Até agora, por falta de vendas, 250 concessionárias fecharam as portas no País inteiro, mas até o final do ano esse número pode chegar a 800 se o mercador continuar parado do jeito que está. “A baixa confiança do consumidor é uma das principais razões para o que vivemos”, diz Luiz Moan Yabiku Junior, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). De acordo com o balanço divulgado na quinta-feira 7 pela entidade, 4,6 mil funcionários perderam seus postos de trabalho no primeiro quadrimestre de 2015, número que, segundo todas as projeções, tende a aumentar. As montadoras argumentam que as medidas anunciadas na semana passada, como licenças e férias coletivas, são essenciais para evitar atrasos nos salários e novos cortes.
Os problemas enfrentados pelas indústrias do ABC são emblemáticos. Foi lá que o Partido dos Trabalhadores começou a ser forjado, no movimento sindical liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, que anos depois se tornaria presidente. Sob Lula, os empregados das fábricas se organizaram e contribuíram de forma significativa para a redemocratização do País. Em 1979, uma greve histórica liderada por Lula em São Bernardo do Campo mobilizou 170 mil trabalhadores, numa rara demonstração da força popular que começou a incomodar uma ditadura agonizante. A ironia é que, agora, as dificuldades que ceifam empregos e investimentos no ABC foram criadas pelo próprio PT, em decorrência das políticas econômicas equivocadas da presidente Dilma Rousseff.
Ainda mais curioso é o fato de as centrais sindicais instaladas no local serem, 35 anos depois das greves, contrárias às decisões tomadas pela equipe econômica do governo de Dilma Rousseff, sucessora e apadrinhada de Lula. “Somos céticos às medidas de reajuste fiscal”, disse à ISTOÉ Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e que é filiado ao PT desde 1985. “A presidente não poderia iniciar seu segundo mandato tirando direitos dos trabalhadores.” Entre as medidas está o aumento do período de carência para quem pede seguro desemprego e a exigência de maior tempo de trabalho para receber abono salarial. “Os reajustes são uma pancada no trabalhador, que está sofrendo ao ter que pagar os aumentos na conta de energia elétrica e de água”, diz Marques.
Os erros da política econômica do primeiro mandato do governo Dilma estão sendo sentidos em diversos setores da economia. Na quarta-feira 6, o IBGE divulgou queda de 3,5% na produção industrial em março em relação ao mesmo mês do ano passado. Foi o 13º resultado negativo consecutivo. Apesar da enxurrada de indicadores ruins, as montadoras acreditam que é possível recuperar lentamente o ritmo das vendas já no final de 2015. Para isso, contam com as novas diretrizes do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “Melhorar a situação fiscal e manter o pagamento dos juros da dívida pública são formas de retomar a credibilidade do País frente ao setor privado”, diz o economista Volney Aparecido Gouvêa, professor da Universidade de São Caetano do Sul, no ABC. “É importante também acelerar os programas de concessão de infraestrutura, que incentivam investimentos empresariais”, diz ele.
O setor de veículos estima que, em 2015, a queda na venda de carros será de 18% em relação a 2014. No mercado de caminhões a projeção é ainda mais pessimista, de redução de 41%. André Beer, consultor para a indústria automobilística que trabalhou durante 48 anos na General Motors, espera uma contração ainda maior. “É um milagre a indústria registrar queda nas vendas de 20%”, diz ele. “Era para ser muito maior. Precisamos de medidas que incentivem a indústria de automóveis, como redução de impostos e do custo do crédito.” Por ora, tudo indica que as montadoras do ABC – e todas as outras instaladas Brasil afora – continuarão com o pé no freio.
Fotos: MÁRCIO FERNANDES/AE; Wesley Passos/Sigmapress, Eduardo Knapp/Folhapress; Daniel Sobral/Futura Press
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Comentários
O que está sendo feito agora é duro e vai prejudicar muita gente, mas a outra opção é seguir o caminho da Venezuela.
Espero que Dilma, Lula e PT se desgastem completamente até 2018 e percam as eleições, mas consertem o país para que o próximo governo não leve a culpa pelas burrices que eles fizeram.
Sou do ABC e vivi a ascensão, queda e ressurreição deste canto peculiar da Grande São Paulo.
O ABC foi (e deve ser ainda) a maior concentração industrial do país, tanto que chamávamos indústrias com quinhentos funcionários de fabriquinha.
Depois dos anos 80 houve uma inevitável desconcentração, em parte pelas pressões sindicais, mas também por falta de espaço, difícil vizinhança entre áreas industriais e residenciais e a guerra fiscal, o que levou boa parte das fábricas para o interior de São Paulo e outros estados.
Nos anos 90 havia o risco de o ABC repetir o desastre de Detroit e tornar-se de terra da oportunidade em terra arrasada pela desolação e decadência econômica. Temia-se acima de tudo que uma das grandes montadoras deixa-se a região e fosse seguida por outras, o que seria uma catástrofe econômica e social.
Nos anos 2000 a região se recuperou.
Assumiu um perfil de classe média, não mais subúrbio operário e diversificou suas atividades, embora a indústria automobilística ainda reine suprema, mas sem muitas coceiras de ir embora como temia-se na outra década.
Nesta nova cara, São Caetano do Sul, de onde escrevo estas mal traçadas, ostenta o maior IDH do país e a segunda maior renda per capita. Não me perguntem da primeira.
A crise de momento pode ser apenas sazonal, sem caracterizar a decadência exagerada no título, mesmo porque em nenhum outro lugar do Brasil conta-se num raio de cinco quilômetros 05 grandes montadoras de veículos, um polo petroquímico, dez grandes shopping centers e um parque industrial que ultrapassa o milhar de unidades.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
No RS, a GM alugou o autódromo de Tarumã e o Velopark para estocar Onix, Prisma e Celta.
A rede de revendas será reduzida em 10%, se já não foi.
Fui revisar meu carro ha 15 dias numa autorizada e metade dos tecnicos já foram demitidos.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
Porém, os argentinos fecharam as porteiras para a entrada de carroças brasileiras.
Um governo sério não deixaria a Cretina Kirchner ditar as regras.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
O Mercosul devia ser chamado de acordo bilateral Caracu, no qual os argentinos entram com a cara.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Se nos bons tempos São Caetano do Sul, berço da indústria automotiva nacional, podia ser chamada de Detroit brasileira, numa comparação com a cidade americana onde nasceu a indústria automobilística, a relação entre elas demonstra que pode persistir até na crise. Há cerca de sete anos, Detroit mergulhou no pior momento de sua história, com fábricas baixando as portas e milhares de operários desempregados. Os dois milhões de habitantes de 1970 foram reduzidos a 700 mil. Os que partiram deixaram para trás milhares de imóveis abandonados, ruas vazias e uma economia quebrada. O fotógrafo e piloto Alex MacLean conseguiu traduzir essa decadência na série de imagens aéreas Detroit by air (acima).
Agora, o enredo de crise se repete no Brasil. De 2003 a 2012, o país representou o maior crescimento do mercado de carros, o que permitiu à indústria automobilística tornar-se a maior da maior economia da América Latina. O arranque foi liderado por Fiat Chrysler, Volkswagen, GM e Ford. O crescimento fez até mesmo a Alemanha ficar para trás em 2010, quando perdeu o quarto lugar entre os maiores vendedores de carros do mundo para o Brasil. Em 2012, foram vendidos quase 4 milhões de automóveis no país.
Tal crescimento se refletiu de modo positivo na qualidade de vida dos moradores de São Caetano do Sul, que há três anos lidera o ranking de municípios com maior IDH (índice de desenvolvimento humano) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A cidade pontuou com 0,862, o que, na comparação internacional, equivale a ficar na frente do Chile, por exemplo. São levados em conta fatores como educação, longevidade e renda per capita.
De lá para cá, porém, veio uma avalanche de más notícias. A economia desacelerou e o crédito minguou. Quase 20 mil pessoas perderam o emprego e milhares ainda correm o mesmo risco. O fim do subsídio do governo à gasolina fez muita gente deixar o carro na garagem. Com Brasil e Argentina puxando as vendas para baixo, a indústria automobilística latina teve um prejuízo de 2 bilhões de dólares na região no ano passado. As montadoras que sofreram menos foram as que tinham fábricas mais mecanizadas, especialmente Honda, Hyundai e Toyota, além da Fiat Chrysler, que nadou contra a maré e abriu uma fábrica neste ano em Pernambuco.
Será que a crise econômica pode por a perder até mesmo conquistas locais como a boa qualidade de vida de São Caetano do Sul? Será que a cidade repetirá o triste destino de Detroit? Não necessariamente. O desempenho de São Caetano do Sul nos próximos meses dependerá dos investimentos que o município tiver já tiver feito com foco no médio e no longo prazos. Tais resultados serão acompanhados de perto por todas as cidades do mundo que apostaram no automóvel como eixo de prosperidade – incluindo aí a vizinha e também berço da indústria nacional, São Bernardo do Campo.
Se no Brasil crise já se instalou e começa a mostrar seus efeitos, há neste exato momento um lugar do mundo tentando –e conseguindo– transformar o impulso econômico da produção automotiva em benefício permanente. É Aguascalientes, no México, menina dos olhos das montadoras que tem menos de 1 milhão de habitantes e está localizada 500 quilômetros ao norte da Cidade do México.
O México é hoje o maior produtor de carros da América Latina. Era o décimo do mundo em 2009 e saltou neste ano para sétimo lugar global, à frente da França, da Espanha e do Brasil, de quem roubou a posição. É também o quarto maior exportador do mundo. Ford, Toyota, Nissan, Audi e BMW são as principais montadoras instaladas por lá. Ao contrário do Brasil, que de modo geral dedicou seus melhores anos ao incentivo do consumo, o México fez escolhas diferentes.
Primeiro, o México investiu na formação de engenheiros e assim pode oferecer mão de obra local bastante qualificada quando isso se fez necessário. No Brasil, apenas 39% dos estudantes de engenharia se formam. Dos que pegam o diploma, só 42% trabalham com engenharia e, desses, só 54% estão no setor industrial. A falta de profissionais qualificados resulta milhares de vagas ociosas. Em 2007, momento de forte expansão econômica, quase um terço (31%) das vagas para engenheiros no Brasil permaneceram desocupadas. Os dados são da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A segunda diferença que pesa a favor do México é sua abertura econômica. O país firmou acordos comerciais com 45 países, enquanto o Brasil firmou com apenas oito. Isso significa também que outros produtos, como pneus e eletrônicos, começam a surgir na esteira da produção automobilística, ampliando o escopo da produção local. Celaya, San Luis Potosi, Monterrey, Salamanca e Saltillo estão entre os polos dessa nova geração de produtos “made in Mexico”.
Em terceiro, o México busca alternativas para aumentar o crédito, como linhas oferecidas pelas próprias fabricantes. O maior esforço é da Nissan, que no início deste ano chegou a mapear trabalhadores informais do país para tentar oferecer meios de adquirirem um carro. Por fim, tudo isso acompanha investimentos federais em rodovias, cada vez mais atraentes e seguras para os motoristas, e também em ferrovias, para facilitar o transporte da produção de aço necessária às montadoras (indústria que também segue muito bem, obrigada).
Muitas cidades brasileiras podem já ter perdido a chance de ser o México. Ainda assim, na pior das hipóteses, podem tentar se reinventar como Detroit. Em 2011, o Sistema de Saúde Henry Ford, uma organização sem fins lucrativos que presta serviços médicos, uniu-se ao Centro Médico de Detroit e à Universidade Wayne State, além de outras entidades filantrópicas para lançar um programa chamado Live Midtown, (algo como centro vivo), que oferece incentivos financeiros para os funcionários que se instalarem no abandonado centro de Detroit ou apenas permanecerem por lá. A onda de adesões fez outras empresas oferecerem vantagens parecidas, desde fabricantes de computadores a produtoras de energia. Já ao governo local coube colocar as contas em ordem e conceder os incentivos possíveis para a transformação. Aos poucos e não sem dificuldade, Detroit vem se reerguendo.
Claro que a todas essas cidades persiste ainda uma questão estrutural: no mundo todo, o carro não representa mais o mesmo objeto de desejo que representou no passado. Estudos sobre a geração do milênio indicam sua preferência por bicicletas e transporte público, o que se reflete numa escala menor de vendas para esse público. A questão ambiental também pesa. Enquanto os carros poluem, as temperaturas mundiais seguem em elevação e o ar urbano de várias cidades do mundo é apontado como responsável por uma profusão de doenças respiratórias. Isso sem falar na disputa pelo espaço urbano, o que muitas vezes coloca o carro no papel do vilão da história. Por outro lado, é indiscutível que o carro embute uma história de sucesso e que continua sendo fundamental para o desenvolvimento de países inteiros. Modelos menos poluentes, como os elétricos da Tesla, e os inteligentes, como o Google Car, mostram que há caminhos promissores a serem explorados pela indústria automobilística. Motorizado ou não, o destino de Detroit, São Caetano do Sul e Aguascalientes têm muito a ensinar sobre o futuro das cidades.
http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/2015/05/11/cidades-que-fabricam-carros/
Desinformação total...
Os resultados de São Caetano do Sul em IDH são efeito de um processo conduzido nos últimos cinquenta anos e não produto da última década de vacas gordas da indústria automobilística.
Este sucesso social de São Caetano pode ser explicado com uma palavra: desfavelização.
A cidade eliminou suas últimas favelas nos anos 60 e de lá prá cá inibiu - com decisão - que outras se formassem.
Se fosse apenas a presença da indústria garantisse bons indicadores sociais, a vizinha Diadema, uma das maiores concentrações de fábricas do país, apresentaria qualidade de vida comparável à sancaetanense.
Mas tão longe léguas disto.
E o que houve em Diadema? Invertendo o caso anterior, favelização.
São Caetano também é uma das raras cidades que cumpriram um projeto de longo prazo, mantido por uma continuidade política na qual por décadas o grupo do Capo di tutti i capi comandou a cidade fundada por italianos.
Mas a matéria tem razão ao levantar o temor de Detroit e as incertezas do futuro. Há gerações São Caetano convive com a sede da General Motors do Brasil e enxerga a empresa como uma vaca leiteira capaz de satisfazer todas as suas necessidades. Esperam contar com a vaca para sempre, mas como dizia a musiquinha, o prá sempre sempre acaba.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!