O Inverno do Nosso Descontentamento
Publicado originalmente em 1 de maio de 2006
por Acauan
Ó inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em glorioso verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais interno fundo do oceano.
…
Pois eu, neste ocioso e mole tempo de paz, não tenho outro deleite para passar o tempo afora o espiar a minha sombra ao sol e cantar a minha própria deformidade.
William Shakespeare, Ricardo III, ato I, cena I
Uma das grandes aflições da condição humana é a distância abissal que separa nossas aspirações, potencialmente ilimitadas, de nossa capacidade de realizá-las, restrita às possibilidades finitas de nossos recursos e tempo de vida.
Como espécie, somos virtualmente imortais e as culturas e civilizações que criamos nos permitem acumular conhecimento e recursos ao longo de gerações e assim ampliar continuamente nossas capacidades de realização.
Mas a satisfação reside no indivíduo e não na espécie.
Como Ricardo, que contempla o triunfo da casa de York e expressa seu rancor por suas imperfeições o intimidarem de usufruir o advindo verão da vitória, também nós, ao contemplarmos as realizações da Grandeza Humana do ponto de vista de nossas finitudes, nos recolhemos ao espiar de nossas sombras e retornamos ao inverno do nosso descontentamento.
A religião oferece a fé na infinitude do indivíduo, mas se oferece o meio, retira o fim. A eternidade prometida realiza o propósito de Deus e não os propósitos humanos.
Se Ricardo III expiasse suas muitas culpas e alcançasse o paraíso prometido pelo Cristianismo ou pelo Islã se veria livre de suas deformidades e pronto para o deleite no glorioso verão. Só que não seria a glória da casa de York, de sua casa.
A frustração da glória sem deleite seria substituída pelo deleite na glória alheia.
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Acauan dos Tupis
Nós, Indios.
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