Freud não explica (quase) nada
Por Reinaldo José Lopes
É irônico que um especialista em demolir ídolos, um sujeito que esmigalhava idéias pré-concebidas lambendo os beiços, feito gourmet, tenha ele próprio virado um monstro sagrado. Refiro-me, claro, a Sigmund Freud, o pai da psicanálise. O problema com a canonização de Freud é simples. Assim como não dá para negar a importância do psiquiatra vienense na história das idéias do Ocidente (e, por favor, leia “história” como se a palavra estivesse escrita com neon e letras garrafais), também é inegável que o grosso do que ele propunha como explicação da mente humana é… bem, porcaria. Pronto, falei.
Também é ruim o fato de muita gente ter esquecido o Freud em começo de carreira, que desejava achar bases biológicas, neurológicas e químicas claras para os problemas mentais e dizia aguardar com ansiedade explicações “testáveis” — passíveis de verificação por qualquer um em laboratório — e físicas para esses fenômenos. Em vez disso, as pessoas endeusaram complexos de castração e de Édipo, id, ego e superego, de forma cada vez mais dogmática, até que boa parte da psicanálise virou exibicionismo literário (não é à toa que o último reduto freudiano são os departamentos de literatura das universidades). Mas, se Freud não explica quase nada, Darwin explica.
É o objetivo deste escriba mostrar, nos seguintes parágrafos, qual o grande acerto de Freud (sim, ele o teve, e foi importantíssimo) e, principalmente, contar como a combinação de psicologia evolutiva e neurociência reforma um bocado, e muitas vezes pode demolir, as idéias freudianas sobre sexualidade, sonhos e inconsciente. É um daqueles casos clássicos em que nem a hipótese mais elegante resiste a um aglomerado de fatozinhos desagradáveis. Vamos lá?
Ao barbudo o que é do barbudo: Freud acertou em cheio ao insistir na idéia de que a imensa maioria dos nossos processos mentais se dá em nível inconsciente. Em certo sentido, isso vale até pra ações conscientes. Sabe-se, entre outras coisas, que os impulsos neuronais ligados à tomada de uma decisão pelo cérebro podem ser detectados ANTES da consciência dessa decisão (o que, para alguns, coloca em xeque até a noção de livre-arbítrio, mas essa é uma outra história). Sim, o inconsciente é o senhor da vida mental – coisa, aliás, que outros pensadores contemporâneos de Freud também diziam; ele não inventou a idéia.
O xis da questão é o porquê disso, e é justo em seu maior triunfo que o edifício freudiano começa a esboroar. O grosso do nosso funcionamento cerebral não é inconsciente porque escondemos de nós mesmos o lado negro de nosso ser, como argumentava Freud: é inconsciente porque daria trabalho demais e seria perigoso demais se não fosse.
Deixemos a coisa um pouco mais clara. Todos sabemos como é desconfortável dirigir um carro ou andar de bicicleta pela primeira vez, porque cada ação precisa ser executada de forma deliberada e consciente: pensar para dirigir só atrapalha. Uma vez que os mecanismos de guiar são internalizados, passando para a nossa memória implícita (diferente da explícita, aquela que a gente usa para guardar um número de telefone), tudo fica mais fácil – e mais seguro para motorista e passageiros.
O mesmo vale para uma série de funções do sistema nervoso, desde as mais básicas, que mantêm funcionando nossa respiração, até as reações emocionais mais diversas ou mesmo os julgamentos morais, que parecem ter uma base emocional muito forte, passando por reconhecimento de rostos e palavras, decisões sobre quem é ou não é atraente etc. É muito difícil, se não impossível, encontrar uma base racional consciente para todas essas coisas – em parte porque muitas delas são importantes demais para ser deixadas à mercê de um raciocínio lerdo. Saber distinguir entre um predador e um parceiro em potencial é um caso de vida ou morte – eis porque o controle é alegremente transferido ao inconsciente. “De pensar morreu um burro”, dizem por aí – aliás, morreu sem deixar descendentes, o que explica, em parte, porque a seleção natural favorece as espécies que não pensam demais para tomar decisões de vida e morte.
E é claro que, numa perspectiva evolutiva mais ampla, o próprio processamento mental de alto nível que nós chamamos de “consciência” é uma invenção relativamente recente, talvez privilégio de poucos mamíferos altamente curiosos e sociais, como grandes macacos, cetáceos e elefantes. O próprio peso da história do nosso sistema nervoso tende a “arrastar” grande número de funções para debaixo das asas do inconsciente.
A coisa fica ainda mais feia para o lado de Freud quando se leva em conta outra de suas idéias cruciais – a de que o conteúdo dos sonhos é uma forma de realização de desejos ocultos, que ocorre num momento de “guarda baixa” do superego (o conjunto de controles sociais e morais que faz as pessoas se comportarem de modo “aceitável”) diante do id (nosso lado instintivo e primitivo). Freud dizia, entre outras coisas, que sonhos no qual você voa são, na verdade, sonhos sobre sexo. (Como perguntou um personagem da série de quadrinhos “Sandman”: “E sonhos sobre sexo querem dizer o quê, então?”.)
O guru austríaco talvez ficasse meio cabreiro ao saber que os animais, essas criaturas proverbialmente sem superego, também sonham adoidado. Os mesmos padrões de atividade cerebral e de REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês) que caracterizam o sonhar humano também estão presentes em todas as espécies de mamíferos já estudadas, e até em aves. Os neurobiólogos ainda estão tentando entender em detalhes o que exatamente acontece durante os sonhos, mas há boas indicações de a coisa não tenha nada a ver com desejos reprimidos e tudo a ver com… seu cérebro desfragmentando.
Para quem não conhece a palavra, desfragmentar é o que o seu computador faz quando coloca os arquivos em sua memória numa ordem mais otimizada. Da mesma maneira, os sonhos parecem ser um subproduto aleatório do processo de consolidação e armazenamento das memórias que obtivemos durante o dia. Com isso, é inevitável que alguns aspectos da vida diária – inclusive as coisas pelas quais somos obcecados – acabem parando nos sonhos, mas procurar sentidos ocultos neles provavelmente é tanta perda de tempo quanto querer achar uma mensagem sobre o Apocalipse na página de teste da sua impressora multifuncional. Realidade 2, Freud 0.
Nosso último caso de estudo, e talvez o mais complexo e interessante, tem a ver com as populares idéias de Freud sobre o desejo sexual infantil pelos pais (chamado de complexo de Édipo para os meninos e de complexo de Electra para as meninas) e os estágios de desenvolvimento na infância. Estudos em diversas culturas e regiões do mundo mostram que, se tivesse se permitido ser um pouco mais sofisticado e menos fissurado em mitologia grega, Freud teria acertado em cheio. Nenhuma pessoa normal, em nenhuma fase da vida, tem atração sexual pelos pais: nós só usamos nossos genitores como um modelo geral do que é atraente em outras pessoas.
Poucas coisas fazem mais sentido biológico do que a aversão quase universal ao incesto; até os grandes macacos evitam suas parentas mais próximas na hora de se acasalar. (Ao contrário do que dizia o psicanalista, que formulou a tese de que a “horda primordial” humana era dominada por um paizão incestuoso. Viagem pura.) Tampouco há qualquer registro de desejo sexual real de crianças humanas por seus pais. Afinal de contas, acasalar-se com parentes tão próximos, que compartilham conosco 50% dos nossos genes, equivale a concentrar grande quantidade de material genético nocivo nos descendentes e ter filhos com problemas sérios de saúde, se não inviáveis.
O fenômeno é tão importante que vale até para pais e filhos (ou irmãos e irmãs) adotivos, ou mesmo para crianças criadas juntas de forma coletiva em determinadas organizações sociais. No entanto, e aí é que está o pulo-do-gato, é estatisticamente muito provável que as pessoas se sintam atraídas por pessoas fracamente parecidas com seus pais e consigo mesmas.
A semelhança, embora pequena, é significativa, e inclui até detalhes que nos soariam absolutamente irrelevantes (circunferência do dedo anular, por exemplo – é sério!). É fácil de descobrir essa correlação analisando grandes grupos de casais. O que parece estar em jogo aí não é um desejo de consumar a sua tara de Édipo impenitente, mas sim a necessidade de equilibrar diferença e semelhança – é bom ter como parceiro alguém que não seja seu clone, mas que ao mesmo tempo mantenha algum grau de compatibilidade genética com você.
O veredicto final, depois desses exemplos, chega a ser óbvio, mas talvez muita gente ainda precise ouvi-lo. Esquecemos com freqüência que, apesar de todo o seu brilhantismo literário, Freud realizou suas “descobertas” sobre a psiquê humana com técnicas questionáveis e pouca ou nenhuma confirmação experimental. Psicanálise funciona? Sim, mas placebo também. Nenhum edifício teórico, por mais sedutor que seja, pode ficar de pé diante do que os dados da natureza mostram.
http://ceticismo.net/ciencia-tecnologia/freud-nao-explica-quase-nada/
Comentários
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Onde houver fé, levarei a dúvida!
Porque Universidades são tão corporativistas quanto qualquer outra instituição.
Os critérios pelos quais se pode denunciar as obras de Freud como não científicas podem ser usadas para denunciar quase todas as chamadas Ciências Sociais.
Quais são as teorias testáveis da Antropologia ou da Sociologia?
E se aceito que se pode definir ciência conforme o caso, qualquer coisa pode ser científica.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Acauam a Karls eu faço psicoterapia e é claro que vocês podem achar que é um placebo .
Mas é impressionante por exemplo, quando em terapia eu mesmo já identifiquei em minhas abordagens na investigação terápica , complexos de édipo por exemplo (um exemplo entre outros).
Neste instante estou comentando isso com minha psicóloga.
Eu quero a Verdade .
A realidade é um conjunto de possibilidades que se concretizou dentro de um universo infinito de possibilidades.
Pqp ! Eu já fui de esquerda !
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Você identificou ou o tratamento o levou a identificar?
Nós, Indios.
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A primeira vez que isso aconteceu eu tinha 23 anos e é claro lia Freud , meu irmão é psicólogo.
O que aconteceu foi que ao relatar um fato ocorrido eu falei para psicóloga complexo de Édipo ela disse sim .
Se eu não tivesse lido Freud eu seria, digamos, isento , mas não era não.
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Ou seja, um daqueles casos nos quais o diagnóstica cria a doença no lugar de identificá-la.
Nós, Indios.
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Vamos falar do meu caso , já que como Cristão estou acostumado a relatar episódios de minha vida e assim ficar exposto ,aliado ao fato que acredito que aqui estou entre amigos. Vi minha mãe sem roupas e tinha uns 4 ou 5 anos .
Quando isso me vem a lembrança , sei que é minha mãe, mas vejo um corpo de mulher bonito.
Saber como aquela criança interpretou aquilo é difícil.
Fato é que já tive crise de Pânico ao relatar isso , neste momento mesmo estou em um pré sintoma o que já me levou a tomar um medicamento.
Concluo que é muito grave o sentir atração pela minha própria mãe e nisso vejo sim complexo de édipo.
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Acho bem mais simples e, portanto, melhor explicado que você sentiu atração por um corpo de mulher bonito. O fato de ser sua mãe foi apenas circunstancial e tornado central pela interpretação Freudiana do ocorrido.
Nós, Indios.
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E porque então eu fico desconfortável ao lembrar disto, se não explicado pelo complexo de édipo ?
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Como disse, o diagnóstico cria a doença.
Se lembrasse do ocorrido como uma criança que viu algo que achou bonito a coisa terminaria aí.
A partir do momento que se lembra do ocorrido como um ato libidinoso nasce o sentimento de culpa, que não existiria se não houvesse esta interpretação.
O sentimento é produto da interpretação do fato e não do fato em si.
Nós, Indios.
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Acauam tive a minha primeira crise de Pânico aos 12 anos e não tinha lido Freud ou ao menos ter feito psicoterapia .
Fui tratado como "disritmia cerebral", no tempo considerado como epilepsia sem convulsões
(tal tratamento foi inútil)..
Logo, não vejo como ter sido levado a ficar doente .
Vejo então que meu caso é típico de complexo de édipo, não consigo ver outra explicação.
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Os sintomas da crise de pânico são fato. A associação com Complexo de Édipo é induzida.
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Dr.House.
Acho que Freud identificou isso com pacientes e com ele mesmo.
Ele teorizou em cima de N sintomas que ao estudar lhe pareceu esta a causa.
Não me lembro profundamente dos ensinamentos de Freud , sofro de déficit de atenção e é natural que mesmo estudando muito um assunto esqueça o que estudei,mas me é claro que a fixação no genitor de sexo oposto pode ser verificada em várias pessoas, umas não sendo incomodadas por tal e outras sendo .
Acho Freud meio tarado, desconfio até que traçou a própria filha , mas ele tem argumentações bem interessantes.Só não me lembro bem as que concordo e as que discordo .
Não acho que a psicologia seja tão maluca assim.
A falta de mais argumentação empírica me é clara , mas isso não a desqualifica por completo.
Quando já desencorajado de fazer psicoterapia , vi uma reportagem de várias horas na televisão de pessoas que foram curadas de crises de Pânico por psicoterapia, lembro de um homem que levou 8 anos para ser curado.
Bom eu estou nesta luta desde os 12 anos e fiz psicoterapia uns 15 anos com interrupções.
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Não vejo muita diferença entre isso e curandelismo ou outros placebos aonde o paciente tem que acreditar tanto no diagnóstico como no tratamento.
E ela deixa uns 4000 reais por mes na carteira dessa profissional.
Sinto falta de etica mas nao quero dizer que todos esses psicanalistas sao dessa forma.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
Não, não são todos mas que devem ter alguns devem, a minha por exemplo cobra R$ 40,00 por semana eu que aumentei para R$ 50,00 agradecido por melhoras que tive.
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Aqui está o X da questão, tenho certeza que o olhar foi puro, natural, ao crescer e tomar conhecimento das opiniões dos adultos que enxergam uma conotação sexual que não existe na criança que a situação é deturpada.
― Winston Churchill
Frend usa métodos que nas quais nunca foram testadas cientificamente. É uma maneira errada de enxergar um problema, como todo o seu pensamento.
"A razão dos cães terem tantos amigos, é que movem suas caudas mais que suas línguas." (autor desconhecido)
"Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta." (Albert Einstein)
"O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade." (Albert Einstein)
Será bem vindo , não me lembro de muitas coisas que estudei dos 18 a 27 anos, se não me engano.
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Percival os sintomas vieram antes de eu entender bulufas de Freud, aos 12 anos .
E se repetem ao eu comentar este assunto.
Nessa acho que Freud acertou.
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Como explicar os sintomas aparecerem antes de eu entender nada de Freud ?
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