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Depois de 1:12
A moral cristã já estava formatada na época da Inquisição. Alegar que a intelectualidade clerical católica da época era incapaz de perceber as conseqüências morais do uso da tortura em inquéritos religiosos é subestimar a sofisticação filosófica na qual este grupo foi formado.
Tanto é que o próprio Clero restringiu o uso da tortura, prova de que sabiam muito bem do mal inerente àquela prática, mas não tiveram a coragem moral de suprimir seu uso.
Os porquês desta covardia podem ser especulados tanto a favor, quanto contra a Igreja, mas ignorância das implicações de seus atos está fora de cogitação.
Eric Voegelin analisou criteriosamente esta questão em "Hitler e os Alemães", um livro que a tradução em Português apresenta um texto muito chato, mas possivelmente fiel ao original.
Um dos pontos centrais é a transferência da discussão sobre a culpa coletiva do "povo alemão" pela ascensão de Hitler para a defesa da consciência individual como a verdadeira trincheira moral da humanidade.
O autor tenta explicar como e porquê esta trincheira da consciência individual cedeu entre os alemães cada vez que viram um judeu ser espancado na rua, ouviram nas calçadas os gritos das pessoas torturadas nas sedes da Gestapo, viram vizinhos presos na calada da noite e mesmo assim se perfilaram entusiasmados para gritar sig e heil.
O problema desta mensagem para o Tribunal de Nuremberg foi que sua íntegra poderia ser "a colaboração com regimes assassinos não será perdoada após a derrota total destes regimes".
Este foi basicamente o argumento da defesa de Goering, que alegou que o único fundamento das acusações era a derrota militar do III Reich.
Ou seja, estamos discutindo se a verdade reside no objeto ou no conhecimento deste objeto.
Se um objeto existe, então é verdade que ele existe, mesmo que ninguém tome conhecimento de sua existência.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
A polêmica começou antes de 27/07/2010, conforme vídeo abaixo de 07 de janeiro de 2010, após 4min25s.
O programa de 27/07/2010 é visivelmente uma retaliação contra a ameaça de processo.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Valeu, Rapidfire. Era desse vídeo que eu falava. Vou encher um pouco a paciência dos senhores, transcrevendo algumas falas do Datena nesse vídeo:
1. Votem em massa para provar que o bem ainda é maioria.
2. Quem não acredita em Deus, não tem limites.
3. Eu costumo dizer que quem não acredita em Deus, não costuma respeitar os limites, porque se acha o próprio Deus.
4. Quero mostrar também que tem gente que não acredita em Deus. É por isso que o mundo tá essa porcaria: guerra, peste, fome, tudo mais. Entendeu como é que é o negócio? São os caras do mau.
5. Isso é um exemplo típico de um sujeito que não acredita em Deus: Matou o menino de dois anos de idade, tentou fuzilar três ou quatro pessoas.
6. Para provar para essas pessoas do mal, que Deus existe.
7. Olha, tem quase mil ateus ali, quase mil ateus... [um pouco depois] ...É provado(?) que tenha bandido ligando até de dentro da cadeia. Vamos mostrar para esses caras que o bem é maioria.
8. Veja você, viu?, Márcio Campos, que mesmo com tanta notícia de violência, com tanta notícia ruim, o brasileiro prova de uma forma definitiva, clara, que tem Deus no coração. Quem não tem, é quem comete esse tipo de crime. Quem mata, enterra pessoas vivas, quem mata criancinha, quem estupra, quem violenta, quem bate nas nossas mulheres.
9. Agora tem muito bandido votando do outro lado. Quase mil e setenta pessoas.
10. Mas os bandidos que matam, mas que matam com prazer, esses não acreditam em Deus.
Não transcrevi tudo. Ele repete muitas vezes a idéia de que o bem é maioria, deixando explícito que, quem não acredita em Deus, representa o mal. Na frase número quatro ele nos poupa o trabalho de fazer ilações e diz textualmente: são os caras do mal. Na frase número sete, que não está totalmente transcrita, ele fala "ateus" várias vezes. Logo depois, sem mencionar ateus, mas falando ainda de quem não tem Deus no coração, ele atribui a essas pessoas crimes como assassinato e estupro de crianças, entre muitos outros. Nesse contexto, ateus e pessoas que não tem Deus no coração, viram sinônimos, e recebem a autoria dos crimes mais hediondos.
Ainda assim, fico a pensar se foi ou não um good move, estrategicamente falando, talvez fosse melhor ter deixado cair no esquecimento como tantas outras asneiras típicas do apresentador.
Já que não deu em nada, e nem vai dar, talvez tivesse sido melhor deixar cair no esquecimento, mesmo. Se a Justiça deste país não fosse tão ineficiente, babacas como o Datena sofreriam punições exemplares. E outros pensariam duas vezes antes de seguir seus passos...
A primeira instância de Inquisição ocorreu em Languedoc em 1184.
Desse ano até os dias atuais foram realizados 10 concílios ecumênicos, o que dá uma idéia do quanto a doutrina moral católica teria sido revisitada de lá pra cá.
Mas eu concordo que muito já se sabia e que retrocessos foram assim mesmo observados. O ponto não é exatamente o que se sabia, mas o quanto se sabia, e o quanto isso se aplicava ao contexto.
Como eu disse anteriormente, hoje em dia se sabe, mais até do que na época, que a tortura de suspeitos é uma prática condenável. Alguns diriam em “qualquer circunstância”, e esses por exemplo condenariam assim as ações táticas do BOPE e outras forças policiais urbanas, que usam certos métodos violentos para obter os fragmentos de inteligência necessários dos suspeitos abordados durante as operações de incursão em território hostil.
Mas só porque nesse caso se tratou de um tribunal internacional especial constituído para julgar o alto escalão dos nazistas capturados durante a derrocada do Reich.
Vários cidadãos americanos ou vivendo nos Estados Unidos foram investigados e julgados em virtude de suspeita de espionagem ou colaboração com os comunistas, isso antes do bloco soviético desmoronar.
É claro que o próprio Stalin ou sua nomenklatura próxima não poderiam ser julgados pelo House Un-American Activities Committee pois a sua captura envolveria a declaração e subseqüente vitória numa guerra contra a União Soviética, mas isso não impediu que seus espiões e seus companheiros de viagem o fossem.
Se a verdade for o grau de correspondência entre a percepção da realidade e o modelo descritivo dessa realidade, a verdade é uma propriedade necessariamente relacionada as abstrações do conhecimento, dos enunciados que nós emitimos sobre o mundo.
A asserção de que “um objeto existe”, que pode ser verdadeira ou falsa, não é um ser natural com existência própria, ela é uma entidade abstrata sintética criada por alguém que descreve o mundo e que o percebe como contendo o objeto. Ela existe apenas enquanto fração do conhecimento que aquele indivíduo possui sobre o universo.
O seu conteúdo de verdade se manifestará na coerência entre as conclusões e inferências que um hipotético mundo representativo comportando aquele objeto induz e a percepção gerada pela própria realidade.
Sendo a verdade uma propriedade do conhecimento, sem ele não há verdade.
Isso não quer dizer que quando falamos do passado a verdade seja restrita as coisas que eram conhecidas naquela época. O passado pode ser explicado em retrospecto com o conhecimento adquirido após os eventos. As leis de Newton são aplicáveis e verdadeiras para se entender como as pirâmides puderam ser construídas para os faraós.
Mas apenas porque nós, que tentamos entender a história, já possuímos esse conhecimento das leis de Newton e sabemos que elas são (aproximadamente) verdadeiras para a descrição dos fenômenos mecânicos, sejam eles observados hoje ou em registros do passado.
Elas são adequados instrumentos abstratos de descrição de um mundo que não é apenas composto de eventos atuais, mas também de eventos passados, incluindo os eventos que precedem a proposição dessas leis.
A moral cristã está praticamente formatada na Patrística e representada pelas vidas e martírios dos santos da Igreja.
A moral Católica é, basicamente, o exemplo dos santos católicos naquilo que os fez serem considerados santos.
Os próprios significados e importâncias que o catolicismo atribui ao martírio evidenciam que a Igreja tinha plena consciência do problema moral do uso da tortura como meio de interrogatório.
É o velho problema do "os fins justificam os meios", máxima indefensável em termos morais, mas frequentemente difícil de contestar sua utilidade prática.
Um jornalista amigo meu contou que certa vez ao entrevistar um delegado ouviu – alto e claro – os sons de um meliante sendo espancado na sala ao lado, sons que o entrevistado tratava como se não ouvisse. Entre os ruídos e gemidos ouvia-se a pergunta recorrente "onde está o garoto?". Meu amigo soube depois que após aquela sessão de tapas o interrogado confessou onde estava o menino sequestrado, o que possivelmente lhe salvou a vida.
Pois é...
Este caso mostrou a fragilidade do Direito Positivo.
Um tribunal que representava a Humanidade tinha em suas mãos criminosos que ordenaram as mortes de milhões de pessoas e, a certa altura, não sabia bem como condená-los.
A definição da verdade como "grau" fere o princípio Aristotélico do Terceiro Excluso – "é ou não é". Um objeto existe ou não existe. Não se pode dizer que "existe em determinado grau" e tomar esta afirmação como verdadeira porque este é o grau de correspondência aferida com a realidade.
Esta interpretação da verdade é um tanto nominalista.
Se correta, então uma verdade só passa a existir no instante que algum agente toma conhecimento dela.
Ou seja, o agente criaria a verdade no ato de inferi-la.
Isto tornaria a verdade um produto da imaginação, logo não necessariamente representativo de qualquer realidade.
Além disto, se a verdade é uma propriedade do conhecimento temos um paradoxo: como a verdade pode ser conhecida?
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Esses santos e martíres primitivos também perseguiam e matavam quando tinham acesso a tal poder. São Cirilo de Alexandria, por exemplo, é um dos “Padres da Igreja” e alguns o veem como o responsável pela expulsão dos judeus de Alexandria e pelo assassinato da matemática Hipatia.
Mas para ser sincero, eu não me sinto teologicamente qualificado para manter uma posição clara nesse debate sobre a doutrina moral introduzida na Patrísia sem ter que ficar consultando a Wikipedia e empregando apenas aquilo que me convem.
Eu vou ler mais a respeito da questão, que parece interessante. Me parecia que a Inquisição não era uma ruptura tão grande assim com as práticas admitidas até então, mas talvez você tenha mesmo razão.
De qualquer maneira, o ponto é que mesmo que a substância teórica da moral católica já tivesse sido formatada pelos fundadores, isso não quer dizer que a instituição da Igreja a compreendesse ou aplicasse o exemplo de seus fundadores corretamente, e essa moral precisaria ser destilada por anos e anos pelo próprio clero até se tornar efetivamente praticável, incluindo todo o processo de educar as pessoas leigas com valores derivados daqueles e assim garantir o contexto civilizacional onde uma Igreja menos violenta pudesse se inserir.
Pelo menos eu vejo dessa forma.
Outro ponto que costuma ser esquecido é que em geral nós lembramos de hereges carismáticos que foram perseguidos, mas isso não quer dizer que a Inquisição tenha apenas perseguido cientistas e pensadores livres. Talvez a maioria dos condenandos estivesse envolvida em atividades subversivas perigosas para a conservação da ordem social vigente, ordem esta bastante dependente da autoridade eclesiástica, e portanto precisassem de fato ser punidos ou executados, mas ninguém hoje pode verificar isso com grande acuidade.
O problema me parece ser empregar predicados categóricos para tratar de situações que na prática envolvem diversos níveis gradientes.
O princípio da não-tortura me parece ser um princípio civilizado bom, um ideal a ser procurado.
O que não quer dizer que ele seja perfeitamente adequado para qualquer cenário humano existente.
O ponto é que a tortura deve ser vista como um mal a ser reduzido, mas em certas circunstâncias ela não pode ser completamente eliminada sem com isso causar um transtorno muito maior do que o seu alívio.
Por maior que seja o apelo de um imperativo categórico, é preciso entender que ele é um ideal abstrato e não necessariamente um com aplicação prática direta.
Mas veja que a nossa discussão precedente sobre emergência do conhecimento moral é de uma certa forma uma descrição de como a “lei natural” pode existir, embora o seu entendimento esteja representado na aproximação formal que normalmente é interpretada como “direito positivo”.
Não é possível conhecer qual é a lei fundmental que rege ou que deveria reger os assuntos humanos, mas é possível observar que grupos humanos distintos fazem, de maneira independente e ao curso do tempo, prevalecer regras com um bom grau de analogia entre elas.
Essa analogia seria o caráter natural de certas regras de comportamento.
Em teoria de jogos é possível, para casos bem simples, mostrar que certas interações entre indivíduos fazem evoluir comportamentos e regras de conduta. A forma como eu conceptualizo a emergência da verdade moral é mais ou menos a forma como eu interpreto a emergência desses padrões matemáticos estáveis nos modelos simplificados de teoria de jogos que nós conseguimos atualmente tratar em computadores.
Pois é, como eu afirmei antes, a verdade também poderia ser concebida como a coerência observada segundo regras lógicas entre proposições simbólicas. Esse critério de coerência pode ser variado, com sistemas formais admitindo expressõe com níveis de ambiguidade ou mesmo contradições, mas o mais celebre é o sistema de concatenação de proposições bi-valuadas clássico, desprovido dessas patologias.
Mas essa verdade é um atributo de uma forma de expressar uma linguagem e não um atributo da realidade.
A verdade em epistemologia é a relação entre o nosso conhecimento e os fatos, e essa relação é sempre imperfeita, e refinada de acordo com graus de harmonia estética que a experiência qualitativa do indivíduo orientado por um modelo de mundo proporciona em comparação com um modelo alternativo.
A verdade é justamente aquilo que nos faz proceder de maneira a melhorar nosso estado de existência.
A verdade não é completamente subjetiva nem completamente objetiva, ela existe justamente na relação qualitativa entre o sujeito e a realidade, na medida em que esse sujeito procura aprimorar seu estado existencial ao empregar modelos mais adequados para a representação dos fatos que lhe ocorrem.
A expressão “conhecer a verdade” pode ser entendida sem problemas como aumentar o grau de veracidade daquilo que se conhece.
"Não faz parte da tarefa de um pastor, quando as ovelhas se afastam do rebanho [...] trazê-las de volta ao rebanho de seu dono quando este as tiver encontrado, pelo medo ou até mesmo pela dor do açoite, se elas derem sinais de resistência?". Ou ainda: "Claro que é melhor (e isso ninguém nega) que os homens deveriam ser levados a adorar Deus através do ensinamento do que por medo de punição ou da dor. Mas isto não implica , porque o primeiro método produz os melhores homens, em que os que não se submetem a ele devam ser negligenciados. Pois muitos viram vantagem (como nós já provamos e provamos diariamente pela experiência) em ser primeiro compelidos pelo medo ou pela dor de modo que mais tarde possam ser influenciados pelo ensinamento e transformem em atos o que aprenderam por palavras"
(Santo Agostinho, 417, "Tratado sobre a correção dos Donatistas")
Se aqui no Brasil, a justiça funcionasse como nos EUA, com certeza, o senhor DaPena já estaria com o seu orificio anal carregado de processo.
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8609 + aquelas que tenho agora. ):-))
Calma lá Fernando.
O problema que eu tenho com a posição que você e o Acauan sustentam para criticar a moral da Igreja é que ela parece se servir de uma coisa para criticar outra.
Uma coisa é o fato de que as práticas doutrinárias e morais da Igreja evoluiram com o passar dos séculos, e isso poderia ser conflictivo com a noção aparentemente defendida pelas autoridades eclisiásticas oficiais de que a Igreja seria “infalível”.
Essa posição consiste em julgar a Igreja do presente de acordo com suas posições atuais em face as ações que ela mesma teria cometido no passado.
Outra coisa é a situação moral da Igreja face as outras instituições religiosas e seculares com as quais ela interagiu ao longo de sua história.
O meu ponto é baseado nessa perspectiva. E nessa perspectiva eu sustento que a Igreja manteve-se consistentemente acima da cidade dos homens, ainda que existam manchas na sua história, como na de qualquer instituição humana.
Ainda que vocês possam ter razão em interpretar que a Igreja julga sua interpretação doutrinária como perfeita, e que isso seria contraditório com as mudanças de atitude que ela admite de tempos em tempos, o ponto é que na prática esse é o único ponto que têm, e ele é sinceramente bem singelo para determinar o valor do que quer que seja.
Existe uma basílica chamada precisamente, Saint Denis, na localidade de Saint Denis, no referido departamento. Nela, podemos visitar o tumulo do Carlo Martel, o rei herói da batalha de 732.
A historia é hilariante não acham?
O sucesso europeu deve-o à Igreja católica na sua totalidade. A declarada intolerância cristã foi um fator fundamental na fase de coesão politica da Europa.
Já eu diria que as sociedades evoluíram e a Igreja teve que correr atrás para não ficar falando sozinha. Em alguns casos, alegando que a evolução ocorreu por iniciativa dela.
Por outro lado, eu diria que o cristianismo inclui no pacote um conjunto de regras de moral que ajudam a manter a sociedade no bom caminho ou, pelo menos, num nível de moralidade aceitável, ainda que preserve fósseis de povos primitivos como a submissão das mulheres.
O que não temos como saber, já que nunca houve uma sociedade atéia por um período grande o bastante, é se a falta da Igreja levaria à barbárie ou se a sociedade seguiria em frente, sempre evoluindo.
O que me parece é que o bom senso das pessoas as leva a pegar a parte boa das religiões, como as regras de moral, e ignorar o lixo supersticioso, que só é levado em conta por fanáticos e idiotas.
Concordo que funcionou na época, mas isto não significa que não haja motivos melhores hoje em dia.
Outros povos tiveram sucesso com base em outras motivações antes mesmo do cristianismo existir. E outros tiveram sucesso como protestantes ou como islamitas, sem depender da ICAR.
Como já disse alguém, na hora da crise, bom é aquilo que funciona.
Bom que tenha citado o Cirilo.
Eu fiquei com raiva do cara desde que Carl Sagan o denunciou em seu programa de TV, Cosmos. E isto faz muito tempo.
Cheguei a citar São Cirilo de modo irônico e depreciativo em meu texto "Os Santos e os nem Tanto do Catolicismo", obviamente incluindo-o entre os nem tanto por conta exclusiva do relato que Sagan popularizou.
Até que um dia resolvi fazer a lição de casa e checar as fontes, começando pela Enciclopédia Católica que, por surpreendente que possa parecer para alguns, é muito confiável no assunto.
E descobri que as acusações a Cirilo de Alexandria quanto ao assassinato de Hipatia eram, no mínimo, historicamente questionáveis.
E de fato há vários santos católicos ligados à Inquisição, como St. James of the Marches, São João de Capistrano, São Pedro de Arbués e, claro, São Domingo de Guzmán. Lendo suas biografias na Enciclopédia Católica não encontrei nenhum que parecesse o tipo que gozava enquanto espremia hereges na iron maden ou os esticava naquele troço que aparece nos filmes.
Alguns, como Pedro de Arbués, foram eles próprios vitimados por defender a Inquisição, o que não significa que nenhuma besta fera clerical tenha obtido sua auréola da Congregação para as Causas dos Santos, mas no geral a Santa Sé parece bem criteriosa quanto a isto.
Se o assunto te interessa, comece pela Enciclopédia Católica. Não duvido que seja de lá que os redatores da Wiki tirem os textos sobre o assunto.
A Inquisição se insere em um contexto de mudanças decisivas para a Europa e para a Igreja Católica.
Como instituição a Igreja inicia sua transformação de uma entidade quase mística, melhor representada por seus monges e missionários do que por Roma, para uma organização burocrática centralizada.
É importante lembrar que o papel da Igreja na Inquisição é basicamente administrar a burocracia dos inquéritos e processos, uma tarefa que pareceria muita estranha a um Saint Patrick.
Ou então podemos optar pela explicação mais simples de que o poder corrompe.
A primeira coisa a entender na Inquisição é que ela é um plural, Inquisições. Começa como uma reação emergencial a um tumulto civil de inspiração religiosa e termina como uma estrutura de poder paralelo espalhada por toda Europa católica. O tipo de história que raramente rende bons resultados morais.
O melhor relato de um processo da Inquisição que já li está descrito em O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginzburg, justamente por contar a história de um homem comum condenado por heresia pelo Santo Ofício. É muito fácil simpatizar com o acusado e sua curiosa cosmogonia que lhe valeu a denúncia, mas também cabe reconhecer que o processo passava longe léguas de uma execução sumária, como querem os do contra, sendo que o acusado teve todas as oportunidades para se defender e escapar da fogueira apenas com penas administrativas simbólicas, só se dando mal no fim porque passou anos ignorando as advertências dos inquisidores e insistindo na divulgação de suas teses que, apesar de pitorescas, não eram brilhantes a ponto de arriscar o pescoço por elas.
É uma questão espinhosa e como tal nos tenta a ficar em cima do muro já que nos dois lados temos problemas aparentemente insolúveis.
Mas o relativismo no julgamento de determinadas práticas tem um risco maior a ser considerado.
Quando se aceita a tese de que a escravidão é condenável hoje, mas não era condenável ontem abre caminho para que a escravidão não seja condenável amanhã.
O problema é que quando racionalizamos demais a moral não encontramos resposta para questões como "é certo matar um inocente para salvar a vida de dois? ".
Uma verdadeira moral necessariamente santifica determinados valores, como a vida humana inocente. O significado desta santificação pode ter várias traduções filosóficas, ou não ter tradução nenhuma, mas é necessária senão todo o edifício desmorona ao menor sopro, como quase foi o caso em Nuremberg.
O problema que vejo nesta definição é que ela coloca a verdade no observador, não no objeto. Assim, o objeto seria verdadeiro apenas quando reconhecido como tal pelo observador.
Uma definição de verdade deve permitir que seu oposto defina o que é mentira.
Se a verdade é a relação entre nosso conhecimento e os fatos, a mentira seria o que?
Um desencontro entre conhecimento e fato é ignorância ou engano, não necessariamente mentira.
Veja, se a verdade é uma propriedade do conhecimento, conhecer a verdade é conhecer uma propriedade do conhecimento. Como o conhecimento é exclusivamente individual, se aceita a premissa teríamos que considerar os delírios esquizofrênicos como verdadeiros.
Talvez uma melhor idéia seja que a verdade é a manifestação do existente, tal como é.
A mentira é a manifestação do inexistente ou do existente tal como não é.
Não esgota o assunto, claro, mas dá um novo caminho.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Cabeça,
Se repassar o início da discussão verá que a crítica é dirigida à militância católica que defende incondicionalmente a Igreja, mesmo quando isto implica no uso descarado do relativismo moral.
A Igreja em si já pediu desculpas públicas pelos excessos da Inquisição, do jeito dela, mas pediu.
Nós, Indios.
Lutar com Bravura, morrer com Honra!
Isso mesmo. Hoje, a ICAR ficou ultrapassada, mas ela é persistente.
A relação entre Igreja e sociedade é altamente reflexiva.
A Igreja precisa comunicar seus valores para a sociedade de uma maneira compatível com aquilo que pode ser assimilado por ela. E a sociedade sofre transformações decorrentes tanto dos valores cristãos quanto de outras descobertas, que por sua vez afetam a doutrina da Igreja no futuro.
O Ocidente não é obviamente um projeto premeditado pela Igreja Católica, mas a Igreja Católica é em grande parte a responsável por sua integração e prosperidade material, moral e intelectual.
O que eu estava defendendo é que a Igreja se manteve de um modo geral acima das instituições seculares correspondentes (privadas, familiares, feudais, governamentais) no plano moral durante a sua História, mesmo que ela contenha manchas inquestionáveis.
O ponto é que a Igreja Católica persiste com o mesmo nome desde sempre, e com isso pode ser imputada por muitas falhas passadas, enquanto indivíduos, famílias, empresas, feudos e governos regionais ou nacionais eventualmente perecem e são esquecidos, sem que seus crimes sejam transferidos para os seus sucessores.
Na atual democracia representativa, por exemplo, a primeira coisa que os novos eleitos fazem é se isentar das responsabilidades pelas cagadas cometidas pelos governos precedentes.
Bem, este é o preço que a ICAR paga por se dizer guardiã de uma verdade revelada e não sujeita a questionamentos, com uma longa sucessão de papas infalíveis.
Só que este índice teria que ser aceito pela fé. Como garantir que o livro que o contém foi inspirado por Deus?