É recorrente em debates entre religiosos e ateus a citação por parte dos religiosos das chamadas provas metafísicas da existência de Deus, geralmente As Cinco Vias propostas por Sto. Tomás de Aquino, citação frequentemente acompanhada de um desafio à refutação ou alguma referência insultuosa à inteligência do interlocutor ateu por ousar não crer no que estaria tão definitivamente provado.
Também é recorrente em debates minimamente informados sobre a História das Idéias que o ateu cite as contestações à metafísica de Kant e Husserl, nominalmente ou não, recebendo as réplicas esperadas que por sua vez também podem ser postas em dúvida. Em seu status quaestionis o debate é inconclusivo e terminam as partes acreditando naquilo que optaram por acreditar.
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Já nos debates de Internet, geralmente orientados pelo que responde a primeira página do Google sobre o tema em discussão, se nota que as citações disponíveis sobre as provas metafísicas são postas e rebatidas sem deixar claro se a lógica do debate é compreendida em seus princípios básicos.
O primeiro ponto que raramente vejo discutido nestes debates é o significado e abrangência do conceito de prova.
Provar uma afirmação é apresentar evidências e argumentos que demonstrem sua veracidade, com um grau de certeza suficiente para desacreditar os argumentos e evidências que propõem que a afirmação seja falsa.
Como uma prova é constituída de evidências e argumentos, a abrangência da prova é limitada à abrangência dos argumentos e evidências que a constituem.
Quanto mais abrangente é o que se intenciona provar, mais abrangentes devem ser as evidências e argumentos usados como prova, ou seja, a prova vale até onde sabemos válidos seus argumentos e evidências.
Assim, as únicas provas absolutas conhecidas são as matemáticas, uma realidade abstrata na qual a abrangência da prova contém o que se pretende provar sem incertezas ou possibilidades alternativas.
A metafísica por sua vez estuda a realidade concreta que percebemos visando uma compreensão de sua estrutura e funcionamento que nos permita tirar conclusões sobre aspectos desta realidade situados além de nossa percepção.
Obviamente, qualquer prova metafísica só é válida dentro da abrangência da metafísica, ou seja, até onde admitimos as premissas da metafísica como verdadeiras, sendo suas premissas essenciais tomadas da hipótese de que a realidade concreta é necessariamente coerente, isenta de absurdos e apreensível pela razão humana.
Na metafísica parte-se de um conhecimento e experiência finitos, tomando-se por verdadeiro que tal finito represente uma amostra significativa do total absoluto da realidade e, baseado em tal confiança, tira-se conclusões de abrangência infinita, como as provas da existência de Deus. Ou seja, a metafísica, tira conclusões sobre o todo a partir do que sabe sobre a parte.
Na matemática é perfeitamente correto tirar conclusões sobre o infinito a partir do finito. Não importa que a circunferência tenha infinitos pontos, bastam três pontos para definir exatamente todos os demais infinitos pontos constituintes.
A metafísica faz sentido para explicar uma realidade criada e mantida por uma racionalidade divina, o que torna esta realidade específica uma premissa metafísica e implica que conclusões metafísicas sobre a veracidade da ordem racional divina da realidade caem em petição de princípio.
É importante lembrar que nas Cinco Vias Sto. Tomás de Aquino não conclui diretamente pela existência de Deus e sim que a realidade observada necessita de certos elementos para sustentar sua coerência racional e associa estes elementos "ao que chamamos Deus", nas palavras do filósofo.
Pode-se dizer que as Cinco Vias não provam a existência de Deus e sim que apresentam a "hipótese Deus" como explicação racionalmente sustentável para a coerência do cosmo.
A "hipótese Deus" como apresentada pela metafísica não se configura como prova de existência por não eliminar outras hipóteses e por só ser válida dentro das premissas estritas de que a coerência cósmica tida como verdadeira pela metafísica seja um fato e não uma interpretação do observador humano.
Também não se sustenta como demonstração de veracidade da afirmação "Deus existe" e sim como solução teórica para o problema da racionalização da existência de Deus, pois demonstrar em tese que a existência de um suposto ser explicaria determinados fatos não implica que este ser de fato exista.
Esta questão não passou despercebida a Sto. Tomás de Aquino, que declarou explicitamente a superioridade do ontológico sobre o lógico ao criticar o argumento de Sto. Anselmo, que propunha provar a existência de Deus com um argumento que, em última instância, se revela apenas um jogo de palavras.
Provar entidades infinitas só é possível em uma realidade matemática ou similar à matemática, na qual as propriedades de uma fração finita são idênticas às propriedades do todo infinito.
Em qualquer outra realidade em que esta lei não seja válida, qualquer fração finita é insignificante diante do todo infinito e, portanto, nenhuma prova cujas evidências e argumentos estejam contidos nesta fração terão abrangência suficiente para demonstrar a veracidade do todo infinito que pretendem provar.
No mais, a razão mais elementar entende que o autoevidente dispensa prova.
Com o justo reconhecimento à sabedoria de Sto. Tomás de Aquino, todo o mais para além do autoevidente só encontra provas absolutas na Fé pessoal.
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