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Breve parágrafo sobre a miséria da meritocracia ideológica

2»

Comentários

  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron disse: Não faço a mínima questão de nenhum desses rótulos, nem a de conservadora e nem de progressista, e nesse tópico não coloquei em questão o valor da família enquanto instituição social e formação de indivíduos, apenas coloquei a minha visão sobre a realidade, da qual considero que a aleatoriedade da vida é um fator mais preponderante do que méritos pessoais.


    Esse ponto foi apenas uma alusão a como a meritocracia surge no discurso ideológico moderno.

    Trata-se apenas de uma maneira de tentar emascular a família enquanto unidade decisional.

    A autonomia institucional da família é um obstáculo considerável à agenda progressista, pois a família compete pela lealdade do indivíduo com o Estado ou a Sociedade ou a abstração coletiva que eles querem promover.

    Aqui é que a falácia do acaso ou da loteria tem um papel importante, para disseminar a noção de que há uma injustiça fundamental na ocorrência de nascimentos em famílias provedoras de ambientes saudáveis e prósperos simultaneamente a ocorrência de nascimentos em famílias disfuncionais.

    O ponto é que famílias tomam decisões em incerteza e suas decisões portam mérito. Essas decisões envolvem por exemplo aspectos de gestão financeira e de crescimento vegetativo. E essas decisões afetam o estado futuro da própria família. Assim o desenvolvimento dessa família ao longo do tempo diz respeito em parte aos valores que essa família absorveu e cultivou no curso de suas tomadas de decisão.

    Há loterias negativas envolvidas, mas elas não são necessariamente dominantes, e mesmo quando elas tem um impacto bastante grande, como no caso dos episódios de expropriação e violência (progressista) contra famílias judias durante Holocausto, elas podem ser eventualmente superadas, se os valores familiares subjacentes a prosperidade material permanecerem ou mesmo se fortalecerem, o que foi o caso para muitas delas.

    Agora se os valores familiares se desintegrarem ou falharem ao ser transmitidos, a prosperidade material não tarda a colapsar, como é o caso das "famílias" de celebridades e outras pessoas que enriqueceram mais rápido do que puderam adquirir valores morais.

    Essa percepção foi senso comum durante grande parte da História, e um noção intensa de vínculo familiar e de responsabilidade para com os seus e o seu legado era característica das dinastias mais bem sucedidas. E o alastramento do flagelo progressista desde à revolução de 1789 e sua virulenta atitude anti-aristocrática tem ameaçado esse pilar da civilização. Uma atitude que não tarda a se mostrar hipócrita, já que invariavelmente re-estabelece uma elite aristocrática, dessa vez completamente baseada no mérito da sua capacidade de gerar violência e terror político.

    Em outra oportunidade eu discuti em maior detalhes esses aspectos da demência do progressismo, eu vou procurar o link.

    Post edited by ufka_Cabecao on
  • ufka_Cabecao disse: No caso do indivíduo e suas condições de nascimento, isso é simplesmente impossível, pois ele não formava expectativa alguma antes de nascer, de maneira que não há qualquer loteria envolvida. Pelo menos do ponto de vista dele próprio. Já do ponto de vista do seus pais sim. É uma loteria por exemplo o fato do bebê nascer homem ou mulher, do ponto de vista de sua mãe, mas não do ponto de vista dele próprio. Seu sexo é um dado da realidade do qual ele apenas toma conhecimento retrospectivo e sobre o qual ele não forma expectativa alguma (ao menos na grande maioria dos casos...).
    Você não está caindo em uma espécie de solipsismo ao afirmar que a realidade dependa de uma perspectiva? Que probabilidades só existem se houver um observador consciente?

    Por exemplo, uma criança do sexo feminino tem uma chance de 50% de herdar uma doença chamada Huntington se a sua mãe for portadora da doença, será que o fato da criança ignorar isso ou nunca vier a ter ciência do mesmo essa probalidade deixa de existir?

    Imaginemos duas crianças, uma nasce em uma família miserável na África e a outra nasce em uma família de classe média no Canadá, enquanto a primeira sofrerá privações, fome, doenças e morte prematura a segunda terá alimentação, saneamento básico, acesso a educação e saúde de qualidade.

    É óbvio que nenhuma das duas crianças tem mérito ou culpa por nada disso, logo, como dizer que isso não foi uma loteria? Simples sorte e azar?
    Come with me if you wanna live.
  • CameronCameron Membro
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    ufka_Cabecao disse: Aqui é que a falácia do acaso ou da loteria tem um papel importante, para disseminar a noção de que há uma injustiça fundamental na ocorrência de nascimentos em famílias provedoras de ambientes saudáveis e prósperos simultaneamente a ocorrência de nascimentos em famílias disfuncionais.
    Aqui só seria uma falácia se as pessoas argumentarem que uma pessoa deva obrigatoriamente pagar uma taxa ou imposto pela sorte de nascer em uma família abastada, ou que a realidade devesse se submeter a um conceito de justiça, é claro que não defendo loteria nesse aspecto, até porque isso seria inviável.

    Defendo a minha visão que os caracteres aleatórios da vida são mais determinantes no nosso destino que nossos méritos pessoais, sem nenhum depreciativo pelos mesmos.


    Post edited by Cameron on
    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron disse: Por exemplo, uma criança do sexo feminino tem uma chance de 50% de herdar uma doença chamada Huntington se a sua mãe for portadora da doença, será que o fato da criança ignorar isso ou nunca vier a ter ciência do mesmo essa probalidade deixa de existir?


    A probabilidade não é uma propriedade dos fatos em si, mas do conhecimento incompleto sobre os fatos.

    Se o conhecimento não existe, a probabilidade também não.

    A situação pode vir a ser analisada no futuro, e num contexto de informação incompleta para o observador, probabilidades para cenários distintos serão necessariamente afetadas.

    Uma distinção que eu não deixei claro dessa vez é que existe uma certa correspondência, embora não uma identidade, entre a medida cronológica progressiva do tempo e o caráter prospectivo e retrospectivo do conhecimento.

    Certos eventos pertencem ao passado cronológico, mas nós só conhecemos o seu caráter completamente no futuro.

    Uma mulher que descubra ter compartilhado seringas e/ou mantido relações sexuais desprotegida com um adepto de pederastias, antes de conhecer o resultado do seu teste se encontra diante da probabilidade de estar ou não contaminada pelo virus HIV, ainda que o potencial contágio tenha sido realizado cronologicamente no passado.

    O ponto é que ela não sabe, e enquanto ela não sabe, ela está diante de cenários prospectivos para os quais a discussão em termos de probabilidades faz sentido.

    Post edited by ufka_Cabecao on

  • Deixa eu dar um exemplo mais claro. Considere a seguinte situação:

    1. Dois órfãos x e y moram num orfanato, e aguardam por uma família que vai adotar-lhes.

    2. Uma família rica estaria interessada em adotá-los, mas só poderia adotar um deles.

    3. Os garotos não sabem quem vai para a família.

    Do ponto de vista de cada um desses garotos, é uma loteria. Ir morar com a família rica é um cenário preferível sobre o qual eles não exercem completo controle. As expectativas racionais existem ex ante, i.e., elas precedem o estabelecimento dos fatos, e assim faz sentido falar de sorte, probabilidade e etc.

    Eles podem verificar situações precedentes e criar um entendimento estatístico da coisa. Pode ser que seja aleatoriedade pura, pode ser que o mais jovem, bonito, saudável etc. costume ser pego por famílias ricas com mais freqüência. Essas informações coletadas a priori permitem a formação de um modelo mental ondem eles estimam as probabilidades de serem selecionados.

    E então o que se passa é o confrontamento futuro do conhecimento da realização do fato com as expectativas que tinham sido criadas.

    O mesmo não pode ser feito para bebês que nascem em famílias ricas ou pobres. Nesse caso, a condição econômica de suas famílias é uma informação obtida por eles em retrospecto, sem que tenha sido formada qualquer expectativa. Ela é uma informação que precede o estado do observador em qualquer situação em que ele se encontre, então ela não pode ser examinada segundo probabilidades, do ponto de vista dele, pois conforme foi explicado, probabilidades retrospectivas são um contra-senso.
  • Cameron disse:

    Você não está caindo em uma espécie de solipsismo ao afirmar que a realidade dependa de uma perspectiva? Que probabilidades só existem se houver um observador consciente?


    O que eu disse foi que probabilidades são uma propriedade inerente ao conhecimento dos fatos, e que portanto dependem necessariamente que um observador dotado de um conteúdo de informação seja postulado.


  • ufka_Cabecao disse: O que eu disse foi que probabilidades são uma propriedade inerente ao conhecimento dos fatos, e que portanto dependem necessariamente que um observador dotado de um conteúdo de informação seja postulado.
    Seguindo esse raciocínio, e se uma pessoa tentasse calcular as probabilidades de qual condição social teria a próxima criança a nascer?

    Essa pessoa teria que basear seu cálculo no número de pessoas (aproximadamente 6 bilhões, temos que descontar os muito jovens e muito velhos para terem filhos), a porcentagem delas que pertencem a cada classe social somando mais alguns aspectos dissonantes como o fato de pessoas das classes mais abastadas terem um planejamento familiar melhor que os das classes sociais mais baixas.

    Nesse cenário seria possível afirmar que a criança nascer na classe A como sorte?


    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down

    Sorte é o nome dado a uma realização incerta favorável. Tanto a incerteza quanto a preferência devem ser associadas ao mesmo observador.

    Se eu entro num cassino e saio com dinheiro, sem ter feito qualquer coisa para aumentar minhas chances de vitória, eu dei sorte.

    Eu posso supor que se você entrar num cassino e sair com dinheiro foi porque você deu sorte. Mas pode ser que você conhecesse o croupier. Que você tenha contado as cartas. Que você seja muito bom no poker. Etc.

    No caso, o observador é o estatístico que procura calcular a probabilidade do próximo bebê nascer numa família rica. O fato dele falar do próximo bebê abstratamente enquanto ele ainda não nasceu não torna o “próximo bebê” um observador real, concreto e dotado de informação. Ele não pode dar sorte. O “próximo bebê” é apenas um evento aleatório. Um evento que por acaso dará origem a um novo observador racional no mundo, que poderá pensar em termos de proababilidades também, mas apenas depois que ele passar a existir.

    Se o estatístico quiser considerar como sorte o próximo nascimento dar-se numa família rica, ok. Mas isso é a sua percepção de valor para o fato de que a próxima criança nasceu numa família rica. Isso não diz nada a respeito da criança em si. Ela não deu sorte. Ela simplesmente não existia para ter dado sorte. Ela passou a existir a partir desse evento, e uma parte daquilo que a constitui é o fato dela ter nascido numa família rica. Não há probabilidades ou sorte aqui.


    Post edited by ufka_Cabecao on
  • CameronCameron Membro
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Ok, não podemos chamar de sorte uma criança nascer em uma família rica ao invés de pobre, tampouco considerar que essa criança teve algum mérito nisso, nem culpar uma criança que nasceu em uma família pobre por isso, então pergunto:

    Como classificar o evento? Se não é sorte e nem azar, se não é mérito nem culpa o que é? E principalmente, se não é nenhum dos dois, como algo tão determinante ao nosso destino poderia apoiar as nossas visões da realidade, sendo a minha que você considera pessimista por achar a vida uma grande loteria e a sua otimista que pressupõe que méritos pessoais sejam mais preponderantes em nosso destino do que a aleatoriedade?
    Post edited by Cameron on
    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down

    É engraçado como a matemática pode sintetizar as coisas.

    Se eu fosse explicar esse ponto para um matemático afeito a teoria de probabilidades e processos estocásticos bastaria dizer que a propriedade de pertencer a uma determinada família rica ou pobre é uma propriedade mensurável com respeito a F_0 dada a filtração (F)_t representando aquilo que o indivíduo sabe.

    Qualquer evento mensurável com respeitoa F_0 não é nem aleatório, nem passível de um controle estocástico, nem serve para calibrar um aprendizado estatístico. São “fatos da natureza” daquele indivíduo, a serem admitidos a priori para então probabilidades sejam afetadas e decisões conseqüentes tomadas.

    Se a (F)_t fosse diferente, e em particular a sua F_0, trataria-se de outro indivíduo, de outra história de mundo. Um indivíduo não pode se dissociar da informação histórica que o precede, na medida que é ela que o define.

    Mas quando filosofia informal é a única ferramenta disponível, as coisas ficam menos claras.

    Não há faz sentido ele dizer que foi um grande azar a sua família não ter ganho na loteria antes dele nascer. Qualquer bebê que tivesse nascido teria sido outra pessoa. A sua identidade depende fortemente dos fatos que precederam a sua concepção, incluindo aí o fato de não ganhar na loteria.

    Aquilo que ele é só pode ser aquilo que ele é e nada mais. Não há azar ou sorte envolvidos na condição de ser alguma coisa.

    O mérito e a sorte são qualidades das decisões que ele vai tomar a partir do momento em que ele já sabe o que ele é e o que ele quer, e tem um certo entendimento do mundo ao seu redor, sua circunstância. Nesse contexto ele projetará cenários possíveis e tentará ajustar suas ações de maneira a produzir aquilo que ele considera ser um nível maior de satisfação.

    Nesse momento podemos distinguir quatro categorias de relações entre ação e conseqüência:

    - mérito : Ações apropriadas e cenários favoráveis realizados.
    - azar : Ações apropriadas e cenários desfavoráveis realizados.
    - sorte: Ações impróprias e cenários favoráveis realizados.
    - culpa : Ações impróprias e cenários desfavoráveis realizados

    Certos contextos decisionais envolvem alta aleatoriedade, outros baixa aleatoriedade.

    Isso pode ser ilustrado facilmente com jogos tradicionais.

    Uma partida de xadrez porta baixa aleatoriedade, o vencedor em geral é o que toma as decisões mais apropriadas. Um jogador experiente terá resultados estatísticos muito consistentes sobre um jogador inexperiente. Nesse contexto um regime de mérito é dominante.

    Uma partida de poker porta média aleatoriedade. Um jogador experiente terá resultados estatisticamente consistentes sobre inexperientes, mas menos do que no xadrez. Nesse contexto existe um equilíbrio entre mérito e sorte.

    Uma partida de par ou ímpar porta plena ou quase plena aleatoriedade. Um jogador experiente não tem qualquer consistência estatística discernível. Nesse contexto a sorte é dominante.
    Post edited by ufka_Cabecao on
  • CameronCameron Membro
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Ok, vou colocar em outros termos, digamos, causas além de nosso controle, que equivocadamente chamei de loteria, sempre considerei que quando algo ruim acontecia a alguém sem que a pessoa tivesse culpa como azar, mas parece que não é o termo mais preciso.

    Você defende, pelo menos até aonde pude entender, uma visão otimista da realidade, aonde existe livre-arbítrio e méritos pessoais, e esses fatores seriam mais determinantes em nosso destino do que eventos que não estão sobre o nosso controle, sejam eles fortuitos ou não.

    Eu defendo uma visão, segundo você pessimista, que os eventos que estão fora do nosso controle, sejam aleatórios ou não, são mais determinantes ao nosso destino do que nossos méritos pessoais.

    Existiria algum método objetivo para tentar determinar qual visão está mais próxima da realidade?
    Post edited by Cameron on
    Come with me if you wanna live.
  • Cameron disse: Existiria algum método objetivo para tentar determinar qual visão está mais próxima da realidade?

    Não.

  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron escreveu:
    Ok, vou colocar em outros termos, digamos, causas além de nosso controle, que equivocadamente chamei de loteria, sempre considerei que quando algo ruim acontecia a alguém sem que a pessoa tivesse culpa como azar, mas parece que não é o termo mais preciso.


    Você certamente não controla conscientemente vários aspectos da sua existência, em particular os que precedem a formação da sua própria consciência. Isso não quer dizer que azar e sorte sejam conceitos apropriados para designar esses aspectos. Sorte e azar são conceitos que se aplicam a contextos específicos.

    Por exemplo, digamos que a confiabilidade da previsão metereológica seja de 95%. E você lê o prognóstico para um dia de sol, e sai de casa sem guarda-chuva ou agasalho. Mas esse é um dos 5 dias entre 100 em que a previsão falha. Uma forte chuva cai e você se encontra num cenário indesejado.

    O que nós temos aqui é um observador/agente bem definido, no caso “você”. Ele têm preferências conflitantes que correspondem aqui a estar convenientemente protegido em caso de chuva, e não transportar excesso de material em caso de tempo bom. Ele tem uma informação prospectiva sobre o futuro, dada pela previsão metereológica. Essa informação porta um risco de não se produzir. Ele então toma uma decisão conseqüente admitindo certa incerteza residual sobre o futuro.

    Nesses contextos podemos falar de sorte ou azar. E nesse caso em particular, temos um exemplo de azar. Uma decisão racional mostrou-se ruim em retrospecto, devido a manifestação de um risco residual. Sorte se produziria quando uma decisão irracional mostra-se boa em retrospecto.

    É impossível eliminar ocorrências de azar dado o conhecimento limitado da realidade que nos impede, na prática e talvez mesmo na teoria, de prever com precisão arbitrária o que vai acontecer no futuro.

    Todos os ingredientes são necessários: o agente pré-existente, as preferências, a informação disponível que orientará a tomada de decisão, e o risco inerente a essa informação. Sem eles não é possível dar sentido a uma distinção entre azar e sorte, ou comportamento racional e irracional.

    É possível para um observador inferir certas causas históricas da sua própria existência. Ele pode por exemplo se informar a respeito das condições humanas que possibilitaram o encontro de seus pais e antepassados, ou, indo mais longe, das condições astronômicas que possibilitaram a existência de um sistema planetário capaz de hospedar vida baseada em carbono.

    Mas não é possível para ele falar de sorte nesses contextos. Não é possível sequer falar de probabilidades para essa cadeia de eventos, exceto de probabilidades hipotéticas para um observador hipotético dotado de um conteúdo de informação hipotética.

    É possível, uma vez que sejam aceitas certas hipóteses a respeito do que sabia um certo personagem histórico, e a partir de como os eventos se processaram, dizer se ele teve ou não sorte. Por exemplo, Cristovão Colombo teve a sorte de topar com a América ao tentar sua rota alternativa para as Índias. Seus cálculos subestimavam a distância necessária e ele não possuía provisões para uma viagem completa caso não aparecesse um continente intermediário.

    Mas você não pode dizer que você teve sorte por Cristóvão Colombo ter descoberto a América aproximadamente 500 anos antes de você nascer. Isso não faz sentido. Um mundo onde Cristóvão Colombo teria perecido em alto-mar seria distinto de qualquer contexto onde você poderia afetar probabilidades a cenários decisionais distintos, pois em particular você não pertenceria a ele.
    Post edited by ufka_Cabecao on
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron escreveu:

    Você defende, pelo menos até aonde pude entender, uma visão otimista da realidade, aonde existe livre-arbítrio e méritos pessoais, e esses fatores seriam mais determinantes em nosso destino do que eventos que não estão sobre o nosso controle, sejam eles fortuitos ou não.

    Eu defendo uma visão, segundo você pessimista, que os eventos que estão fora do nosso controle, sejam aleatórios ou não, são mais determinantes ao nosso destino do que nossos méritos pessoais.

    Existiria algum método objetivo para tentar determinar qual visão está mais próxima da realidade?


    A minha impressão é a de que não, ao menos num sentido muito geral, justamente porque esses posicionamentos metafísicos precedem o próprio estabelecimento de um método objetivo para tratar a realidade. No final das contas, qualquer critério que você invente para comparar o impacto do controlável versus o impacto do "incontrolável" terá pouca ou nenhuma serventia, uma vez que só o impacto controlável é passível de ser medido precisamente através justamente das distinções percebidas mediante alterações de seus parâmetros.

    O costuma ocorrer é a seleção do critério que gera maior harmonia estética entre a percepção do que se passa no exterior e as nossas introspecções.

    Eu prefiro o meu sistema de realidade na medida em que ele confere um sentido bem claro a uma classe de conceitos filosóficos bastante familiares, como entendimento, racionalidade, decisões face à incerteza, livre arbítrio, conhecimento prático e formal, instituições, moral etc. Eu considero que um sistema epistemológico que permita dar um sentido preciso a esses conceitos um sistema mais satisfatório do que um onde esses conceitos se mostrem finalmente contraditórios ou desnecessários.

    Isso pode parecer arbitrário, mas é um fato que nós usamos esses conceitos cotidianamente em distinções de caráter menos abstrato, então me parece um ideal estético bastante natural de tentar conceber um sistema onde eles tenham uma coerência global.
    Post edited by ufka_Cabecao on
  • Entendi, eu costumo dizer que as pessoas céticas devem ser as únicas pessoas desse mundo que torcem para estarem erradas, no que se refere a essa discussão eu discordo de seu ponto de vista otimista, em termos de destino, me parece que estamos mais para folhas levadas ao vento do que pilotando uma aeronave em meio a uma tempestade, mas essa é uma daquelas conclusões que torço para estar errada e que você esteja certo.

    Até mais.
    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecao disse: Eu prefiro o meu sistema de realidade na medida em que ele confere um sentido bem claro a uma classe de conceitos filosóficos bastante familiares, como entendimento, racionalidade, decisões face à incerteza, livre arbítrio, conhecimento prático e formal, instituições, moral etc. Eu considero que um sistema epistemológico que permita dar um sentido preciso a esses conceitos um sistema mais satisfatório do que um onde esses conceitos se mostrem finalmente contraditórios ou desnecessários.
    Será que existe um meio termo entre as duas visões?

    Você afirma que defende seu otimismo para que seus conceitos filosóficos tenham sentidos claros, eu, como cética, questiono a razão pela qual tais conceitos haveriam de ter algum sentido, o que me parece, é que levada as últimas implicações, o raciocínio conduz inexoravelmente ao niilismo, ou a uma percepção que nossos conceitos e valores são tentativas de se adequar a realidade a nossas intenções e não inerências a partir da mesma.

    Desse modo, tudo parece se dividir em duas categorias, um otimismo antropocêntrico ou o vazio niilista.

    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron escreveu:
    Entendi, eu costumo dizer que as pessoas céticas devem ser as únicas pessoas desse mundo que torcem para estarem erradas, no que se refere a essa discussão eu discordo de seu ponto de vista otimista, em termos de destino, me parece que estamos mais para folhas levadas ao vento do que pilotando uma aeronave em meio a uma tempestade, mas essa é uma daquelas conclusões que torço para estar errada e que você esteja certo.


    Eu ignoro porque o seu ponto de vista teria um caráter mais cético.

    Embora existam várias definições para o termo, o ceticismo em geral compreende uma atitude onde se rejeita a possibilidade do conhecimento último das coisas, ou que alegações sobre o comportamento das coisas devam estar escoradas na possibilidade verificação (ou falsificação) empírica.

    Nós não estamos tratando de fatos propriamente ditos, mas de maneiras de representá-los abstratamente. Estamos discutindo como falar sobre coisas, e não sobre as coisas em si.

    Uma atitude cética aqui é pouco conseqüente.

    O que eu propus foram definições mais gerais e exemplos de emprego coerente de noções bastante freqüentes da nossa linguagem.

    Eu comecei explicando porque uma definição mais abrangente de probabilidade, por exemplo, não faria sentido. Porque não podemos falar de probabilidade de maneira independente a um estado de informação prospectiva de um observador. Em matemática nós falamos de probabilidade condicional, quando algum evento que aporta informação é conhecido. Por exemplo, qual é a probabilidade condicional da altura de alguém ser maior do que 2.05 metros, sabendo que ela é maior do que 2 metros.

    Mas é importante entender que todas as probabilidades calculadas estão condicionadas a algum conhecimento. Elas precisam estar condicionadas ao conhecimento do observador na forma de alguma distribuição inicial. Por exemplo, a altura de seres humanos pode seguir uma lei bastante próxima da normal centrada em 1.65 metros e com um desvio padrão de 15 cm, sem que se saiba nada alem do fato da variável aleatória ser a altura de um ser humano. Essa distribuição pode ou não ser afetada pela adição de informação subseqüente.

    Daí eu relacionei outras idéias a essa definição, dando sentido a um sistema de representação onde conceitos como decisão, sorte, mérito ou livre arbítrio fazem sentido e correspondem as impressão intuitiva que temos deles ao empregá-los na nossa linguagem cotidiana. Não só isso, o sistema permite perceber que boa parte das dificuldades e apartentes paradoxos derivados de certas reflexões sobre esses conceitos são na verdade imprecisões semânticas produzidas na ausência de definições claras.

    Isso não é algo para o qual se possa manifestar ceticismo propriamente dito. O que se pode é criticar o sistema do ponto de vista da sua coerência interna ou da sua capacidade de abranger fenômenos diversos.
    Se essas definições criarem algum tipo de contradição, o que pode se fazer é propor outras definições e ver se elas produzem um sistema coerente de representação das coisas.
    Se essas definições forem insuficientes para lidar com os problemas de interesse, elas devem ser acrescidas de outras, ou generalizadas.

    A idéia de que essa é uma atitude otimista em comparação a sua é apenas uma interpretação minha do fato de que esse sistema parece ser mais consistente com uma perspectiva de mundo onde possa se dar sentido as coisas, enquanto a sua atitude parece ser a de que esse empreendimento é intrinsecamente fútil.
    Post edited by ufka_Cabecao on
  • AcauanAcauan Administrador, Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron disse: ...o raciocínio conduz inexoravelmente ao niilismo,...

    A priori o raciocínio conduz aos desdobramentos lógicos das premissas, podendo conduzir a qualquer conclusão que seja, conforme as premissas que se escolha.

    Post edited by Acauan on
    Acauan dos Tupis
    Nós, Indios.
    Lutar com Bravura, morrer com Honra!
  • ufka_Cabecao disse: A idéia de que essa é uma atitude otimista em comparação a sua é apenas uma interpretação minha do fato de que esse sistema parece ser mais consistente com uma perspectiva de mundo onde possa se dar sentido as coisas, enquanto a sua atitude parece ser a de que esse empreendimento é intrinsecamente fútil.
    Não gostaria muito de discutir isso em termos de utilidade pois o niilismo seria igualmente ou até mais inútil em termos de atitudes práticas, gostaria de discutir isso em termos de veracidade, o que é ou não real, desse ponto que eu discordo do otimismo antropocêntrico de valores como uma representação da realidade, me parece, aqui admito ser uma impressão e possivelmente uma percepção errada, que a realidade não se altera por causa desses valores, ou seja, tais valores são apenas úteis dentro da subjetividade humana, por exemplo, o valor da justiça, dentro de nossa sociedade as pessoas de bem e honestas valorizam a justiça, e não existe absolutamente nada de errado nisso, e sem o menor depreciativo por esse valor uma vez que também o defendo, ele é subjetivo, está restrito unicamente a esfera humana, o problema aparece quando se defende tal valor como a representação de uma realidade objetiva e intrínseca ao universo, como se as leis naturais iriam se submeter a um valor subjetivo nosso para lhes conceder sentido mais claro, o mesmo se aplica aos outros valores como liberdade e sacralidade.

    Ao observar a realidade, me parece que tais valores são esmagados por uma natureza de implacável indiferença, não existe a menor justiça em uma pessoa nascer saudável e robusta e outra nascer com uma doença genética que causa dor e sofrimento e morte aos dois anos de idade, não existiu nenhuma liberdade para aqueles que nasceram filhos de escravos, nada resiste como valor sagrado em todas as circunstâncias e épocas, etc...

    No fim, parecem apenas ilusões que temos que alimentar como uma condição inerente de nossa humanidade, nada mais do que isso.


    Come with me if you wanna live.
  • ufka_Cabecaoufka_Cabecao Moderador
    edited outubro 2011 Vote Up0Vote Down
    Cameron escreveu:
    Será que existe um meio termo entre as duas visões?

    Você afirma que defende seu otimismo para que seus conceitos filosóficos tenham sentidos claros, eu, como cética, questiono a razão pela qual tais conceitos haveriam de ter algum sentido, o que me parece, é que levada as últimas implicações, o raciocínio conduz inexoravelmente ao niilismo, ou a uma percepção que nossos conceitos e valores são tentativas de se adequar a realidade a nossas intenções e não inerências a partir da mesma.

    Desse modo, tudo parece se dividir em duas categorias, um otimismo antropocêntrico ou o vazio niilista.


    O que você quer dizer exatamente com “inerência a partir da [realidade]”? Conceitos não são inerências da realidade. Conceitos são os blocos de lego com os quais “nós” construímos uma representação mental da realidade, nossas expectativas e nossas fantasias.

    Essa definição servirá aos propósitos pretendidos, embora ela possa vir a se mostrar inadequada, na medida que se coloque a pertinente questão do “eu” que opera esses conceitos ser ou não um conceito em si. Embora não possamos menosprezar a relevância de conceitos auto-referentes, e se o próprio conceito de conceito é ou não auto-referente, eu vou fingir na cara de pau que o problema não existe, por não ter meios para tratá-lo aqui de maneira apropriada.

    Por enquanto, vamos supor que exista um conceito apriorístico do “eu”, que está relacionado a um “mundo” através de sua “percepção” (outros conceitos apriorísticos), para então elaborar seus conceitos sintéticos para as representar as coisas que percebe.

    E são alguns desses conceitos sintéticos que nós estamos interessados em discutir.

    O sentido de um conceito sintético é a qualidade percebida da sua capacidade de representar alguma coisa percebida no mundo. É o entendimento.

    Uma maneira de abordar esse aspecto é assumir que outras pessoas são elas mesmas “eus” dotados de conceitos, que não são os mesmos que os seus, mas que em alguma medida guardam certa correspondência.

    Por exemplo, eu e você temos cada um um conceito associado a palavra “cachorro”, que não é o mesmo, mas são “próximos”. Se eu disser para você “lata como um cachorro”, e tiver razões para acreditar que você colaborará com essa instrução (o que será pouco provável em se tratando de alguém com mais de 2 anos de idade), eu vou esperar algum ruído similar a “au-au” como resposta.

    Sempre dentro da premissa natural de que você não é uma ilusão criada pela minha própria mente, mas um operador conceitual similar a mim, esse experimento terá servido para confirmar que entre nós existe algum nível de entendimento mútuo do conceito de cachorro. A noção de cachorro faz algum sentido, ao menos no contexto que esse experimento se produz.

    A palavra “cachorro”, associada ao conceito cachorro, é obviamente uma convenção da língua portuguesa e outras variantes, e talvez guarde relação etimológica com conceitos associados em outras línguas (em espanhol, por exemplo, ela quer dizer um filhote genérico). Na interseção entre os nossos conceitos de cachorro está a palavra específica em português, o que facilitou a transmissão da mensagem. Nós poderíamos falar línguas diferentes, mas mesmo assim ter conceitos de cachorro correspondentes, mas isso exigiria um outro tipo de comunicação.

    Esse nível de entendimento mútuo revela o compartilhamento parcial de um conceito e agrega algum sentido a ele.

    É esse tipo de sentido que eu estou procurando atribuir aos conceitos de probabilidade, sorte, meritocracia, livre-arbítrio.

    Da mesma forma que cachorros são conceitos sintéticos parcialmente compartilhados entre várias pessoas e capazes de produzir entendimento, estes conceitos também são. Mas eles também produzem muito mais confusão do que o conceito banal de cachorro.

    Isso não é da alçada do ceticismo. O mesmo procedimento poderia ser conduzido para dar sentido a conceitos de caráter mitológico, como deuses, fadas ou dragões. Os conceitos em si tem sentido, o que não quer dizer que descrições da realidade que empreguem esses conceitos sejam satisfatórias.

    O ceticismo se ocupa exatamente de investigar essas descrições.

    Tomemos dragões por exemplo, definidos como lagartos alados que cospem fogo. Existem várias coisas associadas a esse conceito, como desenhos e representações diversas, e entre elas a noção de um dragão físico real, para a qual não há atestada nenhuma experiência concreta confiável, e que é portanto suposto como inexistente na subclasse das coisas concretas e reais que você e várias outras pessoas empregam para representar o mundo.

    A frase “eu tenho um dragão na minha garagem”, supondo que esteja claro que eu falo de um dragão físico real, é passível de provocar uma atitude cética.

    O ceticismo não se aplicou ao conceito de dragão. O conceito de dragão pode ser adequado ou inadequado para produzir um entendimento. O ceticismo não se importa com isso. O ceticismo se importa com o emprego desse conceito numa determinada situação.

    O ceticismo não necessariamente se restringe a esse aspecto de concreto versus abstrato.

    Você não pode ser cético com relação ao conceito de “raiz quadrada de 2”. Mas se eu te digo que a “raiz quadrada de 2” é de magnitude igual a “1.5”, você pode ser cética, e tentar confirmar isso através de álgebra elementar.

    O ceticismo é uma atitude face a uma proposição que instancia um conceito enquanto representação de alguma outra coisa que não ele próprio por definição. No primeiro caso, o dragão enquanto animal habitando minha garagem, ou "raiz quadrada de 2" como "1.5".

    Você pode ser cética por exemplo a minha hipótese de que existe um certo grau de entendimento comum aos conceitos de probabilidade, sorte, mérito e livre arbítrio. Mas isso é algo bastante óbvio. Registros de ocorrências de diálogos inteligíveis empregando esses conceitos existem há séculos. Assim como registros de confusão atestando que esses termos, embora sejam entendidos, não são completamente.

    A minha proposta é de abstrair dos contextos onde há alguma inteligibilidade os elementos necessários que permitem que esses conceitos sejam empregados de maneira eficaz, produzindo entendimento procurado.
    Post edited by ufka_Cabecao on
  • ufka_Cabecao disse: É esse tipo de sentido que eu estou procurando atribuir aos conceitos de probabilidade, sorte, meritocracia, livre-arbítrio.
    Ok, não intencionalmente eu acabei por fugir da proposta do tópico, desviando-o para uma dicotomia niilismo/antropocentrismo, como não é o caso, foi uma falha de "transmimento de pensação" de minha parte.

    Come with me if you wanna live.
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