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A maneira em que os heróis têm sido retratados no cinema revela um dos conflitos mais presentes na cultura popular hoje em dia: a necessidade de projetar algum tipo de virtude, de capacidade, de figura admirável, brigando com o fato de que a cultura se tornou anti-ambição, anti-autoestima - ou seja, os valores que tornam os heróis possíveis. Os anos 80 e 90 foram décadas em que a cultura foi dominada por projeções inspiradoras e admiráveis do ser humano, tanto no cinema quanto na TV e na música. A partir dos anos 2000 a coisa mudou, particularmente depois do 11 de Setembro. Os heróis não foram abandonados por completo, pois isso seria impossível: é da natureza humana querer ter algo pra aplaudir e pra admirar - mas agora isso briga com o medo de ser acusado de ser arrogante, ou pior: de querer ser "superior" a alguém. Então os heróis dos filmes, da TV e da música estão sendo diminuídos - eles demonstram certas virtudes, mas de uma maneira corrompida, disfarçada, misturada com algum elemento subversivo, que serve como um perdão por suas qualidades.
Existem vários tipos de "heróis envergonhados", mas eles revelam sempre a culpa da parte dos artistas em projetar auto-estima, habilidade; um senso de orgulho e ambição que muita gente considera um pecado hoje em dia.
Isso tudo é muito evidente nos filmes de super-heróis, por exemplo, que a partir dos anos 2000 começaram a ficar cada vez mais sombrios e realistas. Os heróis, em vez de serem figuras de destaque, maiores que a vida, passaram a ficar mais "humanos", comuns, apresentando todo tipo de fragilidade e de distúrbios psicológicos.
As animações infantis também revelam claramente essa mudança. Em vez das princesas belas e elegantes
dos tempos de Branca de Neve ou mesmo do Rei Leão, você tem figuras muito mais simplórias: príncipes e princesas sem pompa, às vezes de caráter ambíguo, que falam e gesticulam de maneira vulgar, sem a classe e delicadeza que caracterizavam os personagens Disney de antigamente.
Há também uma série de programas de TV e artistas pop que levantam a bandeira dos "losers", como Glee, afirmando que agora é a vez dos fracos conquistarem os holofotes.
Não estou dizendo que um herói não possa apresentar fragilidades ou desvantagens. Muito pelo contrário - acho importante que um herói tenha vulnerabilidades e pontos fracos, pois seria impossível para o público se identificar com uma máquina indestrutível. Alguém infalível que realiza um grande feito não diz nada para o espectador. Só pode ser uma inspiração alguém que tenha limitações humanas naturais e mesmo assim supere essas limitações e conquiste seus objetivos. Mas há uma diferença grande entre ter limitações, fragilidades, e ser um "herói envergonhado". A principal é que, no primeiro caso, o foco está na projeção das virtudes e não na projeção das falhas - as qualidades e as conquistas do herói são dramáticas, convincentes, empolgantes, memoráveis, e as fragilidades estão presentes apenas pra dar um senso de realismo e tornar a superação ainda mais intensa. Num filme de "herói envergonhado", toda atenção é dada às fragilidades, às inseguranças, ao lado "humano" e "realista" do herói, mas nunca vemos uma apresentação dramática de suas virtudes, daquilo que faz dele digno de ser contemplado (é comum essas figuras fazerem parte de um grupo, onde a atenção é diluída entre vários personagens e o protagonista não ganhe crédito demais por suas conquistas). É importante também diferenciar entre desvantagens, fragilidades, e falhas de caráter. Enquanto desvantagens e fragilidades são aceitáveis e criam uma ponte pro espectador se identificar com o herói, falhas de caráter são no fundo uma tentativa de corromper sua imagem.
Outra maneira de diminuir o herói é através do uso de humor. Não que o herói não possa ser divertido ou
ter senso de humor. A pergunta a ser feita aqui é: você está rindo com o personagem ou do personagem? Não há problemas em rir de coisas que o personagem faz intencionalmente e não ferem sua dignidade. Mas rir às custas do herói é quase sempre errado, a não ser que você esteja vendo uma paródia.
Heróis são feitos pra provocar inspiração - as crianças saem do cinema imitando seus gestos, querendo ser como eles. Um "herói envergonhado" é feito pra amenizar a baixa auto-estima, dar um senso de conforto pro espectador, de "inclusão", dizendo que ninguém é grande demais - que todo mundo é inseguro, tem falhas, portanto não há por que se sentir inferior.
Devia ser claro por que isso é uma contradição. Se você quer celebrar humildade, igualdade, o lado simples e não-heroico do ser humano, há vários estilos de filmes adequados para isso. Mas não: as pessoas querem contar histórias grandiosas, de superação, integridade, de reis e princesas - ou seja, criar heróis, e ao mesmo tempo dizer que eles não são tão heroicos assim. A intenção não é inspirar o fraco dizendo que ele é capaz de se superar, mas diminuir o forte e trazer todo mundo pro nível do comum.
Esse elemento pode surgir de várias maneiras e em vários graus diferentes, nem sempre comprometendo o total do trabalho. Às vezes é de maneira óbvia, como em animações do tipo Madagascar, Kung Fu Panda, e às vezes de maneira menos evidente, como no mundo da música, na tendência dos cantores pop de usarem vozes semi-roucas, sem intensidade, distorcidas, que passam uma atitude menos ambiciosa (se comparada com a dos astros dos anos 80 e 90, que demonstravam todo seu poder vocal). Em casos onde há uma mistura de heroísmo com elementos de "heróis envergonhados", meu critério final é: no fim das contas a figura é admirável? Inspira um senso de desafio, de grandiosidade? Tem habilidades que encantam? Uma criança ficaria inspirada - gostaria de agir como ela? Se a resposta for sim, pode ser possível perdoar o resto.
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