24 de outubro de 2011 • 15h55
BENGHAZI, Líbia, 24 Out 2011 (AFP) -Os novos líderes líbios iniciaram nesta segunda-feira negociações para formar em um mês um governo regido pela sharia ou lei islâmica responsável pela transição após 42 anos de ditadura de Muamar Kadhafi.
As novas autoridades proclamaram no domingo a "libertação" total da Líbia em uma cerimônia realizada em Benghazi (leste), ofuscada pela polêmica gerada pelo linchamento e aparente execução sumária de Kadhafi, depois de ter sido capturado vivo na quinta-feira em Sirte pelas milícias do CNT.
"Hoje preparamos uma nova etapa" durante a qual "vamos trabalhar duro para o futuro da Líbia", afirmou no domingo o vice-presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT), Abdel Hafiz Ghoga, na histórica cerimônia.
O número dois do CNT, o liberal Mahmud Jibril, assegurou que existem negociações para formar um governo interino, do qual já adiantou que não formará parte. "Este processo levará entre uma semana e um mês", disse.
As negociações correm o risco de serem comprometidas por disputas de poder, entre disputas de liberais contra islamitas, tensões regionalistas, rivalidades tribais, ambições individuais, e briga pelo controle das receitas do petróleo.
Segundo o roteiro anunciado pelo CNT, serão realizadas eleições constituintes em um prazo máximo de oito meses, seguidas por eleições gerais um ano mais tarde.
O presidente do CNT, Mustafá Abdul Jalil, pediu que seus compatriotas "perdoem" e "tirem o ódio dos corações (...) para reconstruir a Líbia".
"Há bens que foram apreendidos à força. Convoco todos os líbios a respeitar a lei e a não se apoderar de nada pela força", disse.
Ele também reafirmou no domingo que a legislação do país será baseada na lei islâmica.
"Como país islâmico, nós adotaremos a sharia como lei essencial. Toda lei que violar a sharia será legalmente nula e sem efeito", disse, citando como exemplo a lei de divórcio e casamento e a abertura de bancos islâmicos, que "proibirão os juros (...), conforme a tradição islâmica".
No regime de Muamar Kadhafi, a lei não proibia a poligamia, mas determinava pré-condições, como o consentimento da primeira esposa. O esposo também precisava provar perante a justiça que tinha capacidade financeira para sustentar uma família múltipla.
"É chocante e insultante constatar que depois do sacrifício de milhares de líbios pela liberdade, a prioridade dos novos líderes é permitir que os homens casem em segredo", lamentou Rim, uma feminista de 40 anos, "solteira e orgulhosa disto".
"Nós não vencemos Golias para viver na Inquisição", denunciou.
Azza Maghur, advogada e militante dos direitos Humanos, acredita que "este não é o momento para fazer tais declarações", e afirmou que prefere saber "sobre outros assuntos mais importantes, como o período de transição".
"Não queremos perder o que conquistamos durante a era socialista dos anos de 1970. São assuntos que devem ser dialogados. A mulher tem direito de voz", disse.
Ela considera que Abdul Jalil "expressou seu ponto de vista como pessoa e não como Estado. Ele não tem o poder de anular as leis".
Abdelrahman al-Chater, um dos fundadores do Partido da Solidariedade Nacional (centro-direita) afirmou que é "precoce falar na forma de Estado".
"Este é um assunto que precisa ser discutido pelas diferentes correntes políticas e pelo povo líbio", disse.
"Estas declarações provocam uma sensação de dor e amargura nas mulheres líbias, que sacrificaram suas vidas" para combater os homens do antigo regime, acrescentou.
"A anulação da lei do casamento, fará com que as mulheres percam o direito de ficar com a casa e os filhos em caso de divórcio. É uma catástrofe para as mulheres", denunciou.
A proclamação oficial do fim da era Kadhafi foi saudada por vários países, incluindo França e Grã-Bretanha, protagonistas da coalizão internacional que em março iniciou uma intervenção militar para pôr fim à repressão sangrenta dos protestos. Segundo o CNT, o conflito deixou mais de 30 mil mortos em oito meses.
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5432446-EI294,00-Libia+libertada+prepara+novo+governo+regido+por+lei+islamica.html
Comentários
E é este um dos motivos de as potências ocidentais protegerem os ditadores: a alternativa pode ser pior, como se viu no caso do Irã.
Pior para quem? Para os "ocidentais"?
Pior para todos que tem um senso humanitário. Esta turma acha que tudo se consegue pela força, pela subjugação, pela opressão, pela repressão, pela tortura, pela morte, pela guerra. E adotam a dobradinha religião/estado como forma de organizar a sociedade deles. A barbárie continua presente e o mundo precisa concordar com o tal respeito à diversificação cultural! Nem todos dentro de regimes assim são felizes com estas formas de governo, mesmo as que se dizem "moderadas". Não se pode relativizar a violência e a barbárie.
Argumento falacioso, para mais infundado. O Irão não é perturbador no médio oriente, antes pelo contrario. O povo iraniano é adverso a revoluções, preferem a evolução progressiva e isto é o que tem sucedido.
EUA e Israel. Seria tudo mais simples usufruir de Estados vassalos.
Você esquece que o Irão não invadiu ninguém para impor nada. O que se passa dentro da casa deles é assunto deles. Podemos criticar, mas não impor pela força ou guerra como num Iraque da vida.
Você olha o problema de forma correta, mas acaba fechando os olhos para quem é agressor de facto - Em nome dos nossos valores, atacamos nações soberanas.
A reforma da nação iraniana ao povo pertence. No entanto, apoiar uma guerrilha interna no Irão é uma barbárie que causa sofrimento desnecessário e muito superior à repressão do governo.
Sim, mas teocracia costuma ser ruim para o povo também.
Sim, mas o povo não tem poder numa teocracia. Num país governado por aiatolás que regulam até o corte de cabelo das pessoas. Isto não é o suficiente para uma intervenção estrangeira, mas um país pode decidir que é o suficiente para limitar suas relações com ele.
Bem, há limites para o que se pode ver acontecer dentro de um país sem intervir. Os massacres nas guerras civis de Ruanda, por exemplo.
E as coisas mudam de figura quando o governante defende abertamente a destruição de outro país. Se ele vai fazer isto ou mesmo se tem capacidade para tal já é outro assunto.
Isso vale para as atrocidades praticadas pelos EUA na África, pelos diamantes, ou neste caso foi só uma bobagenzinha que deve ser esquecida, ou ainda, seria algo "localizado"?
Curioso que você fale do caso Ruanda, onde ninguém interviu e usa-o como argumento para a possibilidade de aceitarmos o ataque ao Irão.
Você insiste muito nisso da destruição. Ora essas palavras foram ditas por todos...
Palavras leva-as o vento. Porém, pensando como você, apetece-me falar em Munique, onde palavras o vento levou. A vida não é sem riscos, mas o risco que você refere é inexistente.
Lido com factos, o Irão nunca invadiu qualquer nação e vive ameaçado de guerra; Teve até uma agressão iraquiana apoiada pelos mesmos que o ameaçam hoje.
O Irão não tem capacidade militar, nem a posse da arma nuclear muda isto.
Pensar que alguém, no Irão, é capaz de sacrificar toda a nação para destruir outra é incrivelmente pouco credível - Em nada, existe 100% de garantia, mas podemos evitar a insanidade de um ceticismo deslocado.
Quando olho o mundo vejo muitas falhas, mas algumas importantes conquistas esquecidas.
Não concordo com invasões, a menos que um povo peça socorro a outro. Sempre há um sentimento humanitário institintivo quando há inocentes ou submissos sendo massacrados e oprimidos. Organizações como a ONU deveriam servir para amenizar tais crises e minimizar a tragédia. O problema é que a ONU sofre manipulação de todos as formas, a maioria delas de olho, como você disse, em outras formas de repressão.
A priori, o pior governo é o que massacra e oprime seus próprios cidadãos. Inaceitável.
Acabou demostrar na TV que a atual política está tão sangrenta quanto a anterior ou seja, mudamos apenas as armas de mãos. E tudo isso em nome da democracia e dos direitos adotados pela OTAN. Não esperava nada menos que isso...
Deveria valer, com a ressalva de que as pessoas tendem a se agarrar a detalhes sórdidos quando se trata dos EUA, como se isto os definisse como país, e perdoar os países 'coitadinhos', mesmo que eles sejam podres até a medula.
http://br.noticias.yahoo.com/cnt-investiga-suposto-abuso-sexual-kadafi-215200322.html
Mas claro que isso é justificável pois deve ter sido algo isolado....
Exato - Você, eu e os demais somos pessoas.
Na líbia, a intervenção da Otan criou uma enorme via para os ultra-conservadores alcançarem o poder. O futuro depende muito da capacidade de integrar os aliados (tribos) de Kadhafi na governação.
A fraca demografia e a concentração do povo nas cidades compensam a destruição da estrutura do muito funcional Estado líbio da era Kadhafi.