Durante muitos anos, o Chile foi apresentado pelos arautos do neoliberalismo como um país modelo no que tange às políticas educacionais. Ainda hoje, mesmo com a enorme crise em que se encontra a educação chilena, há “especialistas” na América Latina que reivindicam os sucessos do sistema de ensino municipalizado, privatizado, competitivo e “eficiente” construído a partir da ditadura do general Augusto Pinochet, que governou o país a ferro e fogo de 1973 a 1990.
De fato, o Chile foi um verdadeiro laboratório do neoliberalismo, o primeiro país latino-americano a aplicar o receituário neoliberal, reduzindo drasticamente o âmbito de atuação do Estado para dar lugar à iniciativa privada. Na educação, foram realizadas sucessivas contra-reformas que negaram completamente o ideal de um ensino público, gratuito e universal.
A ditadura de Pinochet reduziu a menos da metade o gasto público em educação. A gestão das escolas foi descentralizada, passando para o controle dos municípios. Por outro lado, a meritocracia foi uma diretriz levada ao extremo pelo governo chileno, a ponto de se estabelecer distinção de salário entre os professores, de acordo com a “eficiência” e “produtividade” de cada um. O ensino privado, por sua vez, cresceu vertiginosamente, em decorrência principalmente dos subsídios concedidos pelo Estado às instituições particulares, que geraram lucros exorbitantes aos empresários da educação.
Em 1981, foi realizada a (contra) reforma que extinguiu a gratuidade no ensino superior. Hoje não há no Chile nenhuma universidade pública! Existem tão-somente universidades privadas e “mistas” (que recebem subsídios do governo). No lugar da gratuidade, criou-se um sistema de créditos “solidários” para ajudar os estudantes a pagarem os altos preços das mensalidades, que podem chegar a 4 milhões de pesos ao ano – o equivalente a R$ 16 mil. [1] Além de não abarcar a totalidade dos estudantes universitários, mas apenas os estudantes de renda mais baixa, esse sistema de créditos tem gerado um endividamento muito sério na juventude chilena, que, ao sair da Universidade, se depara com contas altíssimas que comprometem durante anos ou mesmo décadas sua renda – situação parecida (porém mais grave) à que ocorre atualmente no Brasil com o FIES. [2]
Contra esse sistema educacional excludente, os estudantes chilenos travam uma heróica batalha, que já dura cerca de dois meses. Centenas de milhares de jovens vêm tomando as ruas de várias cidades do Chile em defesa da educação pública e gratuita. O movimento estudantil chileno, ao contrário dos últimos governos do país, enxerga a educação como um direito social, e não como mercadoria; e luta para que a educação, em todos os níveis, sirva para promover o desenvolvimento do Chile, e não para gerar lucro fácil para um pequeno grupo de empresários.
Nas manifestações de rua, ouvem-se cantos como “Y va a caer, y va a caer la educación de Pinochet”. A determinação dos jovens estudantes de lutar por mudanças no sistema educacional é marcante. “Estamos dispostos a perder todo o ano escolar para não pagarmos mais pela educação” – afirma Miguel Roboyedo, um líder estudantil secundarista. [3] As mobilizações sacodem o país inteiro e foram responsáveis diretas pela queda do ministro da educação Joaquim Lavín, que é um empresário da educação, dono de uma universidade privada e de um centro de pesquisas educacionais.
As massivas marchas da juventude chilena golpearam profundamente a imagem do presidente direitista Sebastián Piñera, cujo governo atinge índices de rejeição de 60%. Acuado, o governo aumenta a repressão contra o movimento estudantil. Na quinta-feira passada (04/08), a polícia reprimiu duramente os estudantes que tentaram marchar pela avenida central Alameda, resultando em mais de 800 detidos.
A vereadora do PSOL de Porto Alegre Fernanda Melchionna, que acompanha o processo de mobilização estudantil no Chile, relata que a polícia chilena, a mando do governo, tem utilizado práticas das ditaduras, dos estados de exceção, para tentar dispersar as manifestações [4]. Bombas de gás lacrimogêneo, água suja e tóxica, prisões etc., tudo para tentar conter a aguerrida estudantada do Chile. Há inclusive o caso de desaparecimento de um estudante universitário que foi preso no dia 4 de agosto e cujo paradeiro é desconhecido até hoje.
No entanto, a força de vontade da juventude chilena é imbatível. Novas marchas e uma paralisação nacional foram convocadas nesta semana. 35 estudantes estão em greve de fome para chamar atenção da sociedade à repressão policial e também para ganhar mais adeptos ao movimento.
A força das mobilizações atuais se deve em grande parte à histórica tradição de luta dos estudantes chilenos, que em 2006 protagonizaram a famosa “revolução dos pingüins”. [5] Nesse ano, cerca de 800 mil jovens envolveram-se em paralisações e protestos, exigindo passe livre nos ônibus e melhoria da qualidade do ensino e da infra-estrutura das escolas. O movimento estudantil que hoje sacode as ruas do Chile é herdeiro da “revolução dos pingüins” e tem condições inclusive de superar em termos políticos o levante de 2006.
Por outro lado, o processo de mobilização dos nossos irmãos chilenos ocorre num momento muito especial da política internacional. Nos últimos meses a juventude vem se levantando em muitos países em defesa de uma nova sociedade, mais justa, democrática e inclusiva. No mundo árabe e na Europa, os jovens estão indignados com a tirania de governantes que governam para atender aos interesses do mercado, em detrimento da maioria da população.
As revoluções árabes, que derrubaram ditadores no Egito e na Tunísia e ameaçam os regimes tiranos da Síria, Líbia e Iêmen, mostraram aos jovens do mundo inteiro que, mobilizados, podemos mudar o curso da história. A juventude da Europa, com destaque para a espanhola, segue esse exemplo e ocupa as praças de várias cidades contra os efeitos da crise econômica mundial e em defesa de Democracia Real Já. O clima de agitação política presente em vários cantos do mundo certamente foi um fator importante de inspiração para os estudantes chilenos.
De qualquer forma, a luta dos ‘pinguins’ pode representar um divisor de águas na América Latina, dando início a um processo mais amplo de mobilização da juventude do nosso continente. Os problemas vivenciados pelos estudantes do Chile são também sentidos na pele, com maior ou menor intensidade, por estudantes de vários países latino-americanos, onde as políticas neoliberais desmontaram impiedosamente vários serviços públicos, em particular a educação. O combate a tais problemas, tal como no Chile, passa necessariamente pela ocupação das ruas.
Independentemente dos resultados concretos que serão obtidos pelos estudantes chilenos, não resta dúvida de que eles já são vitoriosos. Colocaram em xeque o modelo arcaico e privatista de educação vigente no país, que até então era tido por muitos como um “sucesso”. Além disso, pautas muito progressivas ganharam destaque este ano, graças à iniciativa dos valentes pingüins. Dentre elas, a renacionalização do cobre, uma reforma tributária para redistribuir a renda do país e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para substituir a Constituição herdada de Pinochet por uma nova
Carta Magna efetivamente democrática.
Por conta de suas bandeiras de luta, que ultrapassam e muito as reivindicações meramente corporativas, a luta dos estudantes conta com 86% de aprovação da população do país. As articulações com outros setores da sociedade chilena são também uma característica importante desse movimento. Além dos professores, que participam ativamente das manifestações, os mineiros do cobre mantêm laços sólidos com o movimento estudantil e estão com uma greve nacional marcada para os dias 24 e 25 de agosto.
Por tudo isso, precisamos olhar atentamente para o Chile e extrair daí todas as lições possíveis. O movimento estudantil brasileiro tem importantes lutas a travar neste segundo semestre de 2011, com destaque para a campanha por 10% do PIB para a educação. A mobilização permanente dos estudantes e da sociedade é um método obrigatório para conseguirmos êxito em nossos objetivos.
Comentários
Esta campanha dos 10% do PIB para educação é outro estelionato político, cujo único resultado é prover mais tetas para o número crescente de ávidos em mamar nelas.
O problema da educação brasileira não é gastar pouco e sim gastar muito mal.
Basta comparar a porcentagem do PIB gasta em educação em países com resultados infinitamente melhores que os nossos, como a Coréia do Sul, para se ter a prova.
Se aprovados hoje os 10% do PIB para educação o dinheiro excedente irá para aspones lotados em cargos de confiança e dotados de carteira partidária, projetos pedagógicos formatados conforme ideologias políticas e possivelmente aumento de salários de professores, sem antes fazer as indispensáveis faxina dos vagabundos e incompetentes e identificação e valorização dos bons mestres.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!