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Indignados e ignorantes
Gulherme Fiuza
O bem está de volta. O mundo foi tomado por uma onda de protestos, organizados por ativistas que se orgulham de ser pessoas comuns: os “indignados”.
Conectados pelas redes sociais, os indignados foram às ruas quase simultaneamente em mais de 80 países.
A inédita ofensiva global teve cores e slogans variados, mas todas as manifestações foram unificadas por um mesmo traço: a falta de importância.
Essa espécie de tsunami de aquário produziu cenas impressionantes: no Vale do Anhangabaú, por exemplo, uma multidão acampou sob o Viaduto do Chá. Os organizadores calcularam essa multidão em cerca de 200 pessoas. A polícia acha que eram umas 50.
O mundo nunca mais será o mesmo.
Contra o que exatamente os indignados protestam ao redor do planeta? Contra as corporações, o capitalismo financeiro e os governantes. O céu, a terra e o mar foram poupados. Por enquanto.
Os indignados estão saindo às ruas para fazer uma denúncia: a humanidade virou refém das empresas, dos governos e do dinheiro. Na próxima volta no quarteirão eles devem explicar para que planeta devemos todos nos mudar.
Provavelmente, para o mundo da Lua.
Já tem gente dizendo que a histórica revolta de maio de 1968 está sendo reeditada na marcha dos indignados de 2011. Fora o fato de que a primeira foi real e a segunda é virtual, são mesmo iguaizinhas.
“Ocupe Wall Street”, prega a filial americana do protesto. É isso aí. A bolsa de valores só serve para enriquecer o Bill Gates, o Steve Jobs e seus colegas de capitalismo selvagem.
Melhor estatizar logo esse cassino, e transformá-lo num Bolsa Família mundial.
Quando o dinheiro acabar, nos alimentaremos todos de poesia populista.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu aos governantes que ouçam os indignados, e sua “mensagem muito clara e inequívoca para todo o mundo”. E acrescentou: “É preciso uma perspectiva mais ampla para salvar esse mundo.”
Eis a mensagem clara e inequívoca de Ban Ki-moon, que já viu a luz: arranje um emprego na ONU e seja você também um indignado profissional.
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Comentários
O facto de não apresentarem solução deve ser entendido pelo que é, uma manifestação além ideologia. Quando os classificam de esquerda dão um tiro no pé, alienam uma parcela da população e isto pode ser um risco se a esquerda souber canalizar o descontentamento.
O movimento ocupar Wall Street ultrapassa a clivagem esquerda e direita.
A ideologia da inveja é estupidez, significa desprezar as pessoas. Existe 20% de desemprego em Espanha - Tudo fracassados e preguiçosos?
O mesmo para os demais países, as pessoas querem trabalhar. Fechar os olhos a este facto é outro tiro no pé.
Se existir emprego, ninguém quer saber se o fulano ou sicrano são ricos. Acredito que a esmagadora maioria das pessoas, não se preocupa com ideologia, desde que tenha a barriga cheia - as revoluções ocorrem quando a classe média é sangrada.
Rotular um movimento de "esquerda", apenas por questionarem o sistema financeiro é ser maniqueísta. Na verdade, quem leu sobre o último colapso nas bolsas americanas (e Europeias) sabe que houve uma série de crimes cometidos pelos administradores dos bancos, corretoras e seguradoras. Chegou a um ponto onde era preferível conceder empréstimos para pessoas sem condição de pagar pois assim se criavam carteiras podres que eram vendidas para grupos que visavam a inadimplência, pois assim ganhariam mais dinheiro das seguradoras. Esses executivos, que faliram suas empresas, ainda assim ganharam bilhões em bônus, enquanto vários fundos de aposentadoria de trabalhadores comuns perderam tudo o que tinham economizado. Aconselho a assistirem o documentário "Inside Job", que revela tudo o que ocorreu. E que ainda ocorre pois os responsáveis pelo colapso ainda ocupam cargos no governo dos EUA.
Mas é ineficiente apenas fazer barulho, sem apontar os verdadeiros culpados e sugerir soluções. Nada mudará porque ninguém se sentirá culpado ou então porque estão reclamando das pessoas erradas.
E já motivou uma reação da classe média, o "movimento dos 53%", que são contra sustentar os benefícios exigidos pelos manifestantes:
http://religiaoeveneno.com.br/index.php?p=/discussion/349/classe-media-americana-rejeita-movimento-ocupem-wall-street#Item_4
Estão errados, sim, não por serem preguiçosos, mas por acusarem as pessoas erradas. Ou, como fazem muitos candidatos no Brasil, se dizer "contra tudo isso que está aí".
Além disto, apesar de não conhecer esses 20%, arrisco dizer que grande parte deles viveu por muitos anos como se não houvesse amanhã. Como se a prosperidade européia nunca fosse acabar. Fazendo dívidas como se nunca fosse ficar desempregada. Sem se preparar para possíveis dificuldades futuras.
Como eu já contei aqui, meus colegas de trabalho me sacaneavam por ser econômico e não aproveitar a vida. E depois, quando vinha a crise, me chamavam de FDP por não querer lhes emprestar dinheiro. Pode não ser o caso de todos, mas acho que explica boa parte do problema.
Pois é. Quando os problemas aparecem, procuram-se bodes expiatórios: judeus, bruxas, os ricos, o capitalismo.
Sim, são os especuladores improdutivos que têm que ser denunciados, não os bancos, genericamente, ou o sistema financeiro ou o capitalismo.
Denúncias genéricas demais não atingem ninguém.
Sem falar em que quem pega empréstimos sem ter como pagar é igualmente culpado e também deveria ser acusado.
Fernando, praticamente toda Wall Street, a bolsa de Nova York, vive da especulação. A desregulamentação total das práticas bancárias é que causou o crack da bolsa. Quando uma corretora cria um derivativo, baseado em títulos podres, apenas para inflar contabilmente os ativos, ela está cometendo crime. Os bancos usaram alavancagens (emprestar muito mais do que as reservas poderiam cobrir) em níveis absurdos, era como uma pirâmide monetária (crime previsto em lei) onde o rombo era jogado para a frente e os corretores tinham bonificação gigantescas enquanto estavam falindo as instituições. Não há como separar o administrador da empresa que administra, ele responde legalmente por ela. Crimes contra a economia foram praticados por esses "especuladores" enquanto no comando de bancos, corretoras e seguradoras. E acredito que o povo que teve seus fundos de pensão destruídos tem todo o motivo para reclamar.
Wall Street não é a origem do problema.
É verdade que banqueiros em geral não pagam por seus erros coletivos. Eles estão isentos. Se o mercado regurgitar seus investimentos o Estado vai salvá-los.
Isso é de fato revoltante. Mas não é culpa dos banqueiros. É culpa do Estado.
Isso não é excesso de capitalismo. Isso é falta de capitalismo.
Bancos não tem autonomia monetária. Eles obedecem as diretrizes de uma organização burocrática.
Em outras épocas bancos iam à falência. E seus clientes perdiam uma parte de seus depósitos. Mas clientes de outros bancos não.
A criação do banco central praticamente extinguiu o risco de bancos irem a falência por insolvência. Todos os bancos são quase igualmente insolventes. E os custos dessa insolvência são transferidos para o mercado, para todos usuários da moeda oficial.
A instituição a ser atacada não é a indústria financeira. O problema é o regime de gestão monetária socialista que se instalou em todos os países. Esse regime é inconseqüente, como todo tipo de gestão socialista do que quer que seja.
Enxergar essa relação exige um entendimento de nível mais sofisticado do que o acessível para a grande maioria das pessoas.
Sim, e isto foi melhorado no Brasil após as sucessivas crises. As margens aqui são bem mais rigorosas que as aceitas internacionalmente (os Acordos de Basiléia). E o tão criticado PROER evitou que bancos falidos arrastassem com eles o resto do mercado.
Mas do que é que eles estão reclamando, exatamente? De coisas específicas ou da crise em geral? Quando eles se dispersarem, o que terão deixado como propostas efetivas?
Acredito que a maior reclamação é a de que as instituições financeiras falidas receberam bilhões do governo, dinheiro do contribuinte, enquanto os fundos de pensão não tiveram seus ativos recompostos. Ou seja, distribuíram fortunas para bancos insolventes cuja administração foi, no mínimo, temerária e incompetente, mas deixaram milhares de trabalhadores que contribuíram durante décadas totalmente desamparados.
O capitalismo praticado nos EUA funciona como aqui, lucros são privatizados enquanto os prejuízos são estatizados.
Nada vai ficar na mesma e quanto muito o movimento pode atrasar-se por imaturidade para eclodir no concreto. Acredito, os que vêem nisto uma guerrilha de esquerda e direita passam ao lado do problema.
O Cabeção, apresenta a falta de capitalismo como causa do problema. Isto é mais interessante do que ficar a discutir o simbolismo da revolta contra o Wall Street. Tentar amenizar ou desprezar é deixar aos outros a decisão do nosso futuro.
Nunca desprezar ou Subestimar ninguém.
Eles deviam ir ocupar Washington em massa.
Uma das grandes dificuldades conceituais que as pessoas tem é a de lidar com noções gradativas e sistemas complexos e com caráter misto.
É verdade que o sistema que existe nos EUA e em boa parte do mundo é em grande medida capitalista. E isso inclui o sistema financeiro.
Existe propriedade, responsabilidade, interesses e contratos estabelecidos entre agentes privados.
É também verdade que o sistema financeiro e econômico apresenta sintomas problemáticos.
É errado concluir apressadamente que esses sintomas decorrem do caráter capitalista presente nesses sistemas, ou que eles poderiam ser corrigidos pela supressão desse caráter.
Porque o caráter capitalista não é o único elemento do sistema.
Existe uma boa dose de gestão burocrática autoritária ocorrendo, sobretudo na parte que concerne a gestão da massa monetária e do crédito circulante.
A massa monetária e de crédito é determinada pelas deliberações arbitrárias dos bancos centrais. E as pessoas são obrigadas por lei a usar a moeda do banco central e nenhuma outra.
Isso se chama socialismo.
Isso não é uma variável definida por agentes privados usando seus próprios recursos e responsáveis por seus próprios resultados. Logo isso não é uma variável capitalista.
Se a fonte dos problemas puder ser isolada na variável monetária, então trata-se de um problema do caráter socialista ainda presente no sistema.
Socialistas defendem a extinção da propriedade privada e coletivização dos meios de produção. E Keynes nunca defendeu isso, e nem os americanos. Eles foram meio que obrigados a adotar o sistema Keynesiano como New Deal, por causa da crise de 1929.
Antes de uma interpretação errada da minha opinião devo esclarecer que
considero o comunismo um fracasso completo, mas nem por isso devemos ignorar as falhas do capitalismo, e essa para mim é a maior delas.
Esclarecendo algumas coisas.
O Keynesianismo é a doutrina econômica proposta por John M. Keynes no seu livro General Theory of Employment, Interest and Money. A tese principal desse livro é a de que através do controle da massa monetária o Estado pode afetar o nível de consumo e de desemprego.
O New Deal foram propostas introduzidas pela equipe do presidente Franklin D. Roosevelt que aumentaram o poder de intervenção na economia do governo americano.
Esses dois conceitos são produtos de um mesmo mindset em vigor nos anos 30, mas não são a mesma coisa. O New Deal apareceu antes do livro de Keynes.
Keynes com certeza não era um idiota, e ele tinha um ponto ao discutir o impacto da gestão macroeconômica da moeda.
O problema é que Keynes estava atrasado algumas décadas. Seus principais argumentos já tinham sido explorados em uma obra muito mais abrangente: Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel de Ludwig von Mises.
Mas Mises não apenas descreve os efeitos de curto prazo da gestão macro-econômica como prevê os efeitos de longo prazo, o chamado ciclo econômico.
Keynes não lia alemão muito bem, e o livro de Mises só seria traduzido em 1934, quando o livro de Keynes já estava prestes a ser lançado. Ele provavelmente ignorava o austríaco como boa parte dos economistas ingleses da época.
A teoria de Keynes não é de todo errada, ela apenas não serve ao propósito pretendido.
A emissão de moeda ou crédito permite mais seja gasto num dado período. Essa demanda adicional cria empregos, e cria a ilusão temporária de prosperidade.
O que a emissão de moeda não faz é criar riquezas novas. Esses gastos adicionais saem daquilo que seria poupado, ou seja, da reserva de capital. Quando esse buffer se esgota, não a papel colorido que possa fomentar consumo.
As taxas de juros servem para articular a alocação de capital no tempo. Como os processos de produção numa economia complexa levam bastante tempo para serem concluídos, é preciso um cálculo financeiro detalhado de maneira a garantir que sempre haverá poupança suficiente para sustentar o projeto ao longo do tempo. Se a taxa de juros for alterada, de maneira a dar a impressão de menor demanda por poupança, simplesmente mais será consumido e menos será poupado, e os projetos de longo prazo eventualmente começaram a se mostrar insolventes.
O que Mises demonstrou é que você pode consumir suas reservas no presente se você não se importar com o longo prazo. Keynes teria dito, ainda que num outro contexto, que “no longo prazo estaremos todos mortos.”
O ponto é que Keynes e outros keynesianos inteligentes capturavam essa dificuldade e não acreditavam que a gestão macroeconômica gerasse riqueza real.
O fundamento teórico que eles usavam para avançar suas idéias eram noções psicológicas behavioristas a respeito do comportamento de multidões.
A idéia seria a de que uma injeção monetária embora não fosse em si um motor sustentável para o progresso da civilização, serviria como uma tratamento de choque.
Isso porque por vezes multidões são assoladas por pânicos e outros fenômenos de contágio que se auto-reinforçam, e se comportam coletivamente de maneira irracional. Alguns desses comportamentos são as chamadas bank runs, onde as pessoas correm para resgatar seus depósitos em bancos ameaçados pelo espectro da insolvência. Como esses bancos operam em regime de reserva fracionária, se uma fração suficientemente grande de seus clientes resolver liquidar suas posições, os bancos quebram.
Esse foi o rationale usado para justificar a criação de bancos centrais, como emprestadores de último recurso. Esse rationale precede o livro de Keynes e o de Mises, sendo o livro de Mises uma refutação extensiva dessa noção.
É um fato é que multidões são sujeitas a histerias coletivas, bolhas, pânicos e esquemas que colapsam. Fenômenos do tipo são documentados desde o século XVII, na famosa bolha das tulipas.
O que é menos claro é o quão desastrosos esses episódios financeiros são em comparação com as aparentes “curas” propostas, e principalmente quanto os aparentes “médicos” sabem a respeito do que eles estão fazendo.
Crises de solvência em bancos não são tão graves em princípio. Bancos quebravam no passado e nem por isso economias inteiras iam para o buraco. Algumas pessoas perdiam dinheiro. Mas num mundo onde bancos quebram, ninguém era burro o bastante para deixar suas economias paradas em um só banco. As pessoas diversificavam seu risco, usando diferentes bancos, ou compravam bens, terras e jóias.
Não havia uma componente de risco sistêmico grande, justamente porque bancos suspeitavam da solvência um dos outros. Se eles se engajassem em esquemas de alavancagem, isto é, se eles emprestassem mais do que possuiam, eles se expunham ao risco de serem corridos de um dia para o outro.
Isso criava um auto-regulação do mecanismo de criação de crédito. Crédito não era criado ex-nihilo, mas era firmemente baseado em reservas reais de capital.
No entanto quebras de bancos eram episódios lamentáveis e altamente noticiados. Pânicos sempre atrairam grande atenção do público, devido a sua inerente incompreensibilidade. Pessoas que perfeitamente honestas e honradas em suas atividades perdiam fortunas devido as essas incidências imprevisíveis.
Esse tipo de sentimento que semeou a introdução de controles no sistema financeiro. Bancos se cartelizaram em torno de um banco central, uma agência de regulação do crédito, que de facto controla a massa monetária circulante, já que está instituída por lei do direito de emitir empréstimos ex nihilo, i.e. sem a existência prévia de reservas.
O que o banco central criou na prática foi uma dissipação do risco da atividade financeira entre todas as pessoas que possuem reservas no tipo de moeda controlada pelo banco central. E essa moeda em geral era imposta como única moeda de curso legal no país, criando um monopólio.
Agora todos os ingredientes para o risco sistêmico estão instalados. A tragédia dos comuns se torna inevitável na medida em que os tomadores de decisões financeiras não correm mais o risco de falir, e as perdas eventuais de suas más decisões serão absorvidas por toda a população. E sempre que os custos de decisões arriscadas são transferidos daqueles que tomam as decisões para terceiras partes, temos que mais decisões arriscadas serão tomadas. Mais risco será criado e menos será feito para evitá-los.
Essa é a origem das crises macro-econômicas. A profilaxia burocrática promovida pela doutrina do intervencionismo, da qual o keynesianismo é um mero refinamento teórico e o New Deal é uma manifestação prática, apenas transformou episódios locais de crise em problemas de larga escala.
Não foram o New Deal nem o Keynesianismo que acabaram com a crise de 29. Ao contrário, essas idéias prolongaram a crise financeira na depressão dos anos 30.
E essa depressão eventualmente acabou numa guerra total de escalas globais, causando destruição nunca antes vista.
Também não foi a guerra que encerrou a depressão econômica. A guerra apenas destruiu o capital ainda mais rápido. Medidas de crescimento econômico em períodos de conflito são fontes de enormes controversias, mas o fato é que o sistema de produção e preços fica menos confiável na medida que boa parte dos recursos passa a ser canalizado ao objetivo militar.
A verdade é que o padrão de vida e consumo das pessoas caiu durante a guerra, mesmo nos EUA, ainda que eles tivessem aumentado depois do auge da depressão em 1933. Diversos racionamentos foram impostos, assim como mudanças nos regimes de trabalho e direitos civis de um modo geral.
E o retorno do crescimento econômico no pós guerra é um efeito do cessar fogo que faz com que muito capital humano se veja libertado de suas obrigações militares ou auxiliares, no front de batalha ou nas linhas de produção, ou das demais restrições a atividade construtiva civil criadas pelo conflito, para trabalhar na reconstrução da infra-estrutura arruinada.
E o processo de reconstrução não foi acelerado ou otimizado pelas teorias keynesianas ou intervencionistas de um modo geral. Ele se deu a despeito dessas doutrinas. Assim como ele sempre se deu em qualquer lugar arruinado por combates. Pessoas reconstroem suas coisas e ao comparar com as ruínas elas geram crescimento anual econômico impressionante.
O keynesianismo eventualmente mostraria sua verdadeira faceta nos anos 70, quando a reconstrução da Europa e do Japão já tinham sido concluídas e agora os países desenvolvidos se viam diante do enigmático problema da estagnação econômica inflacionária, um efeito colateral que Keynes não explicou como sanar (ele já estava morto há 30 anos). O padrão ouro já havia sido completamente abandonado, como Keynes propusera, e um sistema de moeda fiat, onde a reserva era a mera confiança na burocracia estatal, era o que nos restava.
O Keyensianismo perdeu credibilidade, mas não completamente. O mainstream econômico continuou afeito a algum tipo de ilusão de controle macroeconômico, ainda que agora as prescrições fossem menos arrojadas. Os monetaristas liderados por Milton Friedman ganharam certa proeminência na época, recomendando que as reservas monetárias crescessem de maneira constante, acompanhando as taxas observadas de crescimento da própria economia. O objetivo seria manter estáveis os níveis percibidos de preços. Mas essa é uma noção problemática, pois os próprios produtos tendem a se alterar em suas propriedades e consumo na medida em que a tecnologia evolui.
De qualquer forma o monetarismo pregava um evangelho mais razoável, já que removia dos burocratas o poder discricionário de alavancar a economia com injeções de dinheiro. Mas Friedman e seus seguidores ainda acreditavam no sistema de banco central e na necessidade de salvar bancos de falências. Eles ainda preconizavam um certo intervencionismo, mesmo que limitado com relação ao defendido pela ortodoxia keynesiana.
Milton Friedman também ficou conhecido por sua defesa vigorosa das virtudes da economia de mercado de um modo geral e da irracionalidade de um regime de preços controlados. Escreveu vários livros excelentes sobre o quão importante é um sistema de preços livre, assim como a liberdade de comercializar com quem quer que seja, e não apenas com seus próprios vizinhos e compatriotas.
Mas Friedman era um socialista monetário, como todo economista do assim chamado mainstream acadêmico. Ataques ao socialismo monetário foram desferidos quase que exclusivamente pelos membros da assim chamada escola Austríaca, sobretudo através de Friderich A. Hayek e Murray N. Rothbard, dois alunos de Ludwig von Mises.
Os anos 70 também viram a aparição do prêmio de Economia em homenagem a Alfred Nobel, oferecido pelo -- banco central -- da Suécia. Esse prêmio, que não era uma intenção de Nobel e que não é pago pelo testamento do inventor da dinamite, ainda assim absorveu parte do prestígio ligado ao seu nome.
Naturalmente que um banco central não será muito animado pelo conceito de premiar acadêmicos por seus argumentos contra a necessidade de um banco central. E o único economista da escola Austríaca a ser premiado foi Hayek, que em sua aula de aceitação se ocupou de atacar a “presunção de conhecimento” que acometia todos os seus colegas.
De qualquer forma a visão de que a moeda é um assunto de governo continuou a ser prevalecente. E provavelmente continuará até que o Dolar esgote completamente a reserva de confiança da qual ele vem sobrevivendo nos últimos 40 anos desde o fim definitivo do padrão ouro.
E a atual crise da dívida americana pode ser o divisor de águas.
Mas os banqueiros não estão aplicando um golpe ao fazerem isso.
Eles são obrigados a alavancar suas exposições ao risco, para continuarem competitivos uns com os outros.
Os bancos centrais eliminam o interesse que os bancos tem de serem conservadores em suas estratégias financeiras. Nesse sistema, basta que um banco opere dentro das regras monetárias federais. Antes desse sistema, a regra era que o banco era responsável por sua própria solvência. Agora o Estado se ocupa disso, e o banco apenas tem que ser nominalmente aderente a uma regulamentação burocrática facilmente contornável.
É por isso que banqueiros adoram a idéia regulação. Você não vê banqueiros defendendo o livre mercado. O livre mercado em finanças seria na verdade uma enorme camisa de força, pois pressionaria banqueiros a agirem de maneira mais conservadora. E obviamente eles não querem isso. O sistema de regulação federal é na verdade um sistema de irresponsabilidade corporativa.
Esse é o grande problema da situação. As pessoas pensam que crises decorrem da ausência de boa regulação. Após os eventos traumáticos, as pessoas se dão conta das causas específicas que detonaram a crise. E pensam que se houvesse mais regulamentação impedindo certas ações específicas a crise poderia ter sido evitada. Então concluem que o problema é a escassez de regulação federal.
A falácia aqui é clara. Trata-se do viés de retrospecto. Depois da crise é fácil criar explicações e isolar causas. Tudo é evidente. Erros cometidos parecem óbvios produtos da estupidez, arrogância, ganância excessiva.
O difícil é perceber isso antes das crises.
Em 2004, tanto reguladores estatais quanto operadores do mercado não sabiam que as saladas mistas de hipotecas tóxicas que estavam sendo criadas pelos bancos iriam explodir. Em 2007/2008 ambos aprenderam a lição.
Então não há como dizer que reguladores estatais estão contribuindo com algum conhecimento inacessível. Eles não estão. Tudo que um regulador sabe um operador de mercado sabe em princípio.
O que reguladores fazem é criar um ambiente onde operadores não precisam se responsabilizar quando suas decisões se mostram erradas. Se eles estavam agindo de acordo com as regras criadas por esses reguladores, eles serão salvos. Com o dinheiro de todo mundo.
Num mundo onde não há reguladores, alguns bancos se aventurarão em certos mercados e outros hesitarão. A realidade se manifestará e os que forem excessivamente arrojados ou excessivamente conservadores serão eventualmente eliminados do jogo, em favor daqueles que demonstraram uma apreciação correta dos riscos existentes.
Os reguladores simplesmente garantem que quem está lá continuará lá. E é por isso que quando Goldman Sachs, J.P. Morgan, Barclay’s ou BNP se pronunciam eles sempre defendem seus anjos da guarda, os reguladores federais.
Capitalismo de livre mercado não é a bandeira dos grandes banqueiros. Não é o instrumento que eles usam para enriquecer. Capitalismo de livre mercado é o antídoto contra eles.
Mas isso é algo típico de mercados ultra-regulados. Uma imensa promiscuidade entre os executivos de grandes corporações e os tecnocratas reguladores. Um mesmo sujeito é num momento CEO da Goldman Sachs e num outro momento chairman do Federal Reserve de Nova York.
Isso torna esses mercados altamente propícios a serem dominados por grandes corporações, capazes de financiar todo o lobby político necessário para permanecerem competitivas.
Isso não é sintomático de excesso de capitalismo, mas da falta do mesmo.
Capitalismo não é o regime mega-corporativo. O regime mega-corporativo é um sintoma de uma economia mista onde mega-corporações usam sua truculência para conseguir vantagens políticas, mesmo quando seu tamanho ultrapassa o ótimo em termos exclusivamente comerciais.
Num regime de livre mercado, empresas crescem na medida em que possam ser mais eficientes para servir o público ao fazê-lo. A economia de escala funciona apenas segundo o critério de competitividade no mercado.
Quando lobbies políticos se tornam uma opção interessante, corporações precisam investir em suas divisões burocráticas a fim de conseguir os favores, e a economia de escala passa a operar segundo regras bem diferentes. E como os favores pagos direta ou indiretamente pelo Estado são financiados com dinheiro dos outros, o céu é o limite para os gastos, e assim eles costumam criar gigantescos conglomerados, concentrando muito poder econômico em poucas mãos.
Ainda que eu prefira corporações capitalistas do que políticos de um modo geral, eu não vejo ambos como antagonistas. Ao contrário, existe uma simbiose na qual grandes coroporações só existem porque políticos concentram muito poder, e a única maneira de se livrar de ambos é reduzir o poder do governo em primeiro lugar.
Capitalismo é uma palavra que dependendo de quem a empregue e do contexto onde ela aparece pode assumir sentidos completamente distintos.
Quando eu uso o termo eu me refiro ao regime de propriedade privada e trocas voluntária.
A maioria das nações do mundo opera de acordo com princípios capitalistas, que são mais ou menos respeitados em diferentes circunstâncias.
A natureza da competição capitalista é muito menos simplista do que as análises que as pessoas costumam fazer.
O que é feito em geral costuma ser o seguinte: setores industriais ou comerciais arbitrários são definidos e então são computadas as companias que pertencem a esse setor e seus tamanhos relativos. Se uma compania só existir ou se uma delas for muito maior do que as outras, fala-se em monopólio.
Embora esse tipo de argumento tenha sido a base para diversas transformações legais introduzidas a partir dos anos 1880 na América e mais tarde copiados no resto do mundo, isso não passa de non-sense.
Nessa definição, toda start-up que introduz uma tecnologia ou serviço seria um monopólio. E qualquer compania estabelecida seria um monopólio se o seu setor for definido de maneira suficientemente estreita. A Nike seria teria o monopolio entre as empresas que fabricam tenis imbecis com mais de 4 molas.
Não é a quantidade de companias em um setor arbitrário que caracteriza um regime de monopólio, mas sim a capacidade que uma empresa tem de gerar ganhos ditos monopolistas ao reduzir sua produção abaixo do que seria o ponto de igualdade entre custos e rendas marginais.
O caso patológico de monopólio seria o da empresa que consegue lucrar mais do que a média em outros mercados ao reduzir sua produtividade e gerar escassez artificial.
Embora esse fenômeno tenha ocorrido em algumas instâncias temporárias, nunca foi provado que os chamados conglomerados monopolistas que motivaram o Sherman Act e as legislações subseqüentes estivessem consistemente operando em regime monopolista.
Ao contrário, preços dos produtos caiam consistemente enquanto a produção aumentava. Para todos os efeitos essas empresas operavam segundo o que era esperado de um sistema de competição, mesmo quando eram muito maiores do que os concorrentes.
Isso porque a competição capitalista não se dá apenas com concorrentes imediatos, mas com substitutos secundários e com potenciais novos entrantes. Se um líder de mercado perder sua competitividade ele não será líder por muito tempo.
Qualquer setor onde lucros médios auferidos sejam maiores do que os retornos vistos em outras áreas atrairá capital para concorrer com o capital já instalado.
Exceto se houver bloqueios legais para a entrada de novo capital, como no caso do sistema ferroriviário, telegráfico e determinadas partes do sistema de distribuição e geração de energia elétrica. Esses sim eram monopólios instituídos por lei, mas que não foram tocados pelo Sherman Act.
A legislação anti-truste foi na verdade um lobby político visando certos alvos específicos. O interesse do público é apenas que os produtos sejam mais baratos e mais abundantes. O público pouco se interessa pela população total e tamanho relativo entre as empresas competindo num dado setor. O público estará ou satisfeito ou insatisfeito com os serviços prestados. E no caso de insatisfaçõa, a oportunidade se apresenta para novos aportadores de capital lucrarem com ela, seja investindo nas ampliação e melhoramento das companias já existentes, seja concorrendo contra elas.
O capitalismo é baseado em trocas voluntárias. Ninguém trabalharia 20 horas por um prato de comida se não fosse sua vontade.
É claro que num mundo miserável onde um prato de comida valha efetivamente 20 horas de trabalho duro, algumas pessoas realmente terão essa vontade.
O que não me parece evidente é porque um mundo capitalista, i.e. sem controle estatal, precisaria ser tão miserável. Ao contrário, em sociedades com maior intensidade capitalista e menor controle estatal o que se vê é justamente menos pessoas se sujeitando a longas jornadas de trabalho por migalhas do que em regimes mais autoritários.
Basta comparar Cuba e Hong Kong.
Num regime capitalista, bens e serviços, incluindo os diversos tipos de trabalho, são remunerados de acordo com o seu preço de mercado.
Em geral, serviços que dependem de maior treinamento são melhor remunerados, pois ninguém incorreria nos custos de adquirir o treinamento necessário se não fosse para desempenhar um serviço mais requisitado, embora nem sempre essa relação seja mantida.
Não existe uma oferta infinita de mão de obra. Existe uma remuneração mínima abaixo da qual eu não encontrarei uma única pessoa disposta e capaz de limpar a minha casa. Qualquer um que procure domésticas diaristas no mercado informal sabe disso.
Embora demore algum tempo para uma doméstica diarista acumular experiência e reputação, esse é um mercado de trabalho muito pouco exigente quanto a qualificações ou treinamento formal. E como se trata de um mercado negro, não há regulação nenhuma.
E mesmo assim, em centros urbanos desenvolvidos, não há quem encontre uma diarista disposta a trabalhar por um prato de comida.
A teoria marxista de que os donos do capital exercem controle monopolista sobre a oferta de empregos e por isso podem explorar os trabalhadores é completamente refutada pelos fatos históricos.
É claro que trabalhadores podem “se sentir explorados”. As pessoas podem se sentir o que quiser. Em geral, basta um pouco de virtuosismo retórico para fazer alguém se sentir vitimizado.
Mas independente da percepção que o trabalhador possa ter de sua condição, o fato é que as leis de mercado operam tanto para salários quanto para todos os demais preços. Se ele acha que ganha muito pouco e trabalha demais, ele precisa pensar em como mudar o serviço que ele vem oferecendo.
O controle de salários por meio do governo é simplesmente um controle de preços, e como todo controle de preços, é uma distorção no sistema de alocação de recursos com conseqüências desagradáveis.
O salário mínimo, por exemplo, tira do mercado todos os trabalhadores que não são capazes de produzir o suficiente para justificar os seus ordenados. E não importa o que a retórica política diga, o salário mínimo real, em qualquer lugar, é zero, já que é isso que ganha alguém desempregado.
Leis de salário mínimo onerosas afetam particularmente jovens entrantes e com pouco treinamento, ou pessoas que prefeririam trabalhar períodos menores enquanto adquirem treinamento.
Em geral os ganhadores de sub salários mínimos não são os chefes de família, mas são os segundos ou terceiros geradores de renda dentro de uma família.
Cálculos humanitários que dizem que ninguém pode sustentar uma família de cinco pessoas com metade do dito salário mínimo tem pouca relevância estatística pois em geral quem ganharia isso não teria uma família de cinco para sustentar e provavelmente o faria em complemento de uma renda familiar maior.
O ponto é que o governo e suas regulações não melhoram o bem estar de ninguém, a despeito do que dizem. Na maioria das vezes eles pioram.
Os empresários de fato não estão preocupados em melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Eles querem lucrar para si. Mas para lucrar para si, eles precisam da ajuda de trabalhadores, e essa só poderá ser conseguida oferecendo para eles melhores condições do que seus concorrentes.
Nenhum político populista americano fez mais pelo trabalhador comum do que Henry Ford, Andrew Carnegie ou John D. Rockefeller fizeram.
Esses fatos escapam a retórica popular.
O governo em geral não pode fazer nada diferente do que o mercado poderia.
Se algum tipo de relação inconsistente é percebida, de maneira que burocratas possam atuar emitindo uma regulação que a conserte, também o podem empresários interessados.
A todo momento existem relações inconsistentes no mercado, que virão a ser percebidas mais tarde. As vezes elas permanecem durante muito tempo, e quando são percebidas causam algum pânico temporário, como as bolhas especulativas.
Mas não há regulação que possa prevenir essas relações antes que elas ocorram. Tudo que os burocratas podem fazer é emitir regulações que impedem que uma nova bolha do tipo precedente ocorra, mas isso é inócuo na medida que essa percepção já foi assimilada pelos agentes do mercado, que a partir daí estarão atentos aos mesmos fatores que motivaram a introdução das regulações.
Se os burocratas tivessem acesso a uma máquina do tempo e pudessem emitir regulação sobre o passado, ok, mas qualquer coisa de coerente que eles possam falar sobre o futuro poderia ser perfeitamente instalado sem o auxílio deles.
E isso se refere apenas ao caso onde as novas regulações burocráticas fazem algum sentido econômico, que nem de longe são o caso típico. Em geral elas não fazem, em geral são motivadas por teorias inconseqüentes e de apelo populista, e sempre o custo desses erros é pago por terceiros.
O mercado de fato não é perfeito nem idealmente eficiente. Oportunidades para inovações e melhorias abundam para quem é atento o suficiente para arbitrá-las. Esse fato da realidade não torna a irresponsabilidade política um instrumento adequado para corrigir essas ineficiências.
Eu trabalho no setor financeiro. E assim como eu, muita gente percebe que o problema no setor financeiro é o excesso de má regulação, de incentivos errados, e não falta de regulação específica.
Qualquer imbecil pode dizer em retrospecto o que deveria ter “sido feito” e fazer um documentário cheio de mensagens de autoridade a respeito. Mas poucos estavam falando sobre isso antes da merda atingir o ventilador. Um desses poucos é Peter Schiff. Procure saber o que ele tem a dizer respeito.
Eu li insuficiente material diretamente escrito por Keynes para ter um parecer bem claro sobre o que ele de fato pensava. Me parece que ele mesmo nao possuia conviccoes muito solidas. O que nao necessariamente e um revez em se tratando de um cientista.
Para discutir os meritos do keynesianismo e preciso separar o seu aspecto enquanto uma doutrina politica economica pratica da sua proposta enquanto uma teoria abstrata dos efeitos imediatos de variacoes em certas quantidades macroeconomicas, dentro de certas conjunturas gerais.
Por exemplo, em uma passagem ele defendeu a inflacao como forma de contornar as dificuldades criadas por leis salariais e trabalhistas muito rigidas. A ideia e simples e correta. Se os salarios nominais sao fixos, o desemprego pode ser combatido diluindo o valor do dinheiro. Com mais moeda circulante, o valor real dos salarios diminui e assim mais gente se torna empregavel.
Ou seja, do ponto de vista politico, a inflacao permitiria agradar no curto prazo tanto setores sindicais quanto setores patronais. Mas os sindicatos eventualmente aprenderam a corrigir suas exigencias em funcao do custo de vida, ja que o fenomeno da inflacao sistematica se tornou rapidamente evidente atraves do seu impacto direto no custo monetario de vida. Essa relacao se tornou tao clara a ponto de que hoje a maioria das pessoas define inflacao como o aumento do custo de vida, o que e falso. Inflacao e o aumento da massa monetaria e de credito; que por sua vez tende a causar um aumento inomogeneo de precos.
Como o exemplo acima ilustra, muitas recomendacoes politicas macro-economicas derivadas da teoria keynesiana parecem explorar certos viezes comportamentais manifestados por populacoes dotadas de informacao e conhecimento parcial. No curto prazo essas manobras podem ate funcionar para os objetivos politicos, e algumas pessoas saem prejudicadas. Mas eventualmente a experiencia passada ajusta o comportamento e expectativas dessas populacoes de maneira a neutralizar novas aplicacoes formulaicas desses principios. No longo prazo, e impossivel para o politico "hackear" a economia usando um mesmo "exploit", porque as pessoas aprendem a proteger essas brechas, conscientemente ou nao. E o clima geral de desconfianca institucional torna a atividade economica mais dificil e custosa, pois as pessoas precisam certificar-se de terem instalado e bem configurado seus "firewalls" toda vez que executam transacoes.
Friedrich A. Hayek, amigo pessoal de Keynes e seu colega na LSE , costumava comentar o quanto ele era sensato ao analisar as implicacoes negativas de suas ideias, ainda que em discussoes privadas entre os dois.
Mas ao que parece, com a popularidade de suas teorias, ele acabou se convertendo ao culto de si mesmo, e assumindo o papel de salvador do capitalismo. Independente do entendimento original de Keynes sobre sua propria teoria, o fato e que em 1944 ela ja estava suficientemente popular para servir de base para os acordos de Bretton Woods. Esses acordos definiriam o blueprint dos sistemas de gestao macro-economicos que seriam introduzidos nas economias do “mundo livre”.
A teoria de Keynes fornecia um rationale cientifico para os burocratas justificarem suas intervencoes e confiscos. O discurso de salvar o capitalismo de seus proprios vicios foi bastante eficiente para gerar o convencimento necessario.
Ao contrario da atitude geral pro livre empreendedorismo manifestada pelos capitalistas do seculo XIX, as duas guerras e as decadas de intenso intervencionismo fomentaram a aparicao de grandes corporacoes muito mais alinhadas com o funcionamento politico burocratico de um governo de estado do que com os preceitos do mercado livre. No entanto tais corporacoes ainda respondiam simbolicamente pelo mercado, e nao hesitaram em concordar com as normas introduzidas.
E com a introducao dos organismos internacionais de Bretton Woods e das burocracias monetarias nacionais, criou-se um enorme cabide de empregos para economistas fora da academia. E claro que para qualificarem-se para esses cargos esses economistas deveriam se alinhar a escolas que defendiam a necessidade dos mesmos, ou seja, as escolas keynesianas e neo-keynesianas.
E quando essas entidades burocraticas comecaram a consagrar premios de merito cientifico, foram os academicos dessas escolas os mais prestigiados.
E institutos academicos das universidades tradicionais, preocupados com o prestigio de certos premios pomposos, passaram a valorizar o trabalho dessas escolas laureadas pela burocracia que elas serviam.
Esse foi o mecanismo de criacao de uma visao “mainstream” em contradicao com fatos economicos.
Fatos economicos nem sempre sao evidentes. Os pares de causas e efeitos podem ser bastante afastados no tempo, pois a economia e formada por buffers complexos de informacao e recursos, que podem ser esgotados gradualmente antes que rupturas de sistema sejam observados. Da mesma forma que uma casa pode ruir apos anos de manutencao precaria, mas pouco provavelmente vai desabar no primeiro ato de negligencia.
Os diversos atos intervencionistas consomem reservas importantes para o funcionamento correto de uma economia, ao mesmo tempo que removem incentivos para que essas reservas se regenerem. E a informacao necessaria para essa organizacao so pode ser comunicada e aplicada por meio de um sistema descentralizado de precos.
Mas esse e um entendimento muito sofisticado. E facil escapar dele usando de logica retrospectiva. Burocratas encarregados de regular a economia, e economistas encarregados de defender a burocracia, sempre podem apontar como bode expiatorio os setores relativamente “desregulados” e dizer que rupturas foram causadas pela falta, e nao pelo excesso de regulacao. Porque ninguem no publico consegue articular um entendimento refinado do sistema de precos para levantar duvidas razoaveis e ser compreendido.
A percepcao dessa falha na racionalidade humana; dessa dificuldade e distanciamento entre o entendimento pratico e economico; e o grande legado de Keynes.
A linha que divide ciencia da pseudo-ciencia fica cada vez mais tenue quando os fenomenos estudados se tornam mais complexos, subjetivos e dificeis de isolar.
Uma teoria incorreta para o comportamento mecanico de particulas pode ser refutada por simples experimentos, de maneira que pseudo-ciencias em disciplinas fisicas tem pouca probabilidade de vingar.
Mas no tratamento de pacientes, muito do processo de cura depende de mecanismos imunologicos que sao compreendidos marginalmente. O efeito placebo e real, e identificado em analises estatisticas. A homeopatia, embora em contradicao com a quimica basica, pode subsistir como tratamento por mais tempo, porque e dificil refuta-la.
Nao creio que a homeopatia, ou muitas outras pseudo-ciencias, tenham surgido da intencao em enganar outras pessoas. Ao contrario, a incompreensao de certos processos complexos levou ao estabelecimento de relacoes improprias de causa e efeito por parte de pesquisadores serios.
Da mesma forma, nao acho que o keynesianismo e o aquecimentismo global tenham aparecido como fraudes.
O aspecto de fraude so comeca a se manifestar depois que essas disciplinas se tornam populares, por razoes outras que o seu merito em descrever objetivamente a realidade.
Hoje em dia, a defesa do keynesianismo e do aquecimentismo e sustentada em fraude e auto-engano. Cientistas e burocratas teriam muito a perder, pessoalmente, dando a essas teorias a dose de ceticismo cientifico necessaria para evitar que um ramo do conhecimento se transforme em um culto dogmatico.
Disse tudo.
Os americanos, assim como os europeus, parece que se acomodaram nas últimas décadas, considerando que suas democracias atingiram alguma espécie de estágio final, onde só resta colher os frutos do progresso e relaxar diante da sabedoria dos governantes, em um cenário onde tudo já deu certo e não há nada pra dar errado.
Por mais que uma sociedade possa ser próspera, com seus cidadãos conseguindo aproveitar de forma plena o potencial de gerar riquezas, ela jamais poderia permitir políticas que desrespeitam os princípios da liberdade econômica que permitiram esse progresso.
Essas crises econômicas e o messianismo dos burocratas safados, que se veem sempre como os heróis e nunca como os vilões de suas aventuras com o dinheiro de países inteiros, são um ciclo que só vai terminar quando as pessoas passarem a dizer não a quem se arroga de ter o poder de conduzir o progresso com suas próprias mãos, ao invés de respeitar o trabalho de cada cidadão como a verdadeira causa da riqueza dos países.